sexta-feira, 15 de março de 2019

Burle Marx: Arte, Paisagem e Botânica




A retrospectiva destaca a polivalência do arquiteto Roberto Burle Marx, que atuou também como pintor, escultor, designer, botânico e ecologista.

Com curadoria de Cauê Alves, a mostra que estará no Mube até 26-05, é dividida em três núcleos, e reúne cerca de 70 trabalhos, entre desenhos, pinturas, esculturas, tapeçarias, objetos, projetos e registros de expedições científicas.






Burle Marx. 1909-1994,  uma das figuras mais queridas do paisagismo brasileiro. Tornou-se um expoente no Paisagismo do Brasil e também do ativismo ambiental pioneiro da década de 70.

Foi cientista amador, paisagista, arquiteto, desenhista, escultor, ceramista, tapeceiro, litógrafo, design e decorador, entre outros.

Na sua infância, passada na cidade do Rio de Janeiro,  teve seu primeiro contato com a paisagem, mas seu ‘mergulho’ na intelectualidade artística da época recebeu expressivas influências da Alemanha, onde foi morar com sua família em 1928 (Berlim).

O ponto alto desta experiência em Berlim: Burle Marx ficou deslumbrado com os jardins e museus botânicos de Dahlen, onde pode encontrar exemplares da flora brasileira… sim da flora brasileira. E, então, volta ao Brasil, no Rio de Janeiro na década de 30, com mil ideias e matriculou-se num curso de Pintura e Arquitetura, na Escola Nacional de Belas Artes.  

Já em 1932 seu primeiro projeto foi executado: o jardim da residência da família Schwartz, -também em território carioca-, a convite do arquiteto e urbanista Lúcio Costa (1902-1998). Sim… o mesmo que desenhou o urbanismo de Brasília. E depois, um projeto de arquitetura com o pioneiro da Arquitetura moderna Gregory Warchavchik, 1896-1972.

E nos anos seguintes, que viraram décadas, foi com produções nestas áreas que marcou sua importância na historiografia do paisagismo brasileiro.




Burle Marx assumiu como diretor de parques e jardins de Recife, entre 1934 e 1937, um sonho para muitos paisagista. E, exatamente neste período, conhece e tem aulas com Cândido Portinari, 1903-1962  - nosso grande pintor; e com Mario de Andrade, 1893-1945, no famoso Instituto de Arte da Universidade de Brasília.

Pouco tempo depois, ele organizou uma coleção enorme de espécimes vegetais com potencial para projetos paisagísticos em um terreno de 800.000 m², em Campo Grande.

Com uma equipe multidisciplinar (rara na época; hoje muito mais comum), segue em suas expedições com botânicos experientes, catalogando e coletando mais de 30 exemplares de ecossistemas diversos no Brasil, antes desconhecidos (alguns levam seu nome). Estas excursões pioneiras formaram a sua base como profissional do Paisagismo e marcaram todo seu ‘memorial botânico’ específico. Ou seja, as espécies escolhidas para seu projeto. Definindo, com o tempo, até sua paleta cromática baseada nas texturas, cores e formas destes exemplares, harmoniosamente com relação direta com a pintura.

Agora, entrando de acordo com o relatado no folder oficial do MUBE - que pode ser retirado na entrada da exposição – a história deste grande paisagista brasileiro teve um momento especial com a história do próprio museu, quando o arquiteto Paulo Mendes da Rocha anunciou no projeto do próprio MUBE (Concurso de 1986) que indicaria Burle Marx para compor o que chamou de ‘Jardim do Museu’. 

Fato muito interessante para uma década em que o paisagismo , no Brasil,estava ganhando mais visibilidade, enquanto conector entre o externo e a obra arquitetônica, e não mais como um item avulso com caráter apenas de decoração. Paulo Mendes, também referência na história da Arquitetura do Brasil, declara que pensou em ‘palmeiras, bromélias, arvoredo da serra do mar, paulista’, mostrando já ser partidário dos ideias ambientais de Burle Marx.

A denominada floresta ombrófila (popularmente, Mata Atlântica), um exemplar vegetal exótico, exige muito mais água, adubos e, em alguns casos, pode até envenenar certos pássaros, pois seus frutos são comestíveis para avifauna nativa. Sabemos ainda que na pequena História do Paisagismo no Brasil, ele não conseguiu ser reconhecido devidamente como o são alguns  paisagistas do exterior  

Lá fora o Paisagismo já amalgama intervenções ambientais de reestruturação ecológica com qualidade de vida, como em Paris, nos projetos do paisagista francês Thierry Jacquet, e no paisagismo vertical ecologicamente correto do botânico com título de doutorado, o francês Patrick Blanc, criador dos jardins verticais!

No Brasil, só com Burle Marx foi possível ter este engajamento, raro em pesquisas de campo pelo Brasil, com coletas, e descobertas de espécies, estudos de espécimes selvagens, que foram adaptados em seu Sítio (ainda aberto à visitação no Rio de Janeiro), para serem futuramente implantados em seus projetos.

Num primeiro momento da exposição, temos acesso a alguns destes raros exemplares catalogados pelo próprio Burle Marx, confirmando sua apreciação – uma raridade na época – da vegetação nativa em projetos de Paisagismo.


                  



Muitos paisagistas no Brasil, talvez por facilidade do acesso e de viveiros, privilegiam em seus projetos o que chamamos de espécimes exóticos. Já que o povo brasileiro –acredito que por heranças histórico-coloniais– ainda preferem a estética destas plantas, em detrimento das nativas.

Mesmo com as tímidas leis ambientais que existem. Pelo menos, com Burle Marx (que foi também cientista botânico amador, pintor, designer de tapeçarias e objetos, ativista ecológico, conferencista em universidades e no Senado Federal – com denúncias a crimes ambientais e exigindo incentivos para projetos de recuperação ambiental), temos um pioneiro no modelo de paisagista engajado a entender nossas matas, catingas e até mangues (ecossistema mais delicado ainda).

Burle Marx foi um defensor declarado da natureza, desde a década de 70 (quando nem era ‘moda’ ainda se falar de Ecologia, por exemplo). De acordo com seu pensamento, os processos ecológicos deveriam ser estudados e depois englobados no projeto de paisagismo.


                  


Neste contexto, a militância ecológica de Burle Marx assume pioneiramente em nosso histórico de lutas ambientais.

Entretanto, atualmente, ainda hoje ainda falta consciência de que o impacto ambiental também é negativo ao se plantar espécimes vegetais exóticos (que não são do nosso ecossistema) nos nossos projetos privados e públicos por todo o país. Isto é motivo de preocupação, principalmente entre os pesquisadores da área da Botânica e Ecologia, por exemplo.

É um alívio por poder ver os estudos, pinturas, pré-projetos e projetos executivos de Burle Marx indo na contramão do pensamento simplista do mercado de paisagismo. Realmente será possível entender, concluindo a exposição, as etapas de projeto, apreciando os mesmos delicados papéis que resistiram a décadas.

Afinal sabemos como é de difícil conservação um projeto em papel vegetal ou papel manteiga, típicos como meio de trabalho até hoje em alguns escritórios de paisagistas de referência. Mesmo com o avanço da informática, como com uso de programas diversos, o desenho à mão, ou o desenho técnico à mão em nanquim, ainda é valorizado. É uma marca do toque artesanal (podemos dizer) e artístico do processo de criação e concepção de um jardim, de uma área verde urbana e até de intervenções expressivas no urbano.  

Nesta exposição do MUBE você poderá estar perto do famoso desenho do calçadão de Copacabana (RJ). Sentir o desenho feito à mão com nanquim…. Uma joia tal qual um quadro raro num museu; e do projeto dos jardins do famoso Terraço Itália e do Parque Del Este (Caracas, Venezuela).

Estar nesta exposição próxima aos desenhos de mangues, de caatinga, entre outros, feitos pelo próprio Burle Marx toca o visitante. Mesmo os distraídos, já que enfatiza também o Burle Marx artista plástico, tão conhecido quanto o Burle Marx paisagista.

Porém, como a própria exposição anuncia, outras facetas menos conhecidas deste grande paisagista brasileiro é colocada à disposição do público. Até vasos de vidro de sua autoria, toalhas de mesa gigantescas  desenhadas à mão, e tapeçarias artesanais, são criações de Burle Marx que sensibilizam o público.

Pela complexidade desta personalidade que é Burle Marx, é sugerido que o visitante percorra a exposição no horário de visitação, com monitores esclarecendo dúvidas e ampliando conexões entre os objetos, projetos, pinturas e tapeçarias.






Burle Marx: Arte, Paisagem e Botânica
Mube - R. Alemanha, 221, Jardim Europa, região oeste, tel. 2594-2601.
Ter. a dom.: 10h às 18h.
Prorrogada até 26/5.
Livre. Grátis  


Fonte: Cintia R Rondon, Arquiteta paisagista e urbanista. Professora de Paisagismo e Decoração. Mestre em Arte, Educação e História da Cultura. Especialista em Desenho Ambiental, Arquitetura da Paisagem e Historia da Arte.


(JA, Mar19),  

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