A retrospectiva destaca a
polivalência do arquiteto Roberto Burle Marx, que atuou também como pintor,
escultor, designer, botânico e ecologista.
Com curadoria de Cauê Alves,
a mostra que estará no Mube até 26-05, é dividida em três núcleos, e reúne
cerca de 70 trabalhos, entre desenhos, pinturas, esculturas, tapeçarias,
objetos, projetos e registros de expedições científicas.
Burle Marx. 1909-1994, uma das figuras mais queridas do paisagismo
brasileiro. Tornou-se um expoente no Paisagismo do Brasil e também do ativismo
ambiental pioneiro da década de 70.
Foi cientista amador,
paisagista, arquiteto, desenhista, escultor, ceramista, tapeceiro, litógrafo,
design e decorador, entre outros.
Na sua infância, passada na
cidade do Rio de Janeiro, teve seu
primeiro contato com a paisagem, mas seu ‘mergulho’ na intelectualidade
artística da época recebeu expressivas influências da Alemanha, onde foi morar
com sua família em 1928 (Berlim).
O ponto alto desta
experiência em Berlim: Burle Marx ficou deslumbrado com os jardins e museus
botânicos de Dahlen, onde pode encontrar exemplares da flora brasileira… sim da
flora brasileira. E, então, volta ao Brasil, no Rio de Janeiro na década de 30, com
mil ideias e matriculou-se num curso de Pintura e Arquitetura, na Escola
Nacional de Belas Artes.
Já em 1932 seu
primeiro projeto foi executado: o jardim da residência da família Schwartz, -também em território carioca-, a convite do arquiteto e urbanista Lúcio Costa
(1902-1998). Sim… o mesmo que desenhou o urbanismo de Brasília. E depois, um
projeto de arquitetura com o pioneiro da Arquitetura moderna Gregory
Warchavchik, 1896-1972.
Burle Marx assumiu como
diretor de parques e jardins de Recife, entre 1934 e 1937, um sonho para muitos
paisagista. E, exatamente neste período, conhece e tem aulas com Cândido
Portinari, 1903-1962 - nosso grande
pintor; e com Mario de Andrade, 1893-1945, no famoso Instituto de Arte da
Universidade de Brasília.
Pouco tempo depois, ele organizou
uma coleção enorme de espécimes vegetais com potencial para projetos
paisagísticos em um terreno de 800.000 m², em Campo Grande.
Com uma equipe
multidisciplinar (rara na época; hoje muito mais comum), segue em suas
expedições com botânicos experientes, catalogando e coletando mais de 30
exemplares de ecossistemas diversos no Brasil, antes desconhecidos (alguns
levam seu nome). Estas excursões pioneiras formaram a sua base como
profissional do Paisagismo e marcaram todo seu ‘memorial botânico’ específico.
Ou seja, as espécies escolhidas para seu projeto. Definindo, com o tempo, até
sua paleta cromática baseada nas texturas, cores e formas destes exemplares,
harmoniosamente com relação direta com a pintura.
Agora, entrando
de acordo com o relatado no folder oficial do MUBE - que pode ser retirado
na entrada da exposição – a história deste grande paisagista
brasileiro teve um momento especial com a história do próprio museu, quando o arquiteto
Paulo Mendes da Rocha anunciou no projeto do próprio MUBE (Concurso de 1986)
que indicaria Burle Marx para compor o que chamou de ‘Jardim do Museu’.
Fato
muito interessante para uma década em que o paisagismo , no Brasil,estava ganhando
mais visibilidade, enquanto conector entre o externo e a obra arquitetônica, e
não mais como um item avulso com caráter apenas de decoração. Paulo Mendes,
também referência na história da Arquitetura do Brasil, declara que pensou em ‘palmeiras,
bromélias, arvoredo da serra do mar, paulista’, mostrando já ser partidário dos
ideias ambientais de Burle Marx.
A denominada floresta
ombrófila (popularmente, Mata Atlântica), um exemplar vegetal exótico, exige
muito mais água, adubos e, em alguns casos, pode até envenenar certos pássaros,
pois seus frutos são comestíveis para avifauna nativa. Sabemos ainda que na pequena História do Paisagismo no Brasil, ele
não conseguiu ser reconhecido devidamente como o são alguns paisagistas do exterior
Lá fora o
Paisagismo já amalgama intervenções ambientais de reestruturação ecológica com
qualidade de vida, como em Paris, nos projetos do paisagista francês
Thierry Jacquet, e no paisagismo vertical ecologicamente correto do botânico
com título de doutorado, o francês Patrick Blanc, criador dos jardins
verticais!
No Brasil, só com Burle Marx
foi possível ter este engajamento, raro em pesquisas de campo pelo Brasil, com
coletas, e descobertas de espécies, estudos de espécimes selvagens, que foram
adaptados em seu Sítio (ainda aberto à visitação no Rio de Janeiro), para serem
futuramente implantados em seus projetos.
Num primeiro momento da
exposição, temos acesso a alguns destes raros exemplares catalogados pelo
próprio Burle Marx, confirmando sua apreciação – uma raridade na época – da
vegetação nativa em projetos de Paisagismo.
Muitos paisagistas no Brasil,
talvez por facilidade do acesso e de viveiros, privilegiam em seus projetos o
que chamamos de espécimes exóticos. Já que o povo brasileiro –acredito que por
heranças histórico-coloniais– ainda preferem a estética destas plantas, em
detrimento das nativas.
Mesmo com as tímidas leis
ambientais que existem. Pelo menos, com Burle Marx (que foi também cientista
botânico amador, pintor, designer de tapeçarias e objetos, ativista ecológico,
conferencista em universidades e no Senado Federal – com denúncias a crimes
ambientais e exigindo incentivos para projetos de recuperação ambiental), temos
um pioneiro no modelo de paisagista engajado a entender nossas matas, catingas
e até mangues (ecossistema mais delicado ainda).
Burle Marx foi um defensor
declarado da natureza, desde a década de 70 (quando nem era ‘moda’ ainda se
falar de Ecologia, por exemplo). De acordo com seu pensamento, os processos
ecológicos deveriam ser estudados e depois englobados no projeto de paisagismo.
Neste contexto, a militância
ecológica de Burle Marx assume pioneiramente em nosso histórico de lutas
ambientais.
Entretanto, atualmente, ainda
hoje ainda falta consciência de que o impacto ambiental também é negativo ao se
plantar espécimes vegetais exóticos (que não são do nosso ecossistema) nos
nossos projetos privados e públicos por todo o país. Isto é motivo de
preocupação, principalmente entre os pesquisadores da área da Botânica e
Ecologia, por exemplo.
É um alívio por poder ver os
estudos, pinturas, pré-projetos e projetos executivos de Burle Marx indo na
contramão do pensamento simplista do mercado de paisagismo. Realmente será
possível entender, concluindo a exposição, as etapas de projeto, apreciando os
mesmos delicados papéis que resistiram a décadas.
Afinal sabemos como é de
difícil conservação um projeto em papel vegetal ou papel manteiga, típicos como
meio de trabalho até hoje em alguns escritórios de paisagistas de referência.
Mesmo com o avanço da informática, como com uso de programas diversos, o
desenho à mão, ou o desenho técnico à mão em nanquim, ainda é valorizado. É uma
marca do toque artesanal (podemos dizer) e artístico do processo de criação e
concepção de um jardim, de uma área verde urbana e até de intervenções
expressivas no urbano.
Nesta exposição
do MUBE você poderá estar perto do famoso desenho do calçadão de Copacabana
(RJ). Sentir o desenho feito à mão com nanquim…. Uma joia tal qual um quadro
raro num museu; e do projeto dos jardins do famoso Terraço Itália e do Parque
Del Este (Caracas, Venezuela).
Estar nesta exposição próxima
aos desenhos de mangues, de caatinga, entre outros, feitos pelo próprio Burle
Marx toca o visitante. Mesmo os distraídos, já que enfatiza também o Burle Marx
artista plástico, tão conhecido quanto o Burle Marx paisagista.
Porém, como a própria
exposição anuncia, outras facetas menos conhecidas deste grande paisagista
brasileiro é colocada à disposição do público. Até vasos de vidro de sua
autoria, toalhas de mesa gigantescas desenhadas à mão, e tapeçarias artesanais, são
criações de Burle Marx que sensibilizam o público.
Pela complexidade desta
personalidade que é Burle Marx, é sugerido que o visitante percorra a exposição
no horário de visitação, com monitores esclarecendo dúvidas e ampliando
conexões entre os objetos, projetos, pinturas e tapeçarias.
Burle
Marx: Arte, Paisagem e Botânica
Mube - R. Alemanha, 221, Jardim Europa, região oeste,
tel. 2594-2601.
Ter. a dom.: 10h às 18h.
Prorrogada até 26/5.
Livre. Grátis
Fonte: Cintia R Rondon, Arquiteta
paisagista e urbanista. Professora de Paisagismo e Decoração. Mestre em Arte,
Educação e História da Cultura. Especialista em Desenho Ambiental, Arquitetura
da Paisagem e Historia da Arte.
(JA, Mar19),
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