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domingo, 20 de outubro de 2019

Luiz Aquila reafirma vitalidade da pintura com mostra no Rio



Feitas de 2007 até hoje, obras convidam a viajar no tempo e no espaço do artista


O artista Luiz Aquila


O percurso até a casa-ateliê de Luiz Aquila, em Petrópolis, na serra fluminense, é sereno, tem espaço e traços marcantes. Convida a entrar e ficar em seu universo colorido. Um bom paralelo com suas obras. As telas do artista sempre encontram um lugar de respiro, de pausa, em meio a tantos movimentos.

Trinta delas, feitas de 2007 até agora, estão ocupando a sala principal do Museu Nacional de Belas Artes, na avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Recém-inaugurada, a mostra ‘III Milênio - Criação em Aberto’, com curadoria dele e da diretora do museu, Mônica Xexéo, faz um convite a viajar no tempo e no espaço de Aquila.

Carioca de 76 anos, ele vive na serra fluminense há três décadas. ‘A pintura representa para mim um sentido de afirmação vital’, conta o artista. ‘Nós pintores usamos um instrumento arcaico, pauzinhos com pelinhos na ponta, os nossos pincéis, e atravessamos o tempo com eles’.

Hoje o pouso de Aquila é certo, mas ele viveu fora do Brasil em vários períodos. ‘Existia uma vontade de transitar’, explica. Essa movimentação também está refletida nas telas, o ir e vir, sujeito a traços fortes, cores mais e menos intensas, sempre respirando.

‘Luiz Aquila pertence a uma geração de artistas com sólida e erudita formação. Disciplinado e meticuloso, desenvolve na intimidade de seu ateliê as suas obras, a partir de intensa pesquisa de materiais e suportes’, escreveu Mônica Xexéo na apresentação da mostra.

Filho do artista plástico e arquiteto Alcides da Rocha Miranda, Aquila teve uma criação privilegiada ao lado de pintores como Portinari e Djanira. O Belas Artes faz parte de sua infância e, por isso, tem um significado especial expor ali. ‘Trazer a arte contemporânea para esses espaços simbólicos é sempre muito bom’.

Com 16 anos ‘e um vaga ideia de ser pintor’, foi aluno de Aluísio Carvão, no MAM carioca, aprendendo pintura, e de Oswaldo Goeldi, de xilogravura, na Escola Nacional de Belas Artes. Sessenta anos depois, com uma consagrada trajetória nas artes plásticas, Aquila se emociona ao entrar em um espaço que estava tão distante.

A exposição traz a expressão de sua pintura. Sua construção diária, sua necessidade vital nos traços. Aquila foi chamado pelo crítico de arte Frederico Morais de ‘herói de sua própria pintura’. E essa é uma revelação que a exposição se propõe a fazer.


Luiz Aquila III Milênio - Criação em Aberto
Museu Nacional de Belas Artes, av. Rio Branco, 199, Rio de Janeiro.
De ter. a sex., das 10h às 18h; sáb. e dom., das 13h às 18h.
Até 1º/12
R$ 8





Fonte: Alice Granato   |   FSP        



(JA, Out19)



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Exposição 'Museu Nacional Vive' traz mais de cem itens resgatados de escombros


Mostra gratuita no CCBB do Rio de Janeiro ficará aberta até 29 de abril

No centro da sala, reina iluminada uma das poucas peças que não estão protegidas por um vidro: o Trono de Daomé, um presente do reino africano que existiu até cerca de 1900, onde hoje fica o Benin, à família real brasileira.

Mas esse não é de madeira, e sim de papel machê. Também não foi doado por um rei, mas por um menino de 11 anos do Rio de Janeiro que fez o objeto com as próprias mãos ao saber que o original, exposto no Museu Nacional, foi consumido pelo incêndio que atingiu o prédio em setembro do ano passado.

O presente do aluno Miguel Nunes, que fez os pesquisadores do museu chorarem, é um símbolo do que a instituição quer a partir de agora, ao inaugurar uma exposição com mais de cem itens achados em meio aos escombros —aproximar os brasileiros de um acervo científico e cultural que é público.




A mostra ‘Museu Nacional Vive - Arqueologia do Resgate’ foi aberta na última quarta-feira (27) gratuitamente, no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro do Rio. Durante o Carnaval, a exposição estará fechada na segunda (4) e na terça (5). Na quarta (6), abrirá a partir do meio-dia.

Ela fica em cartaz até 29 de abril e acontece quase seis meses depois da tragédia, que ainda não teve investigações concluídas pela Polícia Federal. Das 170 peças exibidas, 103 estavam no edifício no dia em que ele pegou fogo. Muitas delas ficaram inteiras e outras, parcialmente danificadas.

Coleções de antropologia, botânica, entomologia (estudo de insetos), etnologia (estudo de culturas) geologia, paleontologia, invertebrados e vertebrados fazem parte da exposição. Está ali, por exemplo, uma reprodução do famoso crânio da Luzia, esqueleto humano mais antigo descoberto na América.


Panelas de cerâmica dos Waujá, do Xingu, bonecas de cerâmica do povo Karajá, de Goiás


Há ainda as bonecas Karajá, cerâmicas feitas por mulheres indígenas no século 20 e consideradas patrimônio imaterial brasileiro. O também conhecido Bendegó, maior meteorito já encontrado no Brasil, de cinco toneladas, não está na mostra e resistiu na entrada do Museu Nacional.

Entre os itens que ainda não haviam sido apresentados estão fósseis de plantas, o fêmur de um mastodonte pré-histórico, a cabeça de um crocodilo, peças africanas e partes do prédio do prédio, como uma viga de metal retorcida e fragmentos das estátuas de musas que ficavam no alto do palácio.

Algumas peças trazem a própria história do incêndio. É o caso de pequenas mantas de algodão com insetos secos que ficaram pretas por causa do fogo e foram achadas em bairros vizinhos ao museu, localizado em São Cristóvão (zona norte). Uma delas, por exemplo, foi lançada pelas chamas até a Tijuca, a mais de um quilômetro.

Dois fragmentos de ninhos de vespas, feitos de barro e portanto resistentes, também chamam a atenção. Retorcidos pelo fogo, eles foram os únicos que sobraram da imensa coleção entomológica que ficava no edifício. Pequenos potes com sílica, uma areia lilás, ficam próximos a algumas peças para retirar a umidade.

Para o diretor do museu, Alexander Kellner, a mostra é uma espécie de ‘prestação de contas para a sociedade’ do dinheiro que está sendo investido --serão cerca de R$ 85 milhões neste ano, vindos principalmente do governo federal.

Ele afirma que busca parcerias para levar a mostra para outros locais. Ela custou R$ 230 mil e foi idealizada e inteiramente custeada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, segundo o diretor-geral Marcelo Fernandes.


Paleontóloga Luciana de Carvalho da equipe de resgate do acervo do Museu Nacional

‘O que a gente está mostrando não é o total do que a gente conseguiu resgatar, é apenas uma pequena parcela dos tesouros do Museu Nacional. E essa pequena parcela não representa nada perante o enorme potencial que a gente ainda tem’, disse Kellner. ‘Precisamos de mais espaço, de mais contêineres [para recuperação do acervo], de mais verbas’.

Esta é a segunda exposição que terá itens resgatados. A primeira, ‘Quando Nem Tudo Era Gelo - Novas Descobertas no Continente Antártico’, foi inaugurada em janeiro no Palacete da Casa da Moeda, também no centro do Rio, e traz oito peças recuperadas, como fragmentos de troncos de árvores fossilizados que ficaram cobertos por pedaços de metal de um armário que derreteu com as chamas. Essa exibição, que vai até 17 de maio, estava sendo planejada antes da tragédia para acontecer em uma das salas do Museu Nacional, mas o incêndio fez os planos mudarem.

No total já foram catalogados mais de 2.000 itens achados nos escombros, mas ainda não há uma estimativa do que isso representa em termos percentuais. Vários desses objetos podem ser fragmentos de uma peça só, e entre eles há equipamentos, itens pessoais e fragmentos arquitetônicos.

Essas unidades foram resgatadas por uma equipe de 60 pesquisadores do próprio museu, que nos últimos meses têm entrado em cada sala do prédio bicentenário junto com operários da empresa Concrejato --contratada pela UFRJ (Universidade Federal do RJ) para reforçar a estrutura do prédio.

Os trabalhos de busca do acervo ainda devem durar até o final do ano, mas as obras de reforço do edifício e instalação de um teto provisório estão previstas para acabar em março.

Os objetos vão sendo coletados, encaminhados para a triagem, catalogados, estabilizados (processo para evitar sua deterioração) e depois restaurados, tudo isso em cerca de 20 contêineres montados do lado de fora do museu —a instituição diz que precisa do dobro.

O acervo tinha no total mais de 20 milhões de peças, incluindo o que não foi atingido pelo incêndio. As coleções de invertebrados, vertebrados e de botânica eram algumas das que estavam armazenadas em prédios anexos.

Desde dezembro, quem não conheceu o Museu Nacional também pode circular virtualmente por suas principais salas e coleções em uma visita online guiada com imagens capturadas pela plataforma Google Street View antes da tragédia.


Exposição ‘Museu Nacional Vive – Arqueologia do resgate’
Onde Centro Cultural Banco do Brasil - RJ (r. Primeiro de Março, 66, Centro - Rio de Janeiro)
Quando 27 de fevereiro a 29 de abril de 2019
Horário De quarta a segunda, das 9h às 21h
No Carnaval Não abre segunda (4) nem terça (5); na quarta (6), só às 12h
Quanto Grátis


 
                                             




Fonte: Júlia Barbon   |    FSP


(JA, Fev19)

sábado, 8 de dezembro de 2018

Trabalho de artista: imagem e autoimagem (1826-1929)

 Exposição Pinacoteca de São Paulo
  
‘Longe do Lar’, 1884, de Benedito Calixto (1853-1927)

A Pinacoteca de São Paulo, museu da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, apresenta, de 8 de dezembro de 2018 até 25 de fevereiro de 2019, a exposição ‘Trabalho de artista: imagem e autoimagem (1826-1929)’, que ocupa quatro salas do 1º andar da Pina Luz. Com concepção curatorial de Fernanda Pitta, da Pinacoteca de São Paulo, e co-curadoria de Ana Cavalcanti (UFRJ) e de Laura Abreu (MNBA), a exposição apresenta um conjunto com cerca de 120 obras – pinturas, esculturas, gravuras e desenhos. São 33 autores, mulheres e homens, que representaram seu trabalho e suas figuras  de artista, entre o século 19 e início do século 20, período em que se constitui o sistema artístico moderno no Brasil. A exposição foi realizada em parceria com o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

‘O importuno’, 1898, de Almeida Júnior (1850-1899) 


A exposição, patrocinada pelo Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre, foi organizada em torno de quatro eixos: Criação e ofício, O ateliê como motivo, A persona do artista (retratos e autorretratos) e O artista e a modelo. O conjunto traz obras que, mais do que o simples exercício da representação de retratos e autorretratos ou de cenas pitorescas de ateliê, representam o esforço de gerações de artistas para apresentar ao público sua imagem e seu trabalho, sua persona e seu universo de criação, legitimando sua presença na cultura  brasileira. Obras como ‘Longe do Lar’ (1884), de Benedito Calixto, e ‘O importuno’ (1898), de Almeida Júnior, ambas pertencentes à coleção da Pinacoteca, são testemunhos da autoconsciência dos artistas em construir uma imagem pública de si e de seu ofício.
Integram também  obras provenientes de 25 coleções privadas e públicas, incluindo o Museu D. João VI (Rio de Janeiro), Museu de Arte de Belém e o Museu de Arte de São Paulo. Além delas, a mostra apresenta ainda fotografias de ateliês, revistas ilustradas com reportagens sobre a vida de pintores e escultores brasileiros, álbuns de artistas, e os primeiros livros dedicados à história da arte e dos artistas no Brasil, como Belas Artes: estudos e apreciações (1885), de Felix Ferreira, A arte brasileira: pintura e escultura (1888), de Gonzaga Duque, e a primeira edição da biografia de Antonio Parreiras, História de um pintor contadas por ele mesmo (1881-1926), de 1926.
O conjunto propõe demonstrar que a estratégia, usada pelos artistas da época, de construir uma imagem de si mesmos e de seu trabalho significava elevar seu próprio status na sociedade brasileira, tradicionalmente marcada pela desvalorização de todos os ofícios ligados ao artesanato e ao esforço manual. Evidencia também as exigências contraditórias de uma formação artística oferecida pelo sistema acadêmico, dirigida para a pintura de história ou para o monumento público, que ao mesmo tempo requisitava ao artista que se afirmasse como profissional “em exposição”, que deveria construir sua imagem e reputação para concorrer num mercado pouco a pouco em expansão.

Artistas Participantes
Abigail de Andrade, Amadeu Zani, Antônio Parreiras, Arthur Timótheo da Costa, Beatriz Pompeu de Camargo, Benedito Calixto, Benjamin Parlagreco, Carlos Chambelland, Carlos De Servi, Dario Villares Barbosa, Edgard Parreiras, Eliseu Visconti, Eugênio Latour, Gaston Gérard, Georgina de Albuquerque, Giuseppe Leone Righini, Henrique Bernardelli, José Ferraz de Almeida Júnior, Lucilio de Albuquerque, Marques Campão, Modesto Brocos, Nicolas Antoine Taunay, Numa Camille Ayrinhac, Oscar Pereira da Silva, Pedro Américo, Pedro Peres, Pedro Weingartner, Rafael Frederico, Regina Veiga, Rodolfo Amoedo, Rodolpho Bernardelli, Theodoro Braga e Theodoro de Bona.

Serviço

Trabalho de artista: imagem e autoimagem (1826-1929)
Curadoria de Fernanda Pitta (Pinacoteca), Ana Cavalcanti (Escola de Belas Artes, UFRJ) e Laura Abreu (Museu Nacional de Belas Artes), assistência de curadoria de Khadyg Fares
Abertura: 8 de dezembro de 2018, sábado, às 11h
Visitação: de 8 de dezembro de 2018 até 25 de fevereiro de 2019
De quarta a segunda, das 10h às 17h30 – com permanência até as 18h
Pinacoteca: Praça da Luz 2, São Paulo, SP
Ingressos: R$ 6,00 (entrada); R$ 3,00 (meia-entrada para estudantes com carteirinha)
Menores de 10 anos e maiores de 60 são isentos de pagamento.*
Aos sábados, a entrada da Pina é gratuita para todos.
A Pina Estação é gratuita todos os dias.
Amigo da Pina tem acesso ilimitado, além de desconto na loja e no café. Também pode participar de visitas guiadas e outros eventos com a equipe da Pinacoteca. Para saber mais sobre o programa, acesse:  http://pinacoteca.org.br/apoie/amigos-da-pina/

* A partir do dia 2 de janeiro de 2019, o ingresso passará a custar R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)


(JA, Dez18)

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Santo milagreiro


Uma estupenda mostra de mestres italianos, com o grande Ticiano à frente, ilustra as razões da popularidade e da eterna atualidade de São Francisco de Assis


Imitação de cristo - O personagem com o anjo, por Orazio Gentileschi: depois da Virgem e de Jesus, só dá ele


Pai dos pobres - Francisco, em obra do quattrocento, de Antoniazzo Romano (1467): santo ‘antenado’


Notório pela humildade inquebrantável, São Francisco de Assis (1182-1226) não endossava a opinião que os outros tinham sobre sua aparência. Para os seguidores, o santo que renovou o cristianismo com sua opção radical pelos pobres sintetizaria a pureza da fé nos traços formosos de sua face. Mas Francisco, consciente de seu rosto fino e inexpressivo, auto definia-se como um ‘franguinho preto’. A posteridade não avalizou a modéstia franciscana: desde sua morte, na Itália do século XIII, o franguinho tornou-se um poderoso emblema católico, como se atesta em São Francisco de Assis na Arte de Mestres Italianos, que estreia na quarta-feira 8 na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, e aportará em outubro no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio.
Com vinte obras que vão do quattrocento renascentista às visões estupefacientes do barroco, passando por uma tela de quase 3 metros de altura do mestre da escola veneziana Ticiano Vecellio, o acervo resume a força do santo como inspiração para grandes pintores. Como estima o italiano Stefano Papetti, um dos curadores: ‘Depois de Cristo e da Virgem, nenhuma figura cristã foi tão celebrada em imagens’. A mostra é a versão ligeiramente reduzida de outra exibida em 2016, em Ascoli Piceno, cidadezinha italiana onde Francisco pregou há oito séculos, e em cuja igreja se encontra a obra de Ticiano. A falta de ineditismo não afeta o essencial: quando um conjunto tão estupendo de arte italiana vem ao Brasil, só resta correr para a fila do museu.

Penitência – ‘Êxtase’ (século XVII), de Cesare Fracanzano: sofrer é viver

 A vida simples e a pregação acessível de Francisco sempre fizeram dele um dos santos mais populares, e hoje seu misticismo pé no chão parece ter ganhado atualidade. Não é fortuito que ele dê nome ao papa de turno: Francisco é o santo ‘antenado’ com a galera que professa a militância pela ecologia e pelos direitos dos animais, exercita o desapego por meio de hábitos colaborativos e prega a tolerância. ‘Seu estilo de vida continua moderno’, diz o curador.

Família - Obra de dell’Amatrice: São Sebastião, Santo Antônio, a Virgem com Jesus, São Francisco e São Roque


A aura de santo ‘gente como a gente’ se completa com fraquezas e padecimentos humanos. Filho de um comerciante rico, Francisco foi o equivalente medieval do playboy­ostentação: esbanjava dinheiro em farras, e trajava os últimos babados da moda. A certa altura, porém, os prazeres mundanos perderam o sentido. Em crise existencial, ele penou até a conversão. No momento da ruptura, entregou suas roupas ao pai — que o acusava de torrar a herança com os pobres — e saiu nu em meio a uma multidão. Mais tarde, quando os romanos se mostraram insensíveis à sua pregação, pôs-se a evangelizar pássaros, que se reuniriam só para ouvi-lo — o que espalhou a fama de santo.
As duas cenas foram imortalizadas em afrescos que adornam a Basílica de Assis, onde ele está sepultado. São obras que não saem de suas paredes de origem — mas o espectador brasileiro poderá, como consolo, fazer um tour virtual pela igreja. A riqueza da Basílica de Assis expõe outra razão de sua popularidade: a ordem religiosa que ele criou — a dos frades franciscanos — foi desde sempre sagaz em promover a imagem de seu primeiro líder por meio da arte.

Grandeza - A tela de Ticiano: cena poderosa dos estigmas enviados por raios


Além do feito de reaproximar a Igreja do povo ao abraçar a ‘Senhora Pobreza’, Francisco tinha mais um atrativo para a exploração visual: foi o primeiro santo a ostentar os chamados estigmas. Seu corpo, supostamente, carregava as cinco chagas do Cristo crucificado: os cravos nos pés e nas mãos e a ferida no lado direito do tórax. Anunciado após sua morte, o milagre foi visto a princípio com desconfiança, inclusive pelos artistas. ‘Pintores relutavam em pintar os estigmas e, se os pintavam, logo eram apagados por fiéis desconhecidos’, relata uma biógrafa moderna, Chiara Frugoni (para quem os estigmas seriam sinais de uma das várias doenças que possivelmente o levaram à morte: a hanseníase). Com o tempo, porém, a Igreja deu um jeitinho de condensar os relatos na cena de irresistível pungência em que o santo recebe as marcas de raios disparados por Cristo.

Fé - ‘São Francisco em Oração’, de Annibale Carracci: glória barroca

A mostra ilustra três variantes da representação de São Francisco. Ele surge acompanhado de outros santos: na pequena mas singela obra do mestre do século XVI conhecido como Cola dell’Amatrice, está ao lado da Virgem com o Menino Jesus, São Sebastião, São Roque e Santo Antônio. Em outras, há o Francisco sofredor e penitente — tema comum desde seus primeiros retratos até a explosão dramática do barroco, como no dilacerante Êxtase, de Cesare Fracanzano. O motivo mais recorrente são os estigmas. Em um magnífico óleo do também barroco Orazio Gentileschi, Francisco tem seu corpo inerte abraçado por um anjo, igualando-se ao próprio Cristo apeado da cruz. Por fim, há a grande obra do grande Ticiano. Feito pelo pintor aos 80 anos, usando os dedos em lugar de pincéis em alguns pontos, o painel é um milagre da restauração: exames de raios x mostram que por baixo da tinta há buracos causados pelo fogo de velas, fruto de um acidente séculos atrás. Pintor mais careiro de seu tempo, Ticiano cobrou uma nota para fazer a encomenda para um figurão que aparece todo pomposo no lado direito da pintura. Santa ironia: o artista ficou mais rico à custa do pai dos pobres.





Fonte: Marcelo Marthe   |   Revista Veja


(JA, Ago18)