terça-feira, 30 de abril de 2019

Os 500 anos de Leonardo da Vinci






Dentre os muitos enigmas que envolvem a vida de Leonardo da Vinci e sua obra, certamente, podemos elencar o seu mais famoso quadro, retrato de Lisa del Giocondo, mais conhecido como Mona Lisa ou Gioconda, que atualmente encontra-se no Louvre, Paris.

De sorriso enigmático e origem imprecisa, o quadro vem intrigando milhares de pessoas ao redor do mundo desde o Século 16. Mas, o mais intrigante de tudo, é que existe uma outra Mona Lisa no Museu do Prado, Espanha.


Mona Lisa do Louvre




Dentre os muitos enigmas que envolvem a vida de Leonardo da Vinci e sua obra, certamente, podemos elencar o seu mais famoso quadro, retrato de Lisa del Giocondo, mais conhecido como Mona Lisa ou Gioconda.

De sorriso enigmático e origem imprecisa, o quadro vem intrigando milhares de pessoas ao redor do mundo desde o Século 16.

Iniciado em 1503 e, oficialmente, finalizado em 1506, mas com retoques feitos em 1510, a obra em questão ficou em poder do rei François I, que alegou tê-la comprado do pintor antes de sua morte, em 1519. Isso já gerou a primeira grande polêmica, pois italianos consideram-na como parte de seu patrimônio histórico e cultural e lutam para ‘repatriá-la’. Entretanto, os historiadores franceses alegam que a Itália sequer era uma nação unificada ao tempo de Leonardo, e que ele, portanto, teria nascido numa República atualmente extinta, e que, nesse caso, seu legado pertence à humanidade, podendo o quadro permanecer exposto no Louvre, em Paris.

A pintura foi executada em várias camadas finas, o que deve ter levado anos, e apresenta o maior toque de perfeição técnica dentre todas as obras do pintor, que utilizou inúmeros vernizes transparentes numa combinação com um de tom mais amarelado para compor a justaposição de luz/sombra idealizada pelo gênio, e, justamente por isso, suspeita-se que ela tenha sido usada como elemento de aula ainda enquanto era executada, o que seria totalmente inédito para o conceito de ensino da arte na época.

Tal afirmação se faz pertinente, pois no Museu do Prado, na Espanha, podemos apreciar a Mona Lisa do Prado, obra quase idêntica, porém, com cores mais vibrantes, e suaves alterações na lateral direita da paisagem de fundo e nas colunas que compõem o plano de enquadramento da distinta dama.


Mona Lisa do Prado




Mona Lisa do Prado foi executada entre 1503 e 1516, muito provavelmente, sobre um desenho base feito pelo grande mestre, o que era muito comum nos ateliês renascentistas, especialmente, nos fiorentinos. Mas, também é possível que ela tenha sido executada em parceria com um ou mais alunos, fato também comum à época.

Parece que o ‘copista’ elaborou a obra da esquerda para a direita e, respeitando essa lógica de deslocamento, foi se afastando da ideia originalmente proposta, e acrescentando elementos de sua própria criação.

A ausência das camadas de verniz também distanciam as matizes do colorido original das duas obras, impossibilitando a perfeita comparação - ainda que saibamos que, nas cores originais da Gioconda que está no Louvre, as variação de suas vestes são em tons de mostarda, acentuados num amarelecimento causado pelo verniz final e pela ação do tempo.

A comparação entre as obras apresenta vários elementos interessantes, mas talvez o mais importante é que o retrato de Lisa que está no Prado pode ser o resultado de uma aula magistral, e direto acompanhamento do desenvolvimento do aluno, ou ainda, uma variação feita pelo próprio mestre para ensinar suas técnicas...

Como quase tudo vindo deste adorável gênio, fica o enigma e nosso olhar embevecido para o seu legado revolucionário, que construiu muitas obras magistrais tanto no campo técnico, como no simbólico.






Fonte: ‘Os Medices - Senhores do Renascimento’  |  Maria Cristina Pedroso Macedo, Agenda Arte e Cultura



(JA, Abr19)



sexta-feira, 26 de abril de 2019

MoMA de Nova York – Reforma


Em uma controversa reforma de 400 milhões de dólares, o MoMA fechará as portas por quatro meses para adequar-se aos ditames da era da inclusão






Projeto de reforma de US$ 400 milhões; deve ficar pronto até 2020


Em 1984, o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) inaugurou, sob aplauso crítico geral, a ambiciosa exposição ‘Primitivismo na Arte do Século XX:  Afinidade do Tribal e do Moderno’.
A mostra contrapunha 150 obras modernistas, de medalhões como Gauguin e Brancusi, a mais de 200 objetos tribais, em um exercício de olhar para além do próprio umbigo (a arte europeia/ocidental) e valorizar as produções de diferentes origens. A iniciativa era embalada por um discurso cheio de boas intenções — mas não teve o efeito esperado.
Semanas depois da abertura, a revista Artforum, referência na área, saiu com longo artigo que condenava o museu por ‘reduzir’ a arte indígena de outros continentes a mera fonte de matéria-­prima. O autor, Thomas McEvilley, disse que a exposição exemplificava ‘a autoreferência ocidental autista’ ao relacionar-se com o diferente. Ferida, a instituição reagiu, e McEvilley aumentou o tom das críticas, em embate que só se inflamou.
Passados 35 anos, o MoMA faz uma nova tentativa de ampliar seus horizontes. Em 15 de junho, em plena abertura da estação turística americana, trancará as portas para uma reforma — será a primeira vez, em seus noventa anos de história, que fechará para valer, sem a busca de um local para funcionamento provisório.
Quando reabrir, mais de quatro meses depois, em 21 de outubro, terá não apenas ganho 3700 metros quadrados de novos espaços, em uma reforma orçada em 400 milhões de dólares, mas passado por um reexame de identidade, a fim de contemplar a palavra mágica do momento — diversidade.

'Les Demoiselles d’Avignon', de Picasso

Ao lado de obras como ‘A Noite Estrelada’, de Vincent van Gogh, e ‘Les Demoiselles d’Avignon’, do misógino Pablo Picasso, haverá telas de mais artistas mulheres, negros, latinos, asiáticos. Em geral, são itens que já pertencem ao acervo do museu, mas que os curadores frequentemente mantinham sob o ar condicionado dos depósitos — em outras palavras, estavam na geladeira.
Abre-se espaço para trabalhos como ‘Janela de uma Garota Negra’, 1969, da afro-americana Betye Saar, que está hoje com 92 anos. A pintora é uma exceção estatística: um estudo recente examinou as coleções de dezoito dos principais museus dos Estados Unidos, e concluiu que 85% dos artistas são brancos e 87% são homens. ‘Não queremos esquecer nossas raízes como a maior coleção de arte modernista, mas o museu não dava destaque ao trabalho de artistas mulheres, ao que as minorias estavam fazendo, e era limitado em sua geografia’, declarou Leon Black, presidente do MoMA.


 ‘Janela de uma Garota Negra’, de Betye Saar


O local, de fato, formou sua coleção com pesado viés na arte francesa pós-impressionista e modernista, além da produção modernista americana.
 Mas hoje tem a concorrência de outras instituições, como o Museu Whitney, que se instalou num prédio novo em 2015. Enquanto isso, espaços como a pequena Neue Gallerie, inaugurada em 2001, na Quinta Avenida, começaram a reparar a negligência histórica com a arte austríaca e alemã, agravada com a rivalidade resultante das duas grandes guerras.
Pois mais uma vez a iniciativa edificada conforme a cartilha contemporânea da boa intenção — e da inclusão, e do empoderamento, e de mais termos afins — não tem sido festejada como planejado.
A primeira das controvérsias: para construir a nova ala, foi preciso passar com os tratores por cima do belíssimo prédio do Museu do Folclore, inaugurado em 2001 e celebrado por seu valor arquitetônico e cultural.
‘Para que desperdiçar tantos milhões em prédios em áreas tão valorizadas em vez de se expandir para locais carentes de cultura?’, questionam as pessoas. Quem procurar por respostas não tardará a encontrá-las. O MoMA vendeu por 125 milhões de dólares um terreno contíguo à nova ala.
Ele abriga uma recém-lançada torre residencial de 320 metros de altura, projetada pelo francês Jean Nouvel, que tem como charme extra um acesso exclusivo à sede do venerando museu — um daqueles luxos imprecificáveis, que ganham preço certo na mão dos corretores (uma cobertura ali custa 63 milhões de dólares). Ou seja: ao lado dos atualíssimos propósitos de expandir a visão de arte e ouvir mais vozes, há os velhíssimos interesses pecuniários.


‘A Lua’, 1928, de  Tarsila do Amaral



Quando o MoMA reabrir, em outubro, a exposição principal será ‘O Sul Moderno: Jornadas na Abstração’, de arte latino-americana e baseada nas doações da colecionadora venezuelana Patricia Phelps de Cisneros — entre elas, obras dos brasileiros Lygia Clark e Hélio Oiticica. Ainda não há previsão para exibir a tela ‘A Lua’, 1928, da paulista Tarsila do Amaral, adquirida em fevereiro por estimados 20 milhões de dólares - o valor mais alto já pago por um trabalho de pintor brasileiro.
O preço das obras, a propósito, é um desafio para que o mundo conheça melhor nossa batucada. ‘Os modernistas brasileiros chegaram primeiro aos colecionadores, o que os torna hoje muito caros para os museus’, diz a espanhola Iria Candela, curadora especializada em arte latino-americana e contratada do Museu Metropolitan.
Se ainda não são tantos nas paredes, os brasileiros ao menos se mostram numerosos pelos corredores — entre os mais de 900 000 turistas do país que a maior cidade dos Estados Unidos estima ter recebido em 2018, 63% são frequentadores de museus e galerias de arte.





Fonte: Lúcia Guimarães, de Nova York   |   Veja


(JA, Abr19)


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domingo, 21 de abril de 2019

Leonardo da Vinci +500



Estudo obsessivo da luz e da visão está por trás de obras geniais de Da Vinci



 


Artista foi pioneiro da aplicação do método científico à arte e pesquisou com afinco as propriedades físicas e matemáticas da luz

Não foi apenas a genialidade em estado bruto que transformou Leonardo da Vinci (1452-1519) no pintor mais famoso de todos os tempos. Pode-se dizer que o artista italiano foi o pioneiro da aplicação do método científico à arte, estudando com afinco as propriedades físicas e matemáticas da luz para conferir a seus quadros uma vivacidade ímpar.

Da Vinci também usou seus talentos como anatomista para tentar entender como as imagens eram captadas pelo olho humano e transmitidas ao cérebro, alcançando alguns insights sobre o tema que só seriam confirmados séculos mais tarde.

O resultado dessas tentativas obcecadas de compreender como luzes e sombras se comportam no mundo real são obras-primas como ‘A Última Ceia’ (reproduzida abaixo), ‘Mona Lisa’ e outras menos conhecidas, como ‘Dama Com Arminho’ e ‘La Belle Ferronière’, nas quais cada detalhe de como os raios luminosos adentram um ambiente e ricocheteiam em pessoas e objetos foi pensado com antecedência. Eis um dos grandes motivos pelos quais Leonardo demorava para terminar seus quadros e deixou muitos deles inacabados: sua meta era a perfeição científica, e não apenas artística.

Duas palavras italianas que entraram para o vocabulário técnico das artes plásticas ajudam a entender como o mestre florentino concebia a pintura. Os termos-chave são sfumato (literalmente ‘esfumado’, algo que se desfaz como fumaça) e chiaroscuro (‘claro-escuro’, o uso de contrastes entre luz e sombra).

‘As sombras e luzes que desenhais devem se mesclar sem linhas ou fronteiras, à maneira da fumaça que se perde no ar’, escreveu Leonardo numa coleção de máximas dedicadas a jovens pintores (que ele não publicou em vida, assim como ocorreu com quase todos os seus textos).

Com efeito, observações e experimentos de óptica que realizou ao longo da vida o levaram a concluir que o olho humano nunca capta linhas totalmente definidas separando um objeto do outro, mas gradações contínuas, que um artista habilidoso é capaz de reproduzir.

‘Entre a luz e a escuridão há uma variação infinita, porque a quantidade delas é contínua’, escreveu ele. (Essa visão predominaria até a revolução da física quântica no século 20, quando se descobriu que, na verdade, existem ‘pacotes’ não contínuos e indivisíveis de luz, os fótons ou partículas luminosas, mas a percepção humana usual bate com a afirmação de Leonardo).

Traçando diagramas da propagação dos raios luminosos em seus intermináveis cadernos, Da Vinci estipulava regras para o ambiente imaginado de seus quadros levando em consideração as proporções entre os objetos pintados e a fonte de luz hipotética que os ilumina.

‘Se o corpo é maior do que a luz, a sombra lembra uma pirâmide invertida e truncada, e seu comprimento também não tem uma terminação definida. Porém, se o corpo é menor do que a luz, a sombra lembrará uma pirâmide e chegará a um fim, como se vê nos eclipses da Lua”, detalhou o mestre em suas anotações.










‘Ele criou diversas categorias de sombras e propôs escrever capítulos sobre cada uma delas em seu futuro tratado sobre o tema, nunca publicado’, diz um de seus biógrafos, o escritor americano Walter Isaacson, no livro ‘Leonardo da Vinci’. Entre elas estavam: sombras primárias criadas pela luz incidindo diretamente sobre um objeto, sombras derivadas que resultam da luz ambiente se difundindo pela atmosfera, sombras suavemente ‘salpicadas’ pela luz refletida em objetos próximos —a lista é longa.

Entre seus rascunhos sobreviveu também um desenho detalhado dos nervos ópticos, que saem da parte de trás do olho e se encaminham para o cérebro, levando as informações visuais para o órgão.

Da Vinci dissecou dezenas de cadáveres para obter esses dados, chegando até a criar uma técnica específica voltada para a análise post-mortem do olho humano. Para evitar que o delicado tecido ocular mudasse de forma quando fosse cortado, ele recomendava o seguinte: ‘Deve-se colocar o olho inteiro dentro de uma clara de ovo, fervê-la até ficar sólida e depois cortar o ovo e o olho transversalmente, para que a porção média do globo ocular não seja derramada’.

Juntando essas observações ao raciocínio matemático, Leonardo concluiu que as imagens não eram formadas pela incidência da luz num único ponto do olho, mas de forma ‘espalhada’ em diversos pontos da retina (na verdade, na época dizia-se que isso acontecia na pupila), o que se revelou correto.

Por outro lado, acabou ‘travando’ na tentativa de entender como o olho consegue corrigir as imagens, que deveriam chegar de ponta-cabeça ao cérebro ao passar pela abertura da pupila. ‘Ele não percebeu que o próprio cérebro é capaz de fazer esse ajuste’, escreve Isaacson.

A capacidade de observação prodigiosa de Leonardo também permitiu que ele reproduzisse os gestos associados às emoções humanas de modo que não alcançaria paralelos em sua época (e que, de certa maneira, antecipa os estudos que psicólogos e naturalistas, incluindo o próprio Darwin, fariam sobre o tema no século 19).

O resultado mais emblemático disso é o ‘cinema’ dos gestos dos apóstolos em ‘A Última Ceia’. Cada gesto e expressão são espelhos do estado de espírito dos personagens no drama retratado pelo artista.







Fonte: Reinaldo José Lopes   |   FSP



(JA, Abr19)


sexta-feira, 19 de abril de 2019

‘Japão 47 Artesãos’ apresenta peças que contam um pouco da história das 47 províncias japonesas



Combinando design, artesanato, contemporaneidade e tradição, a Japan House São Paulo apresenta ‘Japão 47 Artesãos’, exposição em cartaz de 22 de abril a 17 de julho, com curadoria do designer japonês Kenmei Nagaoka, do D&Department Project.




O segundo andar do centro cultural é o cenário para descobertas resultantes de um Japão contemporâneo, que jamais abandona suas tradições, a ser revelado em suas características, habilidades e sensibilidades, por meio de peças feitas por artesãos das 47 províncias que compõem o Japão.

‘Japão 47 Artesãos’  traça um amplo panorama do fazer manual no Japão atual, com itens que revelam histórias e características individuais das províncias e se utilizam de designs típicos, inclusive para subvertê-los.




À primeira vista, os itens podem parecer distantes da regionalidade típica, porém, o ponto de partida para esses artesãos em suas criações são, muitas vezes, as memórias de sua terra natal, os materiais e as técnicas herdadas nos muitos séculos de saber.

‘Tendo como pano de fundo a história e a atmosfera de cada região, incluindo o artesanato tradicional e a indústria local, esses artesãos misturam a própria criatividade e as necessidades da sociedade de forma equilibrada, expressando a si mesmos na forma de recipientes e utensílios’. - Kenmei Nagaoka



A seleção das peças ressalta que o design não está relacionado ao consumo desenfreado, mas sim, na valorização dos objetos de qualidade, que contam uma história.

Para ajudar a alcançar as singularidades e contar estas histórias, as peças da mostra estão divididas em cinco agrupamentos que formam as áreas geográficas do país nipônico: Hokkaido, Honshu, Shikoku, Kyushu e Okinawa.

‘A exposição é uma forma visual de apresentar ao público um panorama das 47 províncias japonesas, traduzidas por meio de objetos contemporâneos que seguem preceitos tradicionais em sua técnica ou na escolha de materiais. É mais um exemplo dessa harmonia tão importante na cultura japonesa entre o passado e o presente’, afirma Natasha Barzaghi Geenen, diretora cultural da Japan House São Paulo.

Dentro da programação de JAPÃO 47 ARTESÃOS, será realizado no dia 23 de abril, às 19h, a palestra ‘Artesanato contemporâneo do Japão’ sobre os detalhes da exposição, com foco nos processos produtivos. Saiba mais na página:




Sobre  D&Department Project  

O D&Department Project   – fundado em Tóquio, em 2000 - realiza atividades para rever e apresentar algumas das particularidades das 47 provinciais japonesas, incluindo seus designs típicos.  Criado pelo designer Kenmei Nagaoka, o espaço composto por museu, loja e restaurante propõe transmitir as sensibilidades, habilidades e características individuais do Japão atual.  Todas as atividades são realizadas sob o conceito Long Life Design, que não trata apenas de design, mas da influência que o ambiente, processos produtivos e as formas de venda, exercem sobre objetos que continuam a ser regularmente produzidos.


‘Japão 47 Artesãos’
Japan House São Paulo – Avenida Paulista, 52 (2º. andar)
De 22 de abril a 17 de julho de 2019
De Terça-feira a Sábado: das 10h às 20h; Domingos e feriados: das 10h às 18h
Entrada gratuita







Fonte: Japan House


(JA, Abr19)

sábado, 6 de abril de 2019

Negócios com obras de Tarsila do Amaral ganham força com fama global




Líder de mais de 40 herdeiros, Tarsilinha comanda espólio e licencia direitos para filmes, roupas e chinelos


Autorretrato de Tarsila do Amaral de 1923, também conhecido como 'Manteau Rouge'

Se a obra de Tarsila do Amaral transita hoje tanto em exposições internacionais de instituições do quilate do Museu de Arte Moderna de Nova York quanto na capa de cadernos de escola, na estamparia de coleções, no colorido de sandálias de dedo, em rótulos de vinhos, caixas de lápis, quebra-cabeças e calendários é pela movimentação de sua sobrinha-neta homônima.

​Tarsilinha do Amaral, como é conhecida, é ao mesmo tempo embaixatriz e empresária do espólio da pintora modernista há mais de 20 anos.

Neste período, ela articulou exposições no Brasil e no exterior. E viu as oportunidades de negócios com os direitos autorais das obras da tia, detidos por sua família, proliferarem à medida que crescia o prestígio e o reconhecimento da produção da autora de ‘Abaporu’, de 1928.

A tela, que pertence ao acervo do Malba, de Buenos Aires, inspirou o ‘Manifesto Antropófago’, escrito pelo poeta e marido da artista, Oswald de Andrade, e segundo o qual a arte vanguardista europeia, deglutida e digerida em terras brasileiras, daria origem a uma produção nacional única e original.

Tarsila é hoje o ícone globalizado do modernismo brasileiro produzido a partir desta ideia.

E Tarsilinha, 54, viu a administração do espólio da tia-avó tomar cada vez mais o espaço de sua carreira como cavaleira e professora de hipismo.

‘Há 20 anos, eu montava a cavalo todos os dias, o dia todo. E abria o e-mail de vez em quando para cuidar de um ou outro assunto relacionado às obras da Tarsila’, lembra ela.

‘Naquela época, nenhuma empresa queria pagar royalties para uma artista plástica brasileira. Só existia licenciamento do Mickey e da Xuxa. E nada de arte’, brinca, sobre suas visitas a empresários em busca de parcerias.


Modelo da coleção primavera-verão 2018 da Osklen, inspirada na artista


Hoje, Tarsilinha celebra a reedição de algumas peças da exitosa coleção que a marca Osklen desfilou em 2017, inspirada em pinturas de Tarsila, tia. E destaca a parceria com as Havaianas, que criaram três modelos de sandálias estampadas com as pinturas ‘A Cuca’, ‘Postal’ e ‘Antropofagia’.

‘Isso para mim é uma conquista, que ajuda a abrir os olhos das pessoas para a obra ela’, diz. ‘Sei que os historiadores e críticos têm uma relação purista com as obras, mas a gente tem que popularizar a arte. Minha tia está se tornando um ícone também por causa deste tipo de trabalho’, defende ela.

Tarsilinha reconhece também que esse tipo de uso das pinturas serve a uma questão financeira. ‘Sofro pressão de mais de 40 herdeiros, que querem saber quanto vão ganhar. Mas não faço nada que eu ache que pode prejudicar a imagem da minha tia’, avalia. ‘Eu popularizo de um lado e, do outro, ela se mantém como o maior artista brasileiro’.

É assim, no masculino, que a sobrinha-neta de Tarsila se refere à posição da pintora na história da arte brasileira. ‘Se digo que ela é a maior artista brasileira, parece que estou falando apenas das mulheres. Tarsila é a maior entre todos’.

O que poderia parecer só uma frase de efeito ou um jogo de marketing hoje tem respaldo em evidências, por trás das quais quase sempre Tarsilinha está puxando os fios.

Em 2006, iniciou a produção do catálogo raisonné de Tarsila, com toda a produção da artista documentada.

Em 2011, Tarsilinha passou a investir num sonho mais ambicioso. Foi a Chicago e procurou a equipe de curadores do Art Institute. ‘Fiquei impressionada com o conhecimento sobre arte brasileira da curadora Stephanie D'Alessandro. Ela se mostrou interessada na ideia de fazer uma mostra da Tarsila’.

Cinco anos depois, numa noite chuvosa em que dirigia rumo a um concerto na Sala São Paulo, Tarsilinha recebeu um telefonema inesperado de D'Alessandro.

A curadora queria lhe contar que, além de ter encontrado uma data em 2017 para a exposição de Tarsila do Amaral em Chicago, agora seu colega Luiz Pérez-Oramas, então curador do MoMA, queria levar a mesma mostra para o maior museu de arte do mundo, em Nova York. ‘Eu parei o carro e só chorava’, conta.

Os anos de 2017 e 2018, portanto, marcaram a descoberta da obra de Tarsila pelo mundo, transformando-a numa espécie de Frida Kahlo tupiniquim.

‘Este é um momento muito rico para a obra da Tarsila porque houve, por meio da sua obra, uma internacionalização da arte brasileira em geral e do modernismo brasileiro em especial’, avalia a curadora e historiadora da arte Regina Teixeira de Barros, coordenadora de pesquisa do catálogo raisonné da artista.

Para ela, além do prestígio agora global da obra da pintora brasileira, o momento é positivo também por lançar novos olhares sobre sua produção e seu legado. ‘Quanto mais gente olhando e estudando uma obra, mais contextos surgem para ela. É sempre interessante mexer com os cânones e as certezas’, diz.


A Lua’, 1928

Os reflexos no mercado vieram rápido e, em fevereiro deste ano, o MoMA anunciou a compra da tela ‘A Lua’, de Tarsila, para seu acervo. Não houve divulgação do valor oficial da venda, mas circulou que a aquisição teria sido por US$ 20 milhões (R$ 77 milhões), o valor mais alto já pago por uma obra de pintor brasileiro. O recorde anterior era de ‘Vaso de Flores’, de Alberto da Veiga Guignard, vendido por R$ 5,7 milhões em 2015.

Como, em arte, tudo se transforma em valor, quem tem uma tela de Tarsila para pendurar na parede só tem a comemorar, assim como a família da artista.

‘É difícil saber o que vai acontecer agora do ponto de vista do mercado’, pondera o marchand brasileiro Paulo Kuczynski, que intermediou a aquisição do MoMA. ‘É algo que chama a atenção, claro. Mas não é que porque apareceu novo valor de mercado que os colecionadores vão vender suas obras. Eles vão é ficar envaidecidos e orgulhosos’.

Para ele, a grande repercussão em torno desta transação recai sobre a arte brasileira. ‘Tarsila passou do modernismo brasileiro para o modernismo universal, lado a lado das obras-primas do modernismo, no melhor museu do mundo. Tarsila agora vai conviver com tudo o que foi feito de melhor’, diz.

Pode não ser coincidência, no entanto, que justamente agora sejam ofertados no mercado alguns objetos pessoais da artista, cujo valor como documento ganhou amplo espectro de especulação.

São dois cadernos Moleskine em que Tarsila rascunhou quadros, registrou ideias e apontou palavras que aprendia na Paris dos anos 1920. E um álbum de viagens que evidencia a vida cosmopolita da artista à frente de seu tempo.

Curadores e críticos avaliam que os objetos têm alto valor documental, ainda que não sejam objetos de arte, e questionam o fato de não haver intenção da família de doá-los para instituições públicas.

Sem revelar o valor dos objetos, Tarsilinha justifica: ‘Não tenho poder aquisitivo para doar algo que tem um valor tão alto’.


Tarsila ao lado do quadro 'Segunda Classe, tela da fase social da pintora, 1961


Na esteira da consagração de Tarsila, a artista, Tarsilinha prepara uma série de novos produtos da tia.. Em 2020, está previsto o lançamento de documentário sobre a vida da pintora e um desenho animado, desenvolvido pela equipe criadora do ‘Peixonauta’.

Ainda sem data de lançamento, Tarsilinha desenvolve há seis anos um filme biográfico sobre a tia-avó, cujo principal parceiro até agora é o produtor britânico Simon Eagan, responsável pelo longa premiado ‘O Discurso do Rei’. ‘A ideia é fazer um filme global para continuar levando Tarsila para o mundo’.






Fonte: Fernanda Mena   |   FSP



(JA, Abr19)