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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Exposição de Lina Bo Bardi em Madri revela o lado lúdico da arquiteta do Masp


Mostra na Fundação Juan March revela artista para quem não havia limites entre popular e erudito

Aquarela sem título, 1929

Em exposição voltada não exclusivamente para arquitetos, o centro cultural madrileno Fundação Juan March revela mais do que uma projetista, mas uma Lina Bo Bardi intelectual capaz de trafegar tranquilamente entre uma série de disciplinas.
‘Lina Bo Bardi: Tupi or Not Tupi - Brasil 1946-1992’, em cartaz na capital espanhola, é uma das maiores retrospectivas já realizadas sobre a arquiteta ítalo-brasileira. A mostra tem 348 itens que atestam essa enorme capacidade de Lina para o diálogo.
A organização ficou a cargo da tríade espanhola Mara Sánchez Llorens, Manuel Fontán del Junco e María Toledo Gutiérrez —esta última, aliás, destaca como  ‘a maneira de Lina entender a arquitetura é muito mais porosa, global, aberta, expandida’.
Isso se verifica nas dezenas de croquis originais de Lina Bo Bardi. Feitos sem a ambição de serem expostos ao público, eles ganham quase o estatuto de obra de arte nas paredes em Madri.
Os desenhos da Casa de Vidro, do Masp e do Sesc Pompeia raramente têm uma precisão geométrica ou ênfase estritamente técnica. Seus riscos encantam mais pelas ocasiões afetuosas, lúdicas e fantasiosas que imaginava para os ambientes.

Esboço cadeira Bowl, 1951

Dentre as dezenas de desenhos emprestados pelo Instituto Bardi, há o esboço que mostra o vão livre na avenida Paulista ocupado pelo Circo Piolin. Outro apresenta o mesmo com escalas irreais e ativados por um sem-número de pessoas.
Mara Sánchez Llorens, que já havia escrito uma tese e dois livros a respeito da arquiteta ítalo-brasileira, identifica que Lina Bo Bardi compreendia ‘a arquitetura não somente como edifício, mas aquilo que sucede após a sua inauguração’, uma ‘arquitetura que deixa a vida acontecer sem impor formas determinadas’.
Os objetos criados por Lina e também expostos em Madri corroboram essa ideia —cadeiras, colares, uma grande vaca mecânica, o delicado inseto feito com um bulbo de lâmpada e uma pluma, além dos coloridos troncos concebidos para a exposição ‘Caipiras, Capiaus: Pau-a-pique’ e o porco cor-de-rosa sem cabeça da cenografia da montagem de 1985 da peça ‘Ubu Rei’, de Alfred Jarry.
Esta é a primeira grande exposição individual de Lina Bo Bardi na Espanha. O caráter didático da mostra se deve ao objetivo de apresentar a arquiteta para um público que pouco (ou nada) a conhece dela.
‘Queremos mostrar a segunda metade do século 20 no Brasil através de Lina’, relata Sánchez Llorens. A Fundação Juan March já demonstrara interesse pela cultura brasileira com uma grande exposição de Tarsila do Amaral realizada em 2009.
A instituição trata as duas mostras como complementares. Manuel Fontán del Junco, um dos organizadores da mostra, compara: ‘Enquanto Tarsila é uma brasileira que se educa na tradição francesa para retornar ao país e desenvolver sua obra muito particular, Lina é a estrangeira que vai explicar o Brasil para os brasileiros’.

Lina Bo Bardi, 1914-1992

Lina Bo Bardi saiu da Itália em 1946, estabeleceu-se no Brasil e por aqui ficou. Nas cinco décadas que passou no hemisfério sul, formulou uma visão muito particular do país.
Contrapôs-se a qualquer distinção hierárquica entre arte erudita e arte popular. Via valor no que chamava de pré-artesanato —objetos jogados no lixo e posteriormente coletados por pessoas muito pobres, que fazem adaptações e conferem novas funções a essas peças por puro instinto de sobrevivência.
Feitos por anônimos das classes menos favorecidas, esses objetos seriam o ponto de partida para a construção, segundo Lina, de uma cultura autenticamente brasileira.
Só depois de sua morte, em 1992, as ideias de Lina se difundiram para além do país. Ela retorna postumamente ao debate europeu que deixou pouco após dirigir a prestigiada revista Domus durante a Segunda Guerra Mundial em Milão. Nos últimos anos, Lina Bo Bardi foi protagonista de exposições em Londres, Berlim, Amsterdã, Paris, Viena e Estocolmo.
A exposição de Madri também é diferente, pois os desenhos originais de Lina são entremeados por trabalhos de Max Bill, Agostinho Batista de Freitas, Saul Steinberg, Maria Auxiliadora, Hélio Oiticica, Alexander Calder —artistas que ela e seu marido Pietro Maria Bardi expuseram no Masp ou receberam em sua Casa de Vidro.
Nessa busca por apresentar o universo da arquiteta para além das obras que concebeu, entram também um conjunto de carrancas do rio São Francisco, bancos indígenas e um cocar, os objetos de pré-artesanato coletados por ela.
Há ainda um colorido móvel com dezenas de bonecos em movimento representando um circo e pequenos bustos de madeira com feições que claramente remetem a máscaras africanas, peças que estavam expostos em ‘A Mão do Povo Brasileiro’, mostra feita por Lina em 1969 no Masp.
Tanto seus desenhos quanto os objetos indicam o interesse dela pelos acontecimentos populares. No seu imaginário, a baixa cultura não se subjugou a alta cultura. O que será que Lina acharia de suas ideias terem ido parar na vizinhança do Museu do Prado?

Fonte: Francesco Perrotta-Bosch   |   FSP

(JA, Dez18)

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Magnum desfaz carranca e mostra lado risonho em exposição em Madri



Autorretrato de Elliott Erwitt na França
O fotógrafo alemão Thomas Dworzak quase fez um registro solene do túmulo de Robert Capa. Só que na imagem apareceu um Pokémon. Ele também quase fez um retrato singelo da fachada do Bataclan, clube parisiense onde 90 pessoas foram mortas por terroristas do Estado Islâmico. Só que na imagem apareceu um Pokémon.

As reproduções de telas do jogo de celular, no qual criaturinhas japonesas são caçadas virtualmente em lugares públicos, fazem parte da exposição ‘Players – Os Fotógrafos da Magnum Entram no Jogo’, que explora o lado divertido da lendária agência fundada por Capa e Henri Cartier-Bresson há mais de 70 anos.

Conhecida por registros de eventos históricos, principalmente guerras e pautas sociais, a Magnum revela agora, no Espacio Telefônica, em Madri, uma parte de seu arquivo centrada no lazer, na descontração e em cenas que escorrem sarcasmo. Junto às reproduções de telas, por exemplo, Dworzak documentou os caçadores de Pokémon em ação. Ali, os retratados aparecem como se fossem zumbis, com as cabeças sincronizadamente inclinadas para ver seus telefones.


Jogadores de Pokémon Go! em Paris, na França


As quase 200 fotografias de 46 autores foram selecionadas por Cristina de Middel, que recebeu carta branca do festival PhotoEspaña para realizar a escolha de artistas e curadores de cinco mostras durante o evento realizado a partir desta quarta (6) a 26 de agosto. Ela é a segunda fotógrafa espanhola indicada a integrar a Magnum, mas, diferentemente da primeira, Cristina García Rodero, que possui o status de membro permanente, De Middel está em período de aprovação –a exposição em Madri faz parte desse processo. Quem divide a organização da mostra é o britânico Martin Parr, ex-presidente da cooperativa e conhecido por fotos sobre consumo em massa.

‘Estou em fase de descobrimento’, explica a autora de fotolivros celebrados, como ‘The Afronauts’ e ‘Party’. 'Descobri diversos nomes da Magnum que não conhecia, afinal são mais de 90 fotógrafos. E, desde que fui nomeada, tudo que faço tem mais transcendência, ao mesmo tempo que sinto uma pressão sem igual em minha carreira'.

Foto do italiano Paolo Pellegrin de atleta olímpico


De Middel conta que, quando sugeriu a exposição a Parr, o britâncio associou a palavra ‘players’ literalmente a esportes, embora o significado do termo seja mais amplo. Há, é verdade, muitas cenas esportivas na mostra, como uma série de atletas em contra-luz realizada pelo italiano Paolo Pellegrin ou capturas de telas de TV da Olimpíada de Munique feitas por Harry Gruyaert –o que comprova a diversidade estética da Magnum–, mas a exposição se desdobra em outros universos.

É possível encontrar fotos dos jazzistas Charles Mingus, Birdland e John Coltrane pelo francês Guy Le Querrec, close-ups de membros de bandas de black metal pelo norueguês Jonas Bendiksen e cenas tomadas por Elliott Erwitt, a personificação da fotografia feita para rir. Erwitt, no entanto, não é fotógrafo de gargalhadas. É fotógrafo da risada de canto de boca, de cenas tão ridículas que só resta rir. O autorretrato que fez com a cabeça de um gorila está na entrada da exposição, em tamanho gigante. Dali se alternam imagens, grandes e pequenas, de diferentes tipos de impressão, e também vídeos, ‘sem uma narrativa que os uma’, diz De Middel, porque a ideia é que o espectador seja jogado no espaço como se fosse uma bola de uma máquina de pinball.

Membro de banda norueguesa de black metal em foto de Jonas Bendiksen


A fotografia mais clássica do acervo da Magnum sobre diversão, contudo, não está na mostra. O retrato feito por Cartier-Bresson, de um menino sorridente desfilando pelas ruas de Paris com garrafas quase maiores que ele, teve de ficar de fora da exposição. Uma série de condições técnicas para exibir as imagens do fundador da agência faria com que as impressões ficassem caríssimas.

Há ainda um eixo da exposição que, de alguma forma, junta guerra e diversão. Peter van Agtmael, fotógrafo americano de 37 anos, por exemplo, exibe uma registro de aparente normalidade. Um pai brinca com os dois filhos com sabres de luz e máscara da saga Star Wars. O homem, porém, tem uma perna mecânica, pois é veterano da Guerra no Iraque. Já Moises Saman fotografou um apoiador de Muammar Gaddafi com um retrato do ex-ditador líbio, enquanto fogos de artifício explodem em segundo plano. Embora a celebração tenha sido encenada para jornalistas, a imagem parece Gaddafi fungindo de ataques –algo que viria a ocorrer.

Apoaiador de Gaddafi segura retrato do ex-ditador líbio. Foto de Moises Saman


A cena foi documentada em 2011. Desde então, a situação política mundial parece tão ou mais intensa do que na época da Primavera Árabe. Se a polêmica em torno da eleição de Trump nos EUA, a deterioração da crise da imigração, as discussões comportamentais sobre gêneros e até a troca recente no governo espanhol parecem pautas mais urgentes, De Middel discorda

‘Relaciono-me com a realidade a partir do humor. A realidade chegou a um ponto que ou você faz piada ou tudo será insuportável. A ver se por meio da quebra da lógica encontramos ideias novas. Nunca vi na fotografia a função de salva-vidas. Se ela tem, não a quero mais. Que cada um encontre a linguagem que mais agrada e assim esteja tudo bem’.



Festival PhotoEspaña
Onde: Espacio Telefônica, em Madri
Até  26 de agosto






                                                                      ***

Texto: Daigo Oliva, jornalista que viajou a convite do festival PhotoEspaña   |   FSP



(JA, Jun18)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Brasileiros se firmam em feira espanhola


Em Madri, artistas nacionais fazem mostra paralela à Arco, tradicional evento e porta de entrada no mercado europeu

           Detalhe de ‘Impressões’ (2018), obra que a artista Carla Chaim apresenta na exposição                ‘Ação e Reação’


A Casa do Brasil foi tomada.
Essa construção modernista em Madri, propriedade do governo, foi ocupada nos últimos dias por artistas brasileiros, entre eles Carla Chaim, Ding Musa e Nino Cais. Eles afastaram os móveis, arrancaram um mural e instalaram suas próprias obras.
O coletivo inaugura a exposição gratuita ‘Ação e Reação’, na sexta (23), em paralelo à Arco, a tradicional feira espanhola de arte. O projeto é organizado pela embaixada do Brasil e financiado pelo Ministério das Relações Exteriores, com apoio institucional do Ministério da Cultura.
A Arco é uma importante porta de entrada para artistas brasileiros no mercado europeu. Na edição de 2017, as galerias nacionais presentes fecharam negócios de R$ 4,8 milhões. Mas esta é a primeira vez que o governo aproveita o evento para incentivar a produção nacional dessa maneira. O cantor Arnaldo Antunes se apresentará na abertura.
A exposição serve de ensaio para um possível próximo passo, um projeto da embaixada de inaugurar uma residência artística na Casa do Brasil, onde o Estado gerencia 125 quartos mobiliados.
A instituição foi criada em 1962 num terreno cedido pela Espanha para uso perpétuo. Hoje serve de escola de português e residência universitária, com desconto a hóspedes brasileiros. A casa se financia com seus próprios projetos e não recebe verba adicional.
Horizontal
Sete artistas estarão presentes na abertura: Carla Chaim, Carlos Nunes, Ding Musa, Marlon de Azambuja, Nino Cais, Sara Ramo e Victor Leguy. Há também uma obra de André Komatsu, que não pôde viajar a Madri. Além deles, outros 18 brasileiros expõem com vídeos.
A curadoria foi coletiva, com as decisões tomadas em grupo —quando visitamos o local, durante os preparativos, os criadores ajudavam nas montagens uns dos outros. ‘É muito importante que seja horizontal, uma intersecção entre os artistas’, diz Chaim. ‘É um projeto mais sobre o coletivo, sobre a ocupação do espaço, e não faz sentido falar em projetos individuais’, afirma Musa.
            Montagem da exposição, com os móveis do saguão da casa empilhados pelos artistas

Foi coletiva, por exemplo, a decisão de remover os móveis do saguão e empilhá-los em um depósito. Os objetos, ordenados de modo a lembrar o Congresso Nacional, tornaram-se uma obra, ainda sem um título (‘ocupação?’, cogita Musa, quando fala à reportagem). ‘É uma intervenção mediada pela situação política brasileira’, afirma.
Os escândalos de Brasília, entre acusações de golpe e investigações de corrupção, reaparecem de alguma forma na exposição. Mesmo o fato de a mostra ser financiada pelo governo impactou a maneira de pensar o espaço. 'Essa é uma verba pública e existe uma responsabilidade social de como gastamos ela', diz Musa.
Herança 
Outro projeto que evoca o Brasil são as diminutas esculturas de Chaim, objetos geométricos que lembram a linha horizontal da arquitetura paulistana. Ela teve a ideia do trabalho ao chegar à construção e ver o ambiente disponível —uma mesa diante de uma parede de vidro, através da qual se vê uma avenida.
As obras dela e de outros artistas também foram afetadas pelo vaivém de alunos de português da instituição. ‘Sentimos a dinâmica do lugar, com as pessoas nos perguntando sobre os nossos trabalhos’, diz Victor
Leguy. ‘Essa foi uma maneira de criarmos uma ponte para esse mundo que é às vezes hermético’.
‘É um projeto muito físico, propondo outra experiência, mudando as salas, movendo os móveis, quase uma declaração de intenção’, diz Azambuja. ‘É da natureza do artista enfrentar um espaço’.
Azambuja pintou de cinza uma planta do tipo hera-do-diabo e posicionou seu vaso no saguão. A instalação, que ele já fez em outras ocasiões, prevê que as folhas do vegetal caiam com o tempo —a mostra fica aberta por três meses— e percam assim a tinta.
Com isso, ele tenta representar sua própria ideia de herança cultural. ‘É um objeto, algo físico que seus pais lhe deixaram. Mas, apesar do que esperam de você, sua vida encontra outro caminho’.
O artista é representado pela galeria Marilia Razuk, presente na Arco. A Raquel Arnaud que representa  Chaim, Carlos Nunes e  Ding  Musa—, a Vermelho e a Casa Triângulo também estão na feira. Brasileiros expõem, ainda, pelas espanholas Ponce+Robles e Max Estrella.

Texto: Diogo Bercito, Madri   |   FSP


(JA, Fev18)