Professor de Princeton, autor de 'Rápido
e Devagar', prêmio Nobel, e pai da economia comportamental, que propôs uma abordagem
psicológica para a ciência econômica, morre aos 90 anos
Daniel Kahneman, Israel, 1934-2024, foi
um psicólogo e economista israelense-americano, notável por seu trabalho sobre
a psicologia do julgamento e tomada de decisão, bem como economia
comportamental, pelo qual recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2002 (compartilhado com Vernon L. Smith). Suas descobertas empíricas desafiaram a suposição da
racionalidade humana prevalecente na teoria econômica moderna.
Com Amos Tversky e outros,
Kahneman estabeleceu uma base cognitiva para erros humanos comuns que surgem de
heurísticas e vieses, e desenvolveu a teoria da perspectiva.
Em 2011, ele foi
nomeado pela revista Foreign Policy em sua lista dos principais pensadores
globais. No mesmo ano, seu livro ‘Thinking, Fast and Slow’, que resume grande
parte de sua pesquisa, foi publicado, e se tornou um best-seller.
Em 2015, The
Economist o considerou o sétimo economista mais influente do mundo.
Ele foi professor emérito de
psicologia e relações públicas na Princeton School of Public and International
Affairs da Princeton University. Kahneman foi sócio fundador do TGG Group, uma
empresa de consultoria de negócios e filantropia. Ele foi casado com a
psicóloga cognitiva e membro da Royal Society Anne Treisman, que morreu em 2018.
Daniel Kahneman, que nunca
fez um curso de economia, mas foi pioneiro no ramo da disciplina que se baseia
na psicologia, levando ao Prêmio Nobel em Ciências Econômicas em 2002, morreu
neste mês de março (27), aos 90 anos.
Sua morte foi confirmada por
sua parceira, Barbara Tversky. Ela se recusou a dizer onde ele faleceu.
Kahneman, que por muito tempo
esteve associado à Universidade de Princeton, e morava no bairro de Manhattan,
na cidade de Nova York, usou sua formação como psicólogo para avançar no que
veio a ser chamado de ‘economia comportamental’.
O trabalho, feito
principalmente na década de 1970, levou a uma reavaliação de questões tão diversas
como negligência médica, negociações políticas internacionais, e avaliação de
talentos no beisebol, todas as quais ele analisou, principalmente em
colaboração com Amos Tversky, um psicólogo cognitivo da Universidade de
Stanford, que fez um trabalho inovador sobre julgamento humano e tomada de
decisões.
Ao contrário da economia
tradicional, que assume que os seres humanos geralmente agem de maneira
totalmente racional, e que quaisquer exceções tendem a desaparecer, à medida
que os riscos aumentam, a escola comportamental se baseia em expor vieses
mentais inatos, que podem distorcer o julgamento, muitas vezes com resultados
contraintuitivos.
‘Sua mensagem central não
poderia ser mais importante’, disse o psicólogo e autor da Universidade de
Harvard, Steven Pinker, ao jornal The Guardian em 2014, ‘ou seja,
que a razão humana, deixada por conta própria, tende a cometer uma série de
falácias e erros sistemáticos; então se quisermos tomar decisões melhores em
nossas vidas pessoais e como sociedade, devemos estar cientes desses vieses, e
procurar soluções alternativas. Essa é uma descoberta poderosa e importante’.
Kahneman se deliciava em
apontar e explicar o que ele chamava de ‘falhas’ universais do cérebro. A mais
importante delas, segundo os behavioristas, é a aversão à perda: por que, por
exemplo, a perda de US$ 100 dói cerca de duas vezes mais do que o ganho de US$ 100 traz de
prazer?
Entre suas inúmeras
implicações, a teoria da aversão à perda sugere que é tolice verificar
frequentemente a carteira de ações, já que a predominância da dor experimentada
no mercado de ações provavelmente levará a uma cautela excessiva, e
possivelmente autodestrutiva.
De maneira amável e humilde,
Kahneman não apenas acolhia o debate sobre suas ideias, mas também contava com
a ajuda de adversários, bem como de colegas, para as aperfeiçoar. Quando
perguntado quem deveria ser considerado o ‘pai’ da economia comportamental,
Kahneman apontou para o economista da Universidade de Chicago, Richard H.
Thaler, um estudioso mais jovem, a quem descreveu em sua autobiografia do Nobel
como seu segundo amigo profissional mais importante, depois de Amos Tversky.
‘Eu sou o avô da economia
comportamental’, Kahneman declarou, em uma entrevista de 2016, em um
restaurante perto de sua casa no sul de Manhattan.
Essa nova escola de
pensamento não teve sua primeira grande exposição pública até 1985, em uma
conferência na Universidade de Chicago, uma fortaleza da economia tradicional.
A reputação pública de
Kahneman repousava fortemente em seu livro de 2011 ‘Rápido e Devagar: Duas
Formas de Pensar’, que figurou nas listas de best-sellers de ciência e
negócios.
Um comentarista, ensaísta,
estatístico matemático, e ex-operador de opções, Nassim Nicholas Taleb, autor
do influente livro sobre improbabilidade ‘O Cisne Negro’, colocou ‘Rápido e
Devagar’ no mesmo patamar que ‘A Riqueza das Nações’, de Adam Smith, e ‘A
Interpretação dos Sonhos’, de Sigmund Freud.
O autor Jim Holt, escrevendo
no The New York Times Book Review, chamou ‘Rápido e Devagar’ de ‘um livro
incrivelmente rico: lúcido, profundo, cheio de surpresas intelectuais e valor
de autoajuda’.
Shane Frederick, professor na
Escola de Administração de Yale, e um pupilo de Kahneman, disse por e-mail, em 2016, que
Kahneman havia ‘ajudado a transformar a economia em uma verdadeira ciência
comportamental, em vez de um mero exercício matemático, para delinear as
consequências lógicas de um conjunto, frequentemente insustentável, de
pressupostos’.
Motoristas
de táxi e detentores de ingressos
Kahneman propagou suas
descobertas com um estilo de escrita cativante, usando vinhetas ilustrativas
com as quais, até mesmo leitores leigos, poderiam se envolver.
Ele e Thaler ponderaram, por
exemplo, questões tais como: ‘Por que os motoristas de táxi frequentemente
trabalham mais horas quando as oportunidades são escassas, mas encerram o
expediente cedo quando pedestres encharcados de chuva estão desesperados por
uma corrida?’
A explicação era que muitos motoristas têm uma meta de
renda diária fixa, e se aposentarão quando a atingirem; a aversão à perda
sugere que eles trabalharão mais, para atingir esse objetivo, quando os
passageiros são escassos.
Kahneman escreveu que Thaler
o inspirou a estudar, como experimento, a chamada contabilidade mental de
alguém que chega ao teatro, e percebe que perdeu ou o ingresso, ou o
equivalente em dinheiro. Kahneman descobriu que as pessoas que perderam o
dinheiro ainda comprariam um ingresso de alguma forma, enquanto aqueles que
perderam um ingresso já comprado teriam mais chances de voltar para casa.
Thaler ganhou o Prêmio Nobel
de Economia em 2017 — oficialmente o Prêmio do Banco da Suécia em
Ciências Econômicas, em Memória de Alfred Nobel.
Kahneman dividiu seu Nobel de
2002
com Vernon L. Smith da Universidade George Mason, na Virgínia. ‘Se Tversky
estivesse vivo, certamente teria dividido o Nobel com Kahneman, seu colaborador
de longa data e querido amigo’, Holt escreveu em sua resenha de 2011 no Times.
Tversky morreu em 1996 aos 59 anos.
Muito do trabalho de Kahneman
se baseia na noção — que ele não originou, mas organizou e avançou — de que a
mente opera em dois modos: rápido e intuitivo (atividades mentais com as quais nascemos, chamadas de Sistema Um), ou lento e analítico, um modo mais complexo
envolvendo experiência e exigindo esforço (Sistema
Dois).
Outros personificaram esses
modos mentais como Econs (pessoas
racionais e analíticas), e Humans (emocionais, impulsivos e propensos a exibir vieses
mentais inconscientes, e uma confiança imprudente em regras duvidosas). Kahneman e Tversky usaram a palavra ‘heurísticas’
para descrever essas regras de ouro. Uma delas é o ‘efeito halo’, onde, ao
observar um atributo positivo de outra pessoa, percebemos outras qualidades que
na realidade não estão lá.
‘Antes de Kahneman e Tversky,
as pessoas que pensavam sobre problemas sociais e comportamento humano, tendiam
a assumir que somos principalmente agentes racionais’, escreveu o colunista do
Times, David Brooks, em 2011. ‘Elas assumiam que as pessoas têm controle sobre as
partes mais importantes de seu próprio pensamento. Elas assumiam que as pessoas
são basicamente maximizadoras de utilidade sensatas, e que quando se afastam da
razão é porque alguma paixão, como medo ou amor, distorceu seu julgamento’.
Mas Kahneman e Tversky,
continuou ele, ‘proporcionaram uma visão diferente da natureza humana’.
Como Brooks descreveu: ‘Somos
jogadores em um jogo que não entendemos. A maior parte do nosso próprio
pensamento está abaixo da consciência’. Ele acrescentou: ‘Nossos vieses
frequentemente nos fazem desejar coisas erradas. Nossas percepções e memórias
são escorregadias, especialmente sobre nossos próprios estados mentais. Nosso
livre arbítrio é limitado. Temos muito menos controle sobre nós mesmos do que
pensávamos’.
O trabalho de Kahneman e
Tversky, concluiu ele, ‘será lembrado daqui a centenas de anos’.
Na sombra
dos nazistas
Daniel Kahneman nasceu em 5 de março de 1934, em uma
família de judeus lituanos que haviam emigrado para a França, no início dos
anos 1920. Após a queda da França para a Alemanha nazista na Segunda Guerra
Mundial, Daniel, como outros judeus, foi obrigado a usar uma Estrela de Davi do
lado de fora de suas roupas. Seu pai, chefe de pesquisa em uma fábrica de
produtos químicos, foi preso, e internado em uma estação, antes de ser
deportado para um campo de extermínio, mas foi então libertado sob
circunstâncias misteriosas. A família escapou para a Riviera, e depois para o
centro da França, onde viveram em um galinheiro convertido.
O pai de Daniel morreu pouco
antes do Dia D, em junho de 1944, e Daniel, na época um aluno da oitava série, e sua
irmã, Ruth, com sua mãe Rachel, acabaram na Palestina controlada pelos
britânicos.
Ele se formou na Universidade
Hebraica de Jerusalém, com especialização em psicologia, concluindo seus
estudos universitários em dois anos.
Em 1954, após a
fundação do estado de Israel, ele foi convocado para as Forças de Defesa de
Israel, como segundo tenente.
Após um ano como líder de
pelotão, ele foi transferido para o ramo de psicologia, onde recebeu
ocasionalmente a tarefa de avaliar candidatos ao treinamento de oficiais.
A capacidade da unidade de
prever o desempenho, no entanto, era tão ruim que ele cunhou o termo ‘ilusão de
validade’, significando um viés cognitivo no qual alguém demonstra excesso de
confiança na precisão de seus julgamentos. Duas décadas depois, essa ‘ilusão’
se tornou um dos elementos mais citados na literatura de psicologia.
Ele se casou com Irah Kahan
em Israel, e logo partiram para a Universidade da Califórnia, Berkeley, onde
ele recebeu uma bolsa. Ele obteve seu doutorado em psicologia lá. Retornou a
Israel para lecionar na Universidade Hebraica, de 1961 a 1977. O
casamento terminou em divórcio. (Kahneman
possuía dupla cidadania, nos Estados Unidos e em Israel).
Em 1978, Kahneman
se casou com Anne Treisman, uma renomada psicóloga britânica, que recebeu, em 2013, a Medalha
Nacional de Ciências do presidente Barack Obama. Ela faleceu em 2018. Ele e
Treisman eram amigos de longa data dos Tverskys.
Ele morou no Greenwich
Village de Nova York por muitos anos.
A carreira norte-americana de
Kahneman incluiu cargos de ensino na Universidade de Colúmbia Britânica, e em
Berkeley, antes de ingressar no corpo docente da Universidade de Princeton, em 1993.
Seu livro mais recente é ‘Ruído:
Um Defeito no Julgamento Humano’ (2021), escrito com Cass Sunstein e Olivier Sibony. No Times
Book Review, Steven Brill o chamou de ‘um tour de force de erudição, e escrita
clara’.
O livro analisa como o
julgamento humano, frequentemente, varia amplamente, mesmo entre especialistas,
como refletido em decisões judiciais, prêmios de seguros, diagnósticos médicos,
e decisões corporativas, bem como em muitos outros aspectos da vida.
E ele distingue entre vieses
previsíveis - um juiz, por exemplo, que sentencia consistentemente réus negros
de forma mais severa; e o que os autores chamam de ‘ruído’ - decisões menos
explicáveis, resultantes do que eles definem como ‘variabilidade indesejada nos
julgamentos’.
Em um exemplo, os autores
relatam que os médicos são mais propensos a solicitar exames de câncer para
pacientes que veem de manhã cedo, do que à tarde.
O livro, como os outros dele,
foi um desdobramento da busca, ao longo da vida de Kahneman, para entender como
a mente humana funciona - quais processos de pensamento levam as pessoas a
tomar os tipos de decisões e julgamentos que fazem, ao navegar por um mundo
complexo. E, no final de sua vida, ele reconheceu que ainda havia muito mais a
ser conhecido.
Em uma entrevista com Kara
Swisher em seu podcast do Times ‘Sway’, em 2021, ele disse: ‘Se eu estivesse começando minha carreira
agora, estaria escolhendo entre inteligência artificial e neurociência, porque
essas, atualmente, são formas particularmente empolgantes de olhar para a
natureza humana".
Imagem em destaque: Daniel Kahneman, fala durante palestra no Fórum
Econômico Mundial em Davos, Suíça, 2013
Fonte: Robert D. Hershey Jr. | The NY Times
(JA, Mar24)