segunda-feira, 15 de junho de 2020

Feiras migram para o mundo virtual e tentam recriar interação física



Para vender produtos artesanais, sites de eventos contam histórias de expositores e oferecem programação de lives


Claudia Kievel (à esq.) e Gladys Tchoport organizam a Feira Jardim Secreto em galpão no centro de SP


Ainda sem data para acontecer fisicamente, feiras de produtores de comida, objetos de decoração e peças de vestuário começam a funcionar na internet. O desafio dos organizadores é encontrar formas de reproduzir a interação com o público, e pôr a logística de pé.

No lugar do folheto dos expositores, que normalmente é entregue no evento físico, o site da Feira Jardim Secreto traz uma explicação do trabalho de cada produtor —empresários independentes dos ramos de beleza, moda, papelaria e decoração.

Outro ponto importante para as sócias Gladys Tchoport, 33, e Claudia Kievel, 31, foi reproduzir a programação cultural e gastronômica. Na primeira edição virtual, nos dias 15, 16 e 17 de maio, lives falaram de artesanato brasileiro e crescimento consciente para pequenas empresas.

‘Nosso portal está 24 horas disponível para compras. A diferença é que, no fim de semana de evento online, propomos ações que faziam parte da programação da feira física’, diz Gladys. O próximo está marcado para 17 e 18 de julho.

Existe potencial para feiras online crescerem, afirma Rodolpho Ruiz, professor da ESPM. ‘O desafio é humanizar o processo, já que no evento físico as pessoas pegam o produto na mão, e têm a interação com o expositor’.

A Feira Jardim Secreto nasceu em São Paulo em 2013. Tem em média cinco edições por ano, realizadas às sextas e aos sábados, com público de 10 mil pessoas por dia.
O ecommerce foi criado depois do início da pandemia. A vantagem do formato, diz Gladys, é que a feira não precisa limitar o número de expositores, e tem mais facilidade de incluir produtores de fora de São Paulo.

Mesmo assim, ela afirma que a operação ainda não paga as contas —as sócias, por exemplo, estão sem remuneração. Elas esperam que o negócio chegue ao ponto de equilíbrio no próximo mês.

Outro desafio, segundo ela, é a comunicação. Hoje, duas funcionárias respondem dúvidas que chegam pelo Instagram. ‘Antes, a gente tinha mais pedidos para participar da feira, hoje, temos mais mensagens de clientes’.

Na virtualização, as feiras têm de passar por uma mudança organizacional e dar conta de novas tarefas, como produzir conteúdo, fazer trabalho de comunicação, e engajar o cliente de forma permanente, diz Edson Barbero, coordenador do Centro de Empreendedorismo da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).

Testes e experimentações são a melhor forma de colocar essas transformações em prática. ‘O empresário deve se perguntar: qual é o produto minimamente viável? Não espere ter o produto final. Consumidores querem rapidez’.


José Roberto Giffoni, da Feira Sabor Nacional, em sua casa, no centro de SP 


Foi o que aconteceu com o empresário José Roberto Giffoni, 54, que teve de desmontar uma edição já organizada da Feira Sabor Nacional em março, quando foram proibidos eventos acima de 500 pessoas em São Paulo.

‘Vimos que a gente precisava se mexer rápido’, diz. A empresa, focada em pequenos produtores de alimentos, demorou 20 dias para fazer a primeira edição online.

A segunda ocorreu nos dias 18 e 19 de maio, com uma plataforma que aceitava mais produtores, e uma cozinha industrial como espaço de apoio para armazenar os produtos.

No fim de semana de feira virtual, José Roberto e seus sócios recebem os pedidos, buscam os itens nos produtores, separam as encomendas, e as entregam em até três dias. Por isso, só nos dias do evento as compras podem ser feitas.
‘Muitos clientes pedem para a gente fazer todo fim de semana. Mas não dá, é muito trabalho’, diz. A próxima edição está agendada para os dias 20 e 21 de junho.

‘Embora a resposta seja positiva, em uma feira online você perde a compra de impulso, não dá ir na barraca para provar’, diz ele. O faturamento agora chega a 20% do que era no cenário pré-pandemia.


Cristiane Rosenbaum, da Feira Rosenbaum


Quando a empresária Cristiane Rosenbaum, 52, da Feira Rosenbaum, em São Paulo, percebeu que não seria possível fazer a feira de Dia das Mães, adaptou sua estrutura.

Dois dias antes da data, ela teve a ideia de pegar os produtos dos expositores que participariam do evento e apresentá-los em uma transmissão pelo Instagram, como uma vendedora. ‘Tivemos de nos reinventar para não ficar parados’.

As vendas foram feitas por site (que já tinha ecommerce), telefone e WhatsApp. O faturamento ficou em 40% do que era usual antes.

Cristiane pensa em repetir o formato para outra edição prevista para em agosto. ‘Vi que não tem mais futuro sem o online junto’, diz.

Assim que a epidemia estiver controlada, as feiras físicas vão voltar, mas as edições digitais não devem deixar de existir, diz Edson Barbero, da Fecap. ‘O importante será virtual e presencial conversarem no posicionamento’.

Pensando nisso, a empresária Flávia Durante, 43, da Feira Pop Plus, deve fazer um teste de seu evento em julho. Para ela, o maior desafio é encontrar no online uma proposta que continue orientando, de forma personalizada, os consumidores de moda plus size.




 


Fonte: Marília Miragaia    |    FSP



(JA, Jun20)




quarta-feira, 10 de junho de 2020

Museus europeus começam a reabrir


Após fim do distanciamento social do coronavírus, instituições de arte vivem sob nova realidade pós-pandemia, e  abrem as portas pela primeira vez

Visitante no Museu do Prado, em Madrid, na Espanha, após espaço reabrir as portas depois do isolamento social causado pelo novo coronavírus


Nesta virada de mês, os principais museus europeus começaram a reabrir como se tivessem recuado dezenas de anos na máquina do tempo.

‘Estamos na situação ideal para experimentar as exposições de maneira calma, relaxada e tranquila, como era possível há décadas e décadas atrás’, resume Eike Schmidt, diretor das Galerias dos Uffizi, que concentram em Florença obras-primas da Idade Média e do Renascimento, como Giotto, Botticelli, Michelangelo e Caravaggio
.
Crise, restrições a viagens e medo de contágio do coronavírus devem afastar turistas internacionais e cortar as visitas nacionais, diz o diretor do museu, que sonha com o fim da era do ‘selfie-to-go’.

Na Espanha, o Prado reabriu no último fim de semana com uma reorganização da coleção para tirar o melhor da necessidade de reduzir o fluxo e reorientar o caminho dos visitantes pelo museu.

Das 1.714 obras da instituição em Madri, 214 foram selecionadas para compor ‘O Reencontro’, com 85 mudando de sala para otimizar a visita de no máximo 1800 pessoas por dia, ou um terço da frequência normal.


Diego Velázquez, 'As Meninas'


Na ‘coleção concentrada’, é possível ver lado a lado os autorretratos de Dürer e Tiziano, ou as representações de ‘Saturno’, de Rubens e Goya; no mesmo espaço estão ‘A Deposição da Cruz", de Rogier van der Weyden, e sua contemporânea ‘Anunciação’, de Fra Angelico, e sete obras de Diego Velázquez se mudaram para a mesma sala da famosa ‘As Meninas’.

A Itália e a Espanha fazem parte dos 32 entre 35 países europeus que já haviam liberado totalmente a reabertura de museus no começo de junho. O Louvre, na França, anunciou há pouco que pretende reabrir em julho
.
Entre os maiores países, a Rússia não marcou data e o Reino Unido vai manter esses espaços fechados ao menos até 4 de julho. Na França, museus pequenos abriram, mas outros estão em compasso de espera. Instituições como a Tate e a National Gallery, em Londres, disseram ser cedo até para falar em planos de reabertura.

Mas o Centro Pompidou, maior museu de arte moderna da Europa, já tem data marcada – de julho, segundo o diretor Bernard Blistène, que planeja inventar “um novo relacionamento com o público”, agora que só pequenos grupos serão permitidos.

Por causa das paralisações, o Beaubourg, como o museu é conhecido, adiou para outubro a exposição que comemoraria o 150º aniversário de Matisse, e rearranjou planos para outras galerias e atividades.

‘Diferente dos outros espaços, o museu induz uma relação particular com o tempo’, diz Blistène, que vê a pré-pandemia como período propício à ‘desaceleração pela qual clamavam os surrealistas, para incentivar todos a pensar’.

‘O espaço do museu terá que ser mais do que nunca uma plataforma de intercâmbio e educação. É isso que me interessa, mais do que sonhar com uma volta ao mundo anterior’, diz o diretor.

Em Berlim, o Instituto KW de Arte Contemporânea reabriu no fim de maio, com a expectativa de receber 40 visitantes por dia, menos de um quarto da frequência anterior. ‘Aqueles que vão ao museu para ver arte amarão o silêncio e o ‘um a um’ com cada obra’, diz Karoline Köber, chefe de comunicação.

Dias antes, a Pinakothek da Alemanha havia aberto o Pinakothek der Moderne, com seus quatro museus de arquitetura, design e arte gráfica. Bernhard Maaz, diretor das coleções de pintura da Bavária, disse esperar uma reconstrução ‘passo a passo’ das atividades.


Pablo Picasso - 'Guernica'


A frequência também ficou mais restrita no Reina Sofía, que abriga o famoso ‘Guernica’, de Pablo Picasso –só um terço dos antigos visitantes poderão entrar nos três espaços do museu.

Prevista para a primeira quinzena de junho, a reabertura será com as exposições organizadas antes do confinamento —‘Musas Insubmissas’, e uma retrospectiva da obra de Ignacio Gómez de Liaño—, agora prorrogadas. Uma mostra do holandês Piet Mondrian foi adiada para novembro.

Segundo a diretora de comunicação do Reina Sofía, Concha Iglesias, o pós-pandemia será um período sem exposições de grandes nomes e longas filas.
‘Esta é a hora de buscar novas colaborações entre as diferentes instituições, entre o público e o privado, e intensificar o trabalho em rede’, diz ela, que antevê visitantes ainda inseguros em relação a espaços fechados.

Abrigado num antigo hospital que atendeu vítimas da Gripe Espanhola, o Reina Sofía quer ‘voltar a cuidar dos visitantes com a maior segurança possível, de uma nova forma’, afirma Iglesias.

A ideia de museus como ‘espaços particularmente adequados para nos abrigarmos, nos momentos de incerteza, em que o futuro nos aflige’, está também no imaginário de Ferran Barenblit, diretor do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona.

Com uma releitura da coleção sob o contexto do coronavírus, ele espera reabrir suas portas na segunda metade de junho. Barenblit elencou para o jornal espanhol El País obras que remetem à pandemia –entre elas, estão ‘A Natureza da Ilusão Visual’, de Juan Muñoz, em que os personagens estão isolados, sem contato, em um mundo irreal, ‘Rizen’, de Tàpies, uma cama de hospital que recebe o visitante, e o mural ‘Todos Juntos Podemos Vencer a Aids’, de Keith Haring, sobre uma epidemia que ainda mata 700 mil pessoas por ano.

Diogo Velázquez  -  'Velha Fritando Ovos',


Além de se prepararem para a nova dinâmica no mundo real e no espaço físico, os museus se deram conta de que há todo um espaço novo a ocupar, segundo Julia Pagel, secretária-geral da Rede de Organizações de Museus Europeus.

Os serviços digitais cresceram em 80% deles, com vídeos, jogos, testes e atividades educacionais, mostra pesquisa feita pela rede com museus de 48 países.

Durante o confinamento, a Uffizi publicou 21 exposições na internet e criou um perfil no TikTok. Em dois meses de fechamento, recebeu quase 4 milhões de visitantes virtuais, número próximo de seu público físico em um ano. Num único dia, 1,4 milhão de pessoas viram dois clipes em chinês.

As visitas online cresceram em 40% dos sites europeus, segundo a Rede de Organizações, com alguns registrando alta de até 150% em abril.

Lançar rapidamente atividades digitais foi também a reação do KW alemão, diz Köber: foram três turnês online, dez filmes, quatro trabalhos em vídeo de artistas expostos pelo museu, quatro transmissões ao vivo de eventos no bar do museu, além de um documentário e mais de 30 mostras de exposições individuais.

Segundo Pagel, da Rede de Organizações, o desafio agora será inovar no uso da tecnologia, para se adaptar a uma nova sociedade. ‘Não basta colocar os quadros na internet. Precisamos inventar novos formatos’.

Ainda de acordo com ela, as consequências do ‘novo normal’ vão afetar quase todos os aspectos dos museus nos próximos meses ou anos, com perda de renda, mudanças no comportamento dos visitantes e novas exigências de saúde que terão impacto nos custos e na organização do trabalho.

Embora boa parte dos grandes museus europeus tenha apoio do estado, 3 em cada 5 dos diretores ouvidos pela Rede de Organizações disseram perder em média € 20,3 mil, cerca de R$ 138 mil, por semana durante a pandemia. Em alguns, até 80% da renda desapareceu.

A conta é alta para instituições maiores e de cidades turísticas. Em um continente com 20867 museus, 5764 deles de arte (segundo o Egmus, grupo europeu de estatísticas sobre museus), passam pelas galerias 655 milhões de visitantes por ano, com uma proporção de estrangeiros que chega a 28% na Holanda, 45% em Portugal e 70% na Bélgica. Em Londres, eles são mais de 60% no Museu Britânico e na Galeria Nacional.

A queda de 50% a 70% no turismo global neste ano, segundo a OCDE, faz escassear não só receitas de ingressos, mas as de produtos licenciados, dos cafés e restaurantes e de aluguel de espaços, como relata Iglesias, do Reina Sofía.

Com a segunda maior coleção de pinturas de Van Gogh no mundo, o Kröller-Müller, que fica num parque em Otterlo, na Holanda, reabriu em 1º de junho sem ao menos 46% de seus visitantes, que vêm do exterior, diz a diretora Lisette Pelsers.

No Reino Unido, preveem queda forte na frequência quase 90% dos 427 diretores e profissionais de museus entrevistados pelo Art Fund, filantrópica que capta recursos para arte; mais da metade, 56%, diz temer pela sobrevivência.

A Royal Academy, por exemplo, que depende de visitantes, doadores e patrocinadores, está perdendo cerca de £ 1 milhão, mais de R$ 6 milhões, por mês, segundo a assessora Annabel Potter. Sem data para reabertura, precisou cancelar exposições de Angelica Kauffman e Cézanne.

A saída, segundo a executiva da Nemo, tem que passar por colaboração transnacional e trabalho em rede. ‘A crise mostrou que os museus, vistos injustamente como paquidermes, podem ser ágeis. Em três semanas a grande maioria deles reorganizou rapidamente suas equipes para chegar ao público de uma nova forma’, afirma.

Seria porém ‘hipócrita e falso’ acreditar que tudo mudará quando o coronavírus for erradicado, diz Blistène, diretor do Beaubourg.

‘Sejamos francos, o impacto dessa pandemia é fazer as pessoas entenderem que o sistema econômico e social em que vivemos, está sem fôlego, inclusive em países economicamente privilegiados como a França’, afirma ele.

Segundo o diretor, o principal efeito do desconfinamento deveria ser perguntar quem vinha frequentando os museus? Quem virá amanhã? E por que outras razões. além do entretenimento?

‘E tentar fornecer respostas’, acrescenta.








Fonte:  Ana Estela de Sousa Pinto  |  FSP




(JA, Jun20)




segunda-feira, 8 de junho de 2020

Coronavírus atropela ano em que artistas indígenas tomariam os museus de SP

Mostra no MAM que integraria Bienal é cancelada, e mesmo exposições mantidas correm risco de ter menos público


Pagé-Onça, hackeando a 33ª Bienal de Artes São Paulo, performance de Denilson Baniwa, apresentada no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, em 2018

A cauda de um manto com estampa de onça desliza pelo chão do pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera. Envolto nele, está um homem de pés descalços e dorso nu, o rosto coberto por uma máscara de tigre. Numa mão, ele sacode um chocalho. Na outra, traz flores, que ele deita, uma a uma, em frente a certas fotografias e esculturas.

O homem era o artista Denilson Baniwa, indígena do povo baniwa, da região amazônica. A exposição, a Bienal de São Paulo de dois anos atrás. E a performance, conta Baniwa, por telefone, um protesto contra a forma como os povos originários apareciam naquelas obras —figuras sem voz, presas a um passado imemorial, que não foram convidadas a se representar, ele descreve. Seu pajé-onça servia, assim, como ‘uma energia ancestral, que abre verdades’.
Menos de dois anos depois, Baniwa participaria, desta vez oficialmente, da Bienal, numa mostra da programação estendida do evento no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM.

Organizada por Jaider Esbell, artista da etnia makuxi que participa do evento principal, com os pesquisadores Paula Berbert e Pedro Cesarino, ‘Moquém – Surarî Arte Indígena Contemporânea’ reuniria trabalhos de mais de 50 artistas e coletivos, num esforço de mapear a diversidade da produção indígena pelo país, e divulgar artistas sem acesso a esse circuito.

Com a pandemia do novo coronavírus, no entanto, a exposição foi cancelada pelo museu. Em nota, o MAM afirma que a decisão foi motivada pelos ajustes no orçamento, e na programação ocasionados pela interrupção das suas atividades nesses meses de quarentena.

Já a Bienal diz que vem negociando cada uma dessas exposições paralelas individualmente, de modo a encontrar soluções que levem em conta as necessidades e potenciais de todos os envolvidos. Segundo Esbell, a mostra deve acontecer numa outra configuração, ainda a ser anunciada.

‘Moquém - Surarî Arte Indígena Contemporânea’ não foi a única exposição de arte indígena afetada pela pandemia.

O ano veria essa produção tomar a cidade, com mostras na Pinacoteca e no Sesc Ipiranga e a presença confirmada de três artistas indígenas na Bienal —além do próprio Esbell, Gustavo Caboco, wapichana, e o colombiano Abel Rodríguez, nonuya —, antecedendo um ciclo de exposições sobre o tema no Masp em 2021.

Mas o Masp adiou suas ‘Histórias Indígenas’ para 2023, em razão das dificuldades para fazer empréstimos internacionais no contexto da pandemia, e da alta do dólar, que encareceu as operações. ‘Não queríamos perder a amplitude, a complexidade, e a potência da programação, então decidimos adiar’, afirma Tomás Toledo, curador-chefe do museu.

Além disso, mesmo os eventos mantidos, caso dos demais lembrados, podem ver uma redução significativa de público. Seja porque os museus devem limitar a quantidade de visitantes no pós-pandemia, ou por causa da chance de a população ter medo de frequentar espaços fechados.

Com isso, é possível que o espaço que os artistas indígenas vinham conquistando nos museus diminua, diz Sandra Benites, curadora do Masp —ela foi a primeira indígena convidada para uma função do tipo no país.

‘Vai haver um certo apagamento, um apagamento que afeta o ser e o pensamento indígena, desde a colonização, desde 1500. Mas quem vai perder não somos nós, e sim os brasileiros, que deveriam ter mais diálogo conosco’, ela afirma.


Obra de Denílson Baniwa


Mais do que um enfraquecimento, porém, Denilson Baniwa diz achar que as formas como ele e outros artistas negociam essa presença, pode sofrer mudanças.

Ele conta que, até o início do ano, sua obra tinha um foco muito combativo em relação à história da arte oficial. ‘Hoje, isso não faz mais sentido. Tenho passado por situações complicadas, de perder amigos e mestres. Depois da pandemia, o que vai sobrar é a reconstrução desse mundo, a partir do nosso conhecimento, que é de compartilhar, curar. Mostrar que asfalto, ferro e poluição, não combinam com saúde’.

Ao mesmo tempo, continua Baniwa, essa revisão sistemática, que ele e seus pares vinham empreendendo, não tem mais volta. ‘Este ano, estaríamos escrevendo novos parágrafos, que dariam mais densidade ao nosso pensamento. Mas, o parágrafo que já escrevemos, não dá mais para apagar’.


Jaider Esbell - 'Malditas e Desejadas, 2013


Jaider Esbell, que num dos trabalhos que exibe na Bienal pretende justamente confrontar essa narrativa oficial da arte, também considera que o lugar que a produção indígena conquistou, até agora, é inegociável. O artista diz que a situação pode servir, na verdade, para sensibilizar o planeta de que, sem os povos indígenas, não há futuro.

‘Todo o mundo foi englobado nessas advertências que viemos fazendo, de que o céu vai desabar. Demorou muito tempo, mas agora estamos diante do abismo, e qualquer movimento em falso pode nos fazer pular ou nos segurar ainda mais. Temos tudo para nos segurarmos. E a questão é exatamente como as pessoas vão construir isso’, completa Esbell.

Enquanto isso, o artista participa da organização de uma série de seminários virtuais para o início de julho, que aproveitam a suspensão da agenda, do que ele chama de sistemão, para ouvir as demandas da comunidade indígena. ‘É um convite para essas instituições também. Ao menos, de escuta’, ele afirma.

Ele ainda trabalha em dois grandes eventos, para 2022, quando se comemora o centenário da Semana de Arte Moderna e, em 2028, centenário da publicação de ‘Macunaíma’, de Mário de Andrade —o mito que deu origem ao romance é do seu povo, os makuxi, e o artista usa no seu trabalho a ideia de que é neto do herói.

Diretor da Pinacoteca, que abrirá ‘Véxoa – Nós Sabemos’ ainda neste ano, Jochen Volz, diz que é preciso lembrar que a presença da arte indígena no museu foi fruto de um longo processo, que incluiu seminários e atividades como os encontros com líderes, durante a retrospectiva de Ernesto Neto no ano passado. ‘Ela não está vindo do nada, mas de uma pesquisa e uma forma de escuta que o museu tem adotado’.

Tanto é que ‘Véxoa’ será inaugurada junto de uma nova exposição permanente, incorporando trabalhos de artistas, como Esbell e Baniwa, à linha do tempo da arte brasileira, acrescenta Volz.

‘Para nós, não é um evento, é um paradigma de uma ideia de diálogo. Então, não vejo como fazer isso no ano que vem. É essencial que o museu abra a nova montagem de acervo’, afirma o diretor, acrescentando que a exposição, adiada para o final de agosto, teve a duração estendida até março do ano que vem, de modo a garantir a visibilidade que merece.

Sandra Benites também diz que, mais do que fazer uma ou outra exposição, o importante é as instituições pensarem junto com os povos indígenas. ‘Há várias formas de estarmos presentes, enquanto curadores, palestrantes, artistas’, ela diz. ‘São imagens que não estão congeladas, e sim em movimento’.

Impacto da Covid-19 nas mostras de arte indígena em São Paulo 

Histórias Indígenas
Tema que guiaria exposições no Masp em 2021, foi adiado para 2023.

Moquém – Surarî Arte Indígena Contemporânea
Mostra no MAM, que integraria 34ª Bienal de São Paulo, foi cancelada, mas pode ser retomada em novo formato.

Sawé
Exposição sobre lideranças indígenas no Sesc Ipiranga foi paralisada, mas será retomada quando o sistema S reabrir.

Véxoa – Nós Sabemos
Mostra na Pinacoteca organizada por Naine Terena foi adiada para final de agosto, mas durará mais tempo que o previsto.




Fonte: Clara Balbi   |   FSP


(JA, Jun20)


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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Acessos ao Google Arts and Culture mais que dobram durante a pandemia



Criador da plataforma, que reúne mais de 2000 museus pelo mundo, diz que é preciso incluir curadores no debate virtual


Amit Sood, diretor da plataforma Google Arts and Culture


Naquele início, a iniciativa tinha basicamente duas propostas. Uma delas era permitir aos internautas percorrer os corredores dos museus sem sair de casa, a partir de uma tecnologia de geolocalização - nada muito diferente do que é feito no Google Maps.

A outra fazia com que, uma vez parados diante de uma obra, esses mesmo internautas pudessem se aproximar da tela de uma forma inviável nos museus de verdade, revelando marcas de pincel e detalhes imperceptíveis a olho nu.

De lá para cá, no entanto, o Google Arts and Culture cresceu, e muito. Em quantidade de parceiros, é claro - no começo, eles eram menos de 20. Mas, sobretudo, nos usos.

Hoje, além de explorar centenas de coleções e visitar exposições virtuais, os internautas ainda têm acesso a toda uma gama de projetos paralelos. Estes vão de descobrir obras de arte parecidas com as selfies que postam, o Art Selfie, a vídeos em que curadores realizam visitas guiadas com influencers, o Art for Two.
Ao longo de pouco mais de 40 minutos de entrevista, o diretor do Google Arts and Culture, Amit Sood, insiste algumas vezes que ele e sua equipe não são mais do que técnicos de engenharia. ‘Se a escolha dos conteúdos dependesse de nós, seria um desastre’, ele diz.

Pode parecer modéstia demais para o criador de uma plataforma que, hoje, reúne milhões de obras de arte localizadas em mais de 2000 instituições pelo mundo, 60 delas só no Brasil.

Mas, conversando com Sood, executivo criado em Mumbai e radicado em Londres, fica claro o protagonismo das instituições culturais dentro do projeto, lançado há nove anos.

Isso sem falar num laboratório de experimentação que inclui pesquisas com machine learning e outras tecnologias e que conta com a colaboração de profissionais das outras áreas do Google.

A plataforma já vinha, assim, se expandindo em anos anteriores. Durante a pandemia da Covid-19, porém, ganhou ainda mais importância. Num momento em que museus e centros culturais fecharam ao público por causa das medidas de distanciamento social, a quantidade de acessos ao site e ao aplicativo mais que dobrou, segundo Sood - ele não revela números, no entanto.

O diretor credita esse crescimento todo à capacidade da plataforma de juntar num mesmo local museus e itens distantes um do outro na vida real, seja pela própria geografia ou pelas disciplinas em que estamos acostumamos a agrupá-los - moda, artes plásticas, ciência.

‘Nossas conversas iniciais foram muito complicadas. Porque tínhamos que convencer os museus a se juntar numa mesma plataforma, e mesmo no mundo real isso é difícil’, ele diz. ‘Mas, para nós, tudo isso é cultura’.

É essa multiplicidade, aliás, que Sood considera a maior vantagem do Google Arts and Culture. ‘As pessoas são obcecadas por pinturas, mas existem tantas outras formas de arte e de cultura no mundo’, ele diz. ‘Meu consumo pessoal de arte mudou drasticamente. Pois entendi que uma cultura não precisa de telas a óleo para ser incrível, que há mais do que a visão ocidental da arte’.

‘E acho que o meio virtual pode equalizar esse meio de campo. Você pode entrar na plataforma para ver os girassóis do Van Gogh, mas acabar encontrando um trabalho indiano numa técnica completamente diferente’, exemplifica o diretor.

Questionado se esse nivelamento é observado na prática, Sood responde que a maior parte do tráfego da iniciativa ainda vem dos grandes museus europeus e americanos.

Mas, ele continua, esse cenário tem mudado bastante recentemente. Usuários da Ásia e da América Latina foram os que mais cresceram nos últimos dois ou três anos. E a lista de instituições mais visitadas hoje, é completamente distinta daquela do começo, com museus do Brasil e da Índia galgando cada vez posições mais altas no ranking.

Para esse processo ganhar força, é fundamental trazer os museus e os curadores para o debate virtual, diz Sood. ‘Não queremos juntá-los ali e usar algum tipo de engenharia para dizer que esses são os top cem museus. Insistimos que os curadores é que escrevam essa história’.

Ele conta que, nesses anos, uma de suas maiores descobertas foi quanto conhecimento esses curadores têm, e como eles têm medo, ou não sabem como comunicar isso online.

‘Acho que essa crise mostrou que é do interesse deles participar dessa conversa’, afirma Sood.


‘Museus precisam se sentir relevantes agora, porque mesmo nos tempos mais sombrios, continuamos a buscar maneiras de nos inspirar, de nos conectarmos uns com os outros. Basicamente, de nos educarmos’.







Fonte: Clara Balbi   |   FSP



(JA, Jun20)



segunda-feira, 1 de junho de 2020

Morre Christo, o artista que embrulhou em tecido pontes e palácios, aos 84 anos




Chirsto em foto de 2016, França

Com a mulher, búlgaro radicado em Nova York criou algumas das obras mais impressionantes da arte contemporânea

O artista plástico Christo, famoso por trabalhos de escala gigantesca criados ao lado da mulher, Jeanne-Claude Denat de Guillebon, muitas vezes embrulhando monumentos no mundo todo, entre eles o Reichstag, em Berlim, e a ponte Neuf, em Paris, morreu no último domingo (31), aos 84 anos, de acordo com seus assistentes em seu perfil no Facebook.

Nascido Christo Vladimirov Javacheff, na Bulgária, e depois naturalizado americano, ele morreu de ‘causas naturais’, segundo o comunicado, em sua casa em Nova York.




A dupla formada com sua mulher, que morreu em 2009, se tornou uma das mais famosas do mundo da arte por trabalhos site-specific, ou seja, criados a partir do lugar onde seriam montados. Suas peças de natureza acachapante, muitas vezes efêmeras, podiam levar anos de planejamento e custar milhões de dólares para serem executadas.

Desde a década de 1960, Christo e a mulher se tornaram nomes incontornáveis num universo da arte que extravasava e implodia todos os limites impostos à escultura, em sintonia com vanguardas como a land art, que ganhava corpo nos Estados Unidos.


Pont Neuf emballé par Christo, 1985


Eles se tornaram famosos no mundo todo em 1985, quando embrulharam a ponte Neuf em tecido brilhante, um trabalho que levou dez anos para ser elaborado e consumiu 100 mil metros quadrados de material reluzente, que se espelhava nas águas do Sena.


Gates,  Central Park NY, 2005


Há 15 anos, Christo, como ele e também a dupla ficaram conhecidos, estendeu 7.500 retalhos de tecido laranja gigantescos pelas alamedas do Central Park, em Nova York —o trabalho levou mais de 20 anos para driblar toda a burocracia antes de ser concretizado.

Outro embrulho, o do Reichstag, em Berlim, há 25 anos, também consumiu quase um quarto de século de negociações e US$ 15 milhões, em valores da época, para sair do papel. Christo transformou a atual sede do Parlamento do país num grande fantasma assombrando os dois lados da capital alemã, até poucos anos antes separada ao meio pelo muro.


Passarelas douradas flutuantes, lago ao Norte da Itália, 2016


Nos anos depois da morte da mulher, Christo se dedicou a realizar alguns dos planos elaborados pelo casal. Um de seus maiores sucessos de público foi uma instalação num lago no norte da Itália onde ele construiu enormes passarelas douradas flutuantes —270 mil espectadores foram caminhar sobre as águas ali ao pé das montanhas.

O projeto italiano ecoa uma obra da década de 1980 em que o casal construiu em Miami uma série de ilhas de plástico cor-de-rosa na baía de Biscayne, considerado um marco na revitalização urbana do balneário americano.
Há dois anos, em Londres, ele ergueu sobre um lago uma enorme estrutura com 7.000 barris de petróleo coloridos inspirada na forma das sepulturas do Egito antigo.

Um dos primeiros trabalhos ao lado da mulher, marroquina que conheceu em Paris depois de ter estudado em Viena, aliás, também usou barris do combustível para bloquear uma rua da capital francesa em protesto contra a construção do Muro de Berlim.

Seu último projeto seria embalar o Arco do Triunfo parisiense em tecido, aguardado como a grande atração da temporada de outono das artes em Paris. Agora, segundo seus colaboradores, o projeto deve seguir adiante, mesmo que abalado pela pandemia do coronavírus.

Ele deixa o filho Cyril Christo, fotógrafo e cineasta e ativista dos direitos dos animais.







Fonte:   FSP, Ilustr



(JA, Jun20)