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segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Ai Weiwei trabalha com artesãos brasileiros na maior mostra já feita de sua obra


Artista chinês abre exposição 'Raiz' no parque Ibirapuera, em São Paulo, com trabalhos inéditos e outros já consagrados
  

Os números impressionam. Setenta obras de arte pesando 500 toneladas, distribuídas em 8.000 m² de um dos maiores espaços expositivos do mundo. Cem pessoas trabalhando durante 21 dias na montagem da exposição, que foi gestada e produzida ao longo de sete anos, ao custo de R$ 10 milhões.
‘Raiz’, que será aberta no sábado (20) na Oca, no parque Ibirapuera, em São Paulo, é a maior exposição já realizada no mundo pelo artista e dissidente chinês Ai Weiwei.


Reúne trabalhos marcantes de sua carreira com outros tantos inéditos, produzidos no Brasil por artesãos que trabalharam em ateliês montados pelo próprio Weiwei em diferentes estados.


O resultado são obras que atestam o minucioso processo de produção de comunidades locais, a exemplo da série de 200 ex-votos talhados em Juazeiro do Norte (CE) a partir da iconografia do artista.


São pequenas esculturas de madeira que subvertem a sua função religiosa original para representar o dissidente destruindo a urna da dinastia Han —referência a um de seus trabalhos mais famosos—, tirando uma selfie ou mostrando o dedo do meio.
‘Fazer uma exposição em uma cultura e terra tão fortes como o Brasil não é fácil. Requer um entendimento profundo da sociedade, do estilo de vida, da língua, da personalidade do povo e das condições políticas’, diz Weiwei em entrevista à Folha, dias antes da abertura da exposição.
Os preparativos da fase final da mostra trouxeram o artista cinco vezes para o Brasil nos últimos dois anos, mas o processo todo, iniciado em 2011, ficou um bom tempo suspenso porque Weiwei foi preso no aeroporto de Pequim naquele ano e só pôde deixar a China novamente em 2015, quando se mudou para Berlim.
Sobre o processo, conta que a cultura e a natureza brasileiras não lhe eram familiares. ‘Cresci no deserto de Gobi, com praticamente nenhum verde, só areia e rochas. E aqui é completamente o oposto’.
Embrenhado numa reserva ecológica exuberantemente verde próxima a Brumadinho (MG), Weiwei se deparou com um pequi de 36 metros de altura. A árvore de 1.200 anos está morta, mas ainda assim em pé.
Resolveu montar andaimes em torno dela e moldá-la ‘com precisão de joia’, nas palavras do curador da mostra, Marcello Dantas, com o objetivo de gerar uma réplica perfeita. Para a empreitada, Weiwei requisitou a ajuda de 25 chineses para trabalhar com uma equipe de brasileiros.
O processo ganhou ares tropicais quando um dos funcionários de Weiwei foi picado por um enxame de abelhas e teve que retornar para a China para ser tratado. Depois disso, o artista colocou um Buda chinês milenar dentro da árvore —que é oca—, como uma forma de proteção espiritual. ‘Senti que havia tocado em algo profundamente relacionado àquela floresta’, diz.
Um documentário registrando a jornada do pequi poderá ser visto na Oca. Mas o molde da árvore, que, uma vez fundido em ferro na China pesará absurdas 250 toneladas, ainda não tem data —e talvez nem solo que aguente tanto peso— para ser exibido.
Weiwei diz não ter uma peça favorita entre as produzidas por aqui. ‘Digo com frequência que não gosto do meu trabalho, porque ele é inacabado. Todo o meu esforço é uma única obra, não há trabalhos finalizados. Mas esses trabalhos são parte de mim, o que significa que não devo gostar tanto assim de mim’.


É aparente o desprendimento do artista em relação à própria obra, dada sua entrega ao ofício. Ele diz que ‘quase morreu’ no processo que resultou nas esculturas de ‘Two Figures’ (duas figuras), moldes do corpo inteiro de Weiwei e de uma brasileira, porque teve que ficar oito horas embalsamado no gesso usado para tirar as formas, o que dificultava a sua respiração.
‘Meu rosto ficou vermelho, e depois preto. Mas por que faço isso? Porque a alma tem que estar relacionada com as ações. Agir é mais importante, porque desafia a sua honestidade, não é algo falso. E prefiro lutar quando a minha vida está vulnerável’, diz o artista, conhecido internacionalmente por obras que expõem mazelas do Estado chinês.
Uma dessas é ‘Straight’ (reto), que pela primeira vez é mostrada em sua forma completa. Trata-se de uma instalação feita com toneladas de vergalhões de aço recuperados dos escombros de escolas de Sichuan, na China, após o terremoto que abalou a cidade em 2008, matando 5.000 crianças. O número de óbitos e o nome das vítimas foram descobertos pelo artista e por seus assistentes —e nunca divulgado pelo governo.
Também estarão expostos outros trabalhos potentes, como ‘Forever Bicycles’, gigantesca escultura de bicicletas instalada do lado de fora do parque, na avenida Pedro Álvares Cabral, à vista do público; e ‘Sunflower Seeds’, composta de 100 milhões de sementes de girassol feitas de porcelana por uma comunidade de mulheres em Jingdezhen, no sul da China.
‘Raiz’, primeira mostra dedicada a um único artista a ocupar toda a Oca, não usou a Lei Rouanet. Marcello Dantas, que também produz, conta que o projeto foi aprovado a captar recursos via incentivo fiscal e que procurou patrocinadores, mas estes quiseram saber mais sobre a exposição antes de investirem.
Só que Weiwei disse a Dantas que não passaria por qualquer tipo de chancela: ele teria liberdade total ou não faria.
A solução foi buscar colecionadores, que nas palavras de Dantas são ‘entendedores de arte’ e tiveram ‘fé cega’ ao apostar num projeto do qual pouco sabiam. Sete nomes financiaram as obras produzidas no país, que somam US$ 1 milhão (R$ 3,8 milhões), e terão preferência caso queiram adquirir os trabalhos.
Houve também aporte financeiro de quatro galerias do artista —a italiana Continua, a britânica Lisson, a alemã Neugerriemschneider e a brasileira ArtEEdições. O restante de recursos vem do próprio artista, da venda de objetos com estampas de Weiwei (um guarda-chuva com a mão mostrando o dedo do meio sairá a R$ 300), do catálogo da mostra e da Fundação Marcos Amaro. ‘Raiz’ segue no ano que vem para o Rio de Janeiro e para Belo Horizonte.

AI WEIWEI RAIZ
Onde Oca - pq. Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº
Quando De 20/10 a 20/1/2019  
Horário: Ter. a sáb., das 11h às 20h; dom. e fer., das 11h às 19h.
Preço R$ 20 (ingressos vendidos com horário marcado)

‘RAIZ’ EM NÚMEROS
70 obras aproximadamente estão expostas
500 toneladas é o que pesam, juntos, todos os trabalhos
8.000 m² é o espaço expositivo que ocupam na Oca
24 obras foram produzidas no Brasil, em ateliês montados em três estados (São Paulo, Ceará e Bahia)
100 pessoas trabalharam durante 21 dias na montagem
R$ 10 milhões foi o custo de produção da exposição

Fonte: João Perassolo   |   FSP

(JA, Out18)

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Artista chinês Ai Weiwei monta ateliês no Brasil




Obras estarão na mostra 'Ai Weiwei Raiz' na Oca, em outubro


Abacaxis feitos de porcelana em fábrica de São Caetano do Sul para projeto do chinês Ai Weiwei

Nas prateleiras cheias de objetos de porcelana em um galpão de São Caetano do Sul, no ABC, algumas peças parecem fora de contexto. Entre xícaras, cinzeiros e budas decorativos, repousam centenas de réplicas de frutas-do-conde, ostras, dendês e abacaxis.
Os frutos aguardam o momento em que, pelas mãos de uma equipe coordenada pela designer Raquel Hoshino, serão diferenciadas de uma xícara de cafezinho para se tornarem obras assinadas pelo artista plástico Ai Weiwei.
A Porcelana Teixeira, fábrica fundada em 1949 por imigrantes portugueses, abriga atualmente um dos cinco ateliês que o famoso dissidente chinês montou no país este ano.
Do galpão sairão os dois exemplares de ‘F.O.D.A.’ (fruta-do-conde, ostra, dendê e abacaxi) que o público verá no prédio redondo do Ibirapuera, além de outros 300 múltiplos da mesma obra que serão vendidos pela sua galeria paulistana, a ArtEEdições.
‘Ai Weiwei eterniza as frutas da mesma forma que a burguesia europeia eternizava cachorros em bibelôs de porcelana. A ideia do bibelô é manter presente algo que está em extinção’, explica Hoshino.

Peças de porcelana no ateliê em São Caetano do Sul


Sete pessoas se dedicam em tempo integral ao acabamento das frutas —são escultores, ceramistas e pintores ativos no mercado, pinçados especialmente para o projeto.
A fabricação dos objetos segue a linha de produção normal de outras peças que saem dali, com os mesmos operários e matérias-primas.
Weiwei contratou Hoshino depois de se encantar com a verossimilhança de um protótipo de abacate realizado pelo artesão Miguel Anselmo, que integra a equipe da designer.
A encomenda do artista chinês, que pediu a Hoshino e à fábrica a reprodução de uma fruta brasileira, para aferir a qualidade do trabalho e dos materiais, fez com que a designer oficializasse a criação de uma divisão dedicada ao desenvolvimento de peças de caráter mais experimental.
Ela conta ainda que Weiwei lhe mandou um recado —ele queria que as reproduções das frutas fossem ‘rústicas, mas benfeitas’. E parece ter gostado do resultado, a julgar pelas curtidas que dá nas imagens das peças prontas postadas no Instagram por um dos artesãos da fábrica.
O curador da mostra da Oca, Marcello Dantas, conta que a ideia para ‘F.O.D.A.’ surgiu há alguns meses, em Trancoso, na Bahia, onde Weiwei lhe perguntou como dizer ‘fuck’ em português. Dantas respondeu, e então o artista disse que queria uma fruta correspondente a cada letra da palavra ‘foda’ para realizar a obra.
‘As letras F, D e A foram relativamente fáceis. Mas não há no dicionário nenhuma fruta com O. Então sugeri ostra, que é um fruto do mar, e ele amou. Além do mais, a ostra tem uma conotação sexual superforte’, afirma Dantas.


Moldes das peças de porcelana

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A fábrica em São Caetano do Sul é só um dos lugares de produção do chinês no Brasil.

Há mais três frentes de trabalho ativas espalhadas pelo país —uma em Cotia, na Grande São Paulo, outra em Juazeiro do Norte, no Ceará, e uma no presídio paulista de Tremembé. O quarto, que ficava em Trancoso, foi desativado após seis meses de operação.


O número de pessoas trabalhando em todos esses locais chegou a 150. Para a realização das obras, foram usados materiais como raízes, cerca de uma tonelada de sementes de olho-de-cabra e couro. ‘O volume de produção é grande. São uns sete, oito caminhões. É um processo quase industrial’, conta Dantas.
Processo (da esq. para dir.) de fabricação das frutas em porcelana na fábrica

 Parte das obras vindas dos ateliês, que devem finalizar seus trabalhos no início de setembro, estará na Oca.
O restante foi enviado à China e só virá a público em ocasiões futuras. É o caso do molde de um pé de pequi de 36 metros de altura tirado em Trancoso por uma equipe de chineses, que deve levar cerca de um ano para ser fundido.
Dantas nega que o interesse de produzir as peças de ‘F.O.D.A.’ no Brasil esteja relacionado à mudança nas taxas aeroportuárias para obras importadas; hoje elas não são mais cobradas de acordo com o peso da obra armazenada, e sim segundo seu valor.
‘A fábrica em São Caetano do Sul é só um dos lugares de produção do chinês no Brasil. Há mais três frentes de trabalho ativas espalhadas pelo país —uma em Cotia, na Grande São Paulo, outra em Juazeiro do Norte, no Ceará, e uma no presídio paulista de Tremembé. O quarto, que ficava em Trancoso, foi desativado após seis meses de operação.
O número de pessoas trabalhando em todos esses locais chegou a 150. Para a realização das obras, foram usados materiais como raízes, cerca de uma tonelada de sementes de olho-de-cabra e couro. "O volume de produção é grande. São uns sete, oito caminhões. É um processo quase industrial", conta Dantas.
Parte das obras vindas dos ateliês, que devem finalizar seus trabalhos no início de setembro, estará na Oca.
O restante foi enviado à China e só virá a público em ocasiões futuras. É o caso do molde de um pé de pequi de 36 metros de altura tirado em Trancoso por uma equipe de chineses, que deve levar cerca de um ano para ser fundido.
Dantas nega que o interesse de produzir as peças de "F.O.D.A." no Brasil esteja relacionado à mudança nas taxas aeroportuárias para obras importadas; hoje elas não são mais cobradas de acordo com o peso da obra armazenada, e sim segundo seu valor.
‘A razão de produzir essas peças aqui é o interesse em interpretar o Brasil que faz parte do imaginário do Ai Weiwei desde a infância, quando seu pai aqui esteve com Jorge Amado. É uma visita à tradição artesanal brasileira, assim como a obra do Weiwei é uma visita à tradição artesanal chinesa’, justifica o curador.
Obras complexas realizadas com o auxílio de mão de obra local, aliás, não são uma novidade na carreira do dissidente.
Há alguns anos, Weiwei contratou oficinas de artesãos de Jingdezhen para que confeccionassem 100 milhões de sementes de girassol de porcelana —a cidade no sul da China tem tradição milenar na fabricação desse material.
O resultado foi ‘Sunflower Seeds’, obra exibida há oito anos na Tate, em Londres, que estará também em São Paulo.
‘Ai Weiwei Raiz’ é a segunda mostra do artista no país. Em 2013, um conjunto de suas fotografias foi exibido no Museu da Imagem e do Som paulistano. Esta, contudo, terá uma dimensão maior, ocupando quatro andares da Oca.
Além das peças feitas aqui, estarão reunidos trabalhos marcantes de Weiwei, como ‘Forever Bicycles’, ‘Moon Chest’ e ‘Straight’, além de uma obra exibida apenas uma vez, ‘Ordos 100’, realizada em 2008 com os arquitetos suíços Herzog & de Meuron.


Fonte: João Perassolo   |   FSP

(JA, Ago18)