Famoso por obras que ativam os cinco
sentidos, ele apresentará quatro ações-rituais na mostra
Instalação 'Cura Bra Cura Té', criada especialmente para a retrospectiva Pinacoteca |
Uma árvore de crochê domina
todo o pátio central do prédio da Pinacoteca, no centro paulistano. Da copa,
tingida em tons de verde e amarelo, pende uma flor vermelha, também de crochê.
O tronco de madeira, apoiado
no chão, abriga punhados dos principais produtos de exportação da economia
brasileira ao longo dos séculos —açúcar, café, ouro, soja.
Inédita, a obra monumental
integra a retrospectiva de Ernesto Neto no museu, que começa neste fim de
semana, às vésperas da avalanche de artes plásticas que toma a cidade em torno
da feira SP-Arte. É sob a fronde dessa planta que acontecerão quatro ações de
cura e meditação do artista.
Inst. 'Velejando entre Nós, 2013-2013 |
Organizada pelo diretor da
instituição, Jochen Volz, e a curadora-chefe, Valéria Piccoli, a retrospectiva
reúne cerca de 60 obras do artista carioca pinçadas de sua produção das últimas
três décadas.
Neto afirma que as ações
pensadas para o espaço terão representantes dos movimentos negro e indígena.
Este último, cada vez mais presente em sua produção a partir de uma viagem à
tribo dos huni kuin, no Acre, há seis anos.
‘Sempre acreditei na alegria.
E, de repente, cheguei a uma terra onde tudo era sagrado, e a alegria era a
cura’, ele diz.
Inst. de crochê 'TomBorTom', com instrumento musical, 2012 |
Desde então, sua obra
plástica, conhecida pelas instalações e esculturas imersivas —que, construídas
em materiais têxteis, como poliamida e o próprio crochê, evocam formas
orgânicas, vivas— tem ganhado um caráter mais e mais ritualístico.
Mas a preocupação com o corpo
coletivo, social, vem desde o começo de sua trajetória, na década de 1980.
Inst. de 1989, 'Copulônia', formada por meias de poliamida e esferas de chumbo |
'Copulônia’ (1989), remontada
para a exposição, é considerada seminal nesse sentido. A instalação, formada por
meias femininas recheadas com chumbo de caça (o elemento masculino do
trabalho), apresenta uma espécie de colônia de seres disformes que pendem do
teto e se espalham pelo chão.
Ela marca o momento em que o
trabalho do artista, até então voltado para questões do universo da escultura,
como equilíbrio, resistência e natureza dos materiais, passam a se alastrar
pelo ambiente.
A colonização do espaço,
desta vez pelo cheiro, continua com as esculturas ‘Piff, Poff, Puff, Paff…’, de
1997, que deixam vazar temperos como cúrcuma e cravo pelo chão.
Vista de 'Enquanto nada Acontece', 2010-2019, Pinacoteca, na Luz |
Na exposição, o elemento
aparece em obras como ‘Enquanto Nada Acontece’ (2008), espécie de gigantesco
cogumelo pendurado. De seu chapéu caem meias com porções de açafrão-da-terra,
cravo, cominho.
‘Quando o cheiro se esgota,
basta balançar que ele se liberta de novo’, explica Neto. 'Esse trabalho tem essa
questão da transpiração, do que exalamos de dentro de nós mesmos’.
O maior passo em direção à
construção de um obra gregária, que discute a convivência com o outro a partir
dos cinco sentidos, vem, no entanto, com as suas ‘Naves’, dos anos 1990.
Como jiboias etéreas, as
estruturas suspensas, construídas com o mesmo tecido de meia-calça, mudam de
forma de acordo com quem —ou o quê— as adentra.
‘As naves são um local-corpo
uterino, maternal’, diz Neto. ‘Trabalha-se o estado de estar’.
Se há quem associe a série
com o trabalho dos neoconcretistas Lygia Clark e Hélio Oiticica, Valéria
Piccoli considera redutor falar do trabalho de Neto nesses termos.
‘Ele obviamente tem uma
relação inicial com o movimento mas, com o tempo, extrapola essa herança, ao se
distanciar do indivíduo para pensar a humanidade de modo mais geral’, afirma.
De fato, a partir dos anos
2000, a produção de Neto parece querer envolver mais e mais pessoas por meio de
trabalhos monumentais
Escultura 'ObichoSuspensoNaPaisagen' |
Datam do período as
megainstalações ‘Bicho!’, apresentada na 49ª Bienal de Veneza, em 2001; ‘Leviathan
Thot’, no Panteão de Paris, em 2006 ; e ‘Anthropodino’, no Park Avenue Armory,
Nova York, em 2009.
O crochê, que ele aprendeu a
tecer com a tia-avó em 1994, ajudou nesse movimento. É com essa técnica que ele
fez a grande árvore da mostra atual, assim como uma espécie de mãe dela, ‘Gaia
Mother Tree’, apresentada no ano passado numa estação de trem de Zurique, ou ‘O
Bicho SusPenso na PaisaGen’, exposta no Faena Arts Center, em Buenos Aires, há
oito anos.
Visão, tato, olfato. O
aspecto sinestésico da obra de Neto se completa com o som. Mas este, em peças
como ‘Circleprototemple…!’ (2010), uma cabana no formato de um coração com um
tambor no centro, fica muitas vezes a cargo do público.
O som também aparece nos
rituais recentes do artista, sob a forma de canto e música. E terá lugar
durante as ações no pátio central da Pinacoteca.
Nela, a cada ritual, o tronco
da árvore terá um de seus segmentos subtraído, alegoricamente abocanhado pela
flor vermelha de crochê. Esta representa a energia feminina da terra que, para
Neto, está dotada de poder de cura.
‘Essa planta está curando o
trauma que é a estrutura social brasileira hoje. Precisamos trazer o feminino
para a nossa sociedade’, diz o artista.
A primeira ação acontece já
no dia da abertura, e inclui meditação, banho e música.
‘A gente é branco, europeu,
mas também é índio e africano. Um tambor, um maracá toca dentro da gente’, diz
Neto. ‘As duas heranças são negadas, silenciadas, mas elas têm uma sabedoria
profunda’.
Calendário
das ações-rituais
Ciclo 1: 13/4
Ciclo 2: 04/5
Ciclo 3: 01/6
Ciclo 4: 13/7
Ernesto Neto: Sopro
Pinacoteca, pça. da Luz, 2, São Paulo
Seg. e qua. a dom., das 10h às 17h30
Abertura sáb (30), às 11h
Ingr.: R$ 10,00. menores de 10 anos e maiores de 60 anos: grátis.
Fonte: Clara Balbi |
FSP
(JA, Mar19)