domingo, 15 de março de 2020

Fotocópias eróticas de Hudinilson Jr. voltam para a Pinacoteca 40 anos depois



Mostra na Pina Estação marca desejo de revisão da obra do artista, visto como maldito quando vivo



Autorretrato, colagem anos 2000


A exposição sobre Hudinilson Jr. que a Estação Pinacoteca abre agora é, de certa forma, o fechamento de um ciclo.

Nos anos 1970 e 1980, o artista —pioneiro do xerox no país e integrante do coletivo de arte urbana 3Nós3— era um dos mais entusiasmados com uma copiadora instalada no antigo teatro de arena do museu, na praça da Luz.
Também era ‘o que mais escandalizava’, conta Fábio Magalhães, diretor do espaço na época. Ele subia na máquina, ‘ficava peladão’, lembra.



Contato com fotos de Hudinílson, 1979



Fotocópias eróticas de Hudinilson Jr. voltam para a Pinacoteca, onde foram produzidas, 40 anos depois

As experiências com a copiadora incluíram ainda ministrar oficinas de xerografia, único emprego de carteira assinada do artista, segundo sua galerista, Jaqueline Martins.

E culminaram em alguns de seus trabalhos mais conhecidos, papéis em que registra o contato de seu corpo nu —pelos, pênis, dorso— com o vidro da máquina.

Agora, quatro décadas depois, muitas das obras realizadas na época retornam à Pinacoteca, parte de uma doação ao museu realizada pela família do artista em conjunto com a galeria Jaqueline Martins.



Amantes e Casos, Dueto de Ciúmes, pintura, 1978


Fruto de um esforço de catalogação do espólio de Hudinilson que atravessou os seis anos e meio desde a sua morte, em 2013, elas se somam às módicas três xerox do artista já na coleção do museu.

‘Só agora começamos a fazer nossa lição de casa’, diz Ana Maria Maia, à frente da exposição, contando que, dos 95 itens doados, dois terços poderão ser vistos agora.

O projeto da instalação que abre a mostra é um deles. Nela, dois manequins femininos são posicionados cada um na ponta de um tablado circular. Câmeras de segurança apontam para os corpos —que, no entanto, evitam a lente, virando seus rostos. Uma imagem de distanciamento que se repete num outdoor da mesma série instalado no estacionamento do museu.

É uma escolha inusitada. Primeiro, porque são raras as vezes que as mulheres têm vez na obra de Hudinilson, lotada de falos e peitorais musculosos —embora, lembra Maia, mesmo aqui a relação entre as figuras seja homossexual.

Além disso, elas ignorarem a câmera é um dado curioso na trajetória do artista, tão obcecado pela própria figura que, em várias obras, se compara ao Narciso da mitologia grega, apaixonado por seu reflexo na água.

Da instalação, a mostra se divide em três corredores. Num deles, é analisada a relação do artista com a cidade, cenário de intervenções que fez ao lado dos colegas do 3Nós3, Mário Ramiro e Rafael França, nos últimos anos da ditadura. Estão ali, por exemplo, estêncis como o famoso ‘Ahh! Beije-me!’ e correspondências de arte postal.





Um conjunto de colagens também pode ser visto por ali. Misturando fotografias publicitárias recortadas de jornais e revistas e reproduções de estátuas e colunas greco-romanas, com o passar dos anos elas ficam cada vez mais abarrotadas, sem um espaço em branco sequer.

Do lado oposto da sala, estão penduradas as fotocópias que viraram sinônimo de Hudinilson. Algumas delas, da série ‘Detalhe do Detalhe’ ampliam reproduções anteriores de seu corpo até chegarem a formas abstratas, livres.

Ana Maria Maia afirma que essa é uma estratégia que se repete na trajetória do artista. Afinal, os assuntos que povoam seus trabalhos, como a homossexualidade e o erotismo, ainda hoje são espinhosos. ‘Ele sempre encontra uma maneira de falar das coisas no limite. E joga com isso, chama quem o observa para bem perto. Até que a pessoa percebe [do que se trata] e sai correndo’, diz a crítica.





Foi o que aconteceu com o outdoorZona de Tensão’, encomendado pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC, em 1983.

A reprodução da glande do pênis de Hudinilson não foi decifrada até que a obra gigantesca, de dez metros de comprimento, tivesse começado a ser montada. Quando a diretoria do museu enfim reconheceu o órgão sexual, Hudinilson simplesmente pôs uma tarja vermelha no centro da imagem —e passou a grafitar por aí a frase ‘pinto não pode’.

Por fim, no corredor central da mostra, ficam alguns dos trabalhos mais íntimos de Hudinilson.

Num deles, um registro da performance ‘Pugnar Radical’, de 1984, o paulistano se submete a um ritual masoquista em pleno palco do Centro Cultural São Paulo, o CCSP. Na sequência de fotografias, a atriz Cláudia Alencar arranca um a um os pelos do peito do artista —a cena ficou impressa na memória de sua amiga e também artista Ester Grinspum como uma das mais radicais que já testemunhou.
Ali perto, em ‘(Des)construir Narciso’ Hudinilson usa o raio-X de um fêmur fraturado para registrar uma agressão homofóbica que sofreu numa parada gay no centro de São Paulo

São trabalhos que, na opinião de Ana Maria Maia, refletem um vigor extremo. Mas também traduzem uma certa solidão —que, segundo alguns dos que conviveram com o artista, foi constante em sua trajetória, em especial nos últimos anos de vida.



Amantes e Casos, Sentença de Morte, pintura 1978


O próprio Hudinilson discute o assunto num texto em que revê seus cadernos de referência, reproduzido no catálogo da mostra. ‘Sobre a fixação dos corpos: é óbvia/lógica; os cadernos são meus diários e, faz parte, não são só rostos bonitinhos e sim tudo, principalmente tudo, já que não encontro alguém, o eterno conflito de todo ser humano (homens e mulheres), é a maneira que encontro de extravasar/exorcizar tal ansiedade’, escreveu.

Além disso, por mais que tenha sido muito ativo na cena artística —vide sua ligação com instituições como o MAC, o CCSP e a Pinacoteca—, ele foi em grande parte ignorado pelo mercado nacional até a sua morte. Mesmo hoje, é menos valorizado aqui do que lá fora, afirma a galerista Jaqueline Martins.
‘Ele contrariava a vida burguesa’, diz Fábio Magalhães. ‘Ainda há muito o que refletir sobre a obra dele’.

A Pinacoteca não será a única a ter essa oportunidade. Martins afirma que ela e os pais de Hudinilson, Maria Aparecida e Hudinilson Urbano, começam agora a organizar mais doações de obras do artista para o museu Reina Sofía, em Madri.
Já no ano que vem, um livro deve reunir alguns dos roteiros de performances descobertos entre os cerca de 2000 trabalhos e documentos, além de cerca de 200 cadernos e agendas que lotavam o apartamento em que o artista viveu, no centro paulistano. ‘É um patrimônio’, diz a galerista.







HUDINILSON JR.: EXPLÍCITO
Quando Quarta à segunda, das 10h às 18h. Abertura neste sábado (14), às 11h. Até 17/8.
Onde Pina Estação, Largo. Gal. Osório, 66
Classificação 16 anos.



Fonte: Clara Balbi   |   FSP



(JA, Mar20)




sexta-feira, 13 de março de 2020

O mergulho no Cosmos, de Sandra Cinto, no Itaú Cultural




‘O mais importante e bonito do mundo é isso. Que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam’.   (Guimarães Rosa)


Nós somos poeira de estrela, todos nós somos Luz, 2020


Sandra Cinto nos propõe um mergulho no cosmos, em todos os nossos silêncios, inquietudes e no nosso eu mais íntimo. Convida-nos a desafinar e a acontecer. Para ela, que começou desenhando céus bem pequenos no início da carreira, levá-lo agora à grande escala é poder colocar o espectador nessa nuvem, nesse sagrado.

 ‘Poder, com a arte, criar outros espaços para o outro e conectar o espectador com um outro eu, é mágico’, pontua ela, enquanto devaneamos sobre esse vazio que é cheio de possibilidades, na montagem de sua primeira panorâmica de 30 anos de carreira –  Sandra Cinto: das Ideias na Cabeça aos Olhos no céu.


Construção, 2006


Todo o percurso é cheio de possibilidades e percorre as camadas vivas da artista, como uma grande dança composta por desenhos, pinturas, objetos, fotografias, documentos e vídeos. 

Como uma proposta curatorial de Paulo Herkenhoff, a mostra é  dividida em três tempos denominados com diferentes fases da água: Chuva, Garoa e Neblina.  Na chuva, o semear, na Garoa, o materializar e na Neblina, o representar o cosmos. 

Com seus tons transitórios entre azuis e cinzas, as nuvens tempestuosas reverenciam as ondas rebeldes anunciando a imensidão da natureza, salpicadas por uma poeira cósmica dourada.


Noites de esperança, 2006


‘As águas violentas, as águas do mar, com suas ondas na fúria e numa raiva animal, pisoteiam corpos como uma raiva humana’, disse Gaston Bachelard em seu livro ‘Água e os sonhos’. Nas paisagens de Cinto, feitas para nos perdermos nelas e em nós mesmos, somos pisoteados entre o respiro e a apreensão da beleza.


Sem título, 2013


Telas em branco como partituras prestes a acontecer são preenchidas de forma lenta e monótona, pelo desenhar de Sandra, por paisagens profundas. Uma linha atrás da outra, como um processo meditativo, sem pressa, com suas próprias referências ao budismo.

Para ela, essa exposição é um congraçamento de seus afetos. É dela e de todas as pessoas (e coisas) que permearam seu pensar, seu criar e seu ser. Em ‘Chuva’, no primeiro andar, ela nos presenteia com seus blocos de nota e todo seu processo criativo e faz uma homenagem à educação (tão fundamental nesses tempos sombrios). Afinal, em seu DNA, ela carrega o ensinar e compartilhar o que vê, sabe e aprende junto de sua carreira artística. Coloca a escola como um grande sol que ilumina e a Universidade como um telescópio invisível ‘A escola é o lugar mais lindo na vida de uma pessoa’, afirma. Convidar outros artistas para habitarem essa chuva com ela é um jeito de mostrar que não estamos sozinhos e somos melhores quando estamos juntos, segundo a artista.


Sem título, 2013


Junto com seu parceiro de vida, o também artista Albano Afonso, ela dirige o Ateliê Fidalga, espaço que usa o modelo horizontal de aprendizado, onde todo mundo aprende e ensina ao mesmo tempo, há 22 anos. Aliás, enquanto conversávamos no andar ‘Neblina’, de sua exposição, Albano era quem estava na redoma de um azul profundo do universo com uma caneta branca na mão pontilhando estrelas no céu de Cinto (ok, posso dizer que também pontilhei algumas). A ideia é mesmo ser uma obra colaborativa, me contou.


Nós somos poeira de estrela, todos nós somos Luz, 2020


No segundo andar, Garoa, ocupado por seus delicados desenhos iniciais e primeiras pinturas de céus nuvens e faróis, o espectador se deleita no traço fino da artista, como uma grande coreografia que ocupa todo o espaço. As  referências musicais, presentes em muitas de suas obras, aparecem em partituras desenhadas em uma sala acústica abrigando instrumentos sem corda, propondo o silêncio.

Não importa em qual parte da exposição você esteja, será regado(a) de afetos. ‘Não há educação sem amor. Não há arte sem amor. Hoje, falar do amor é um jeito de produzir um antídoto a tudo que estamos vivendo’, afirma Cinto.



Partitura (Instalação), 2014


Os silêncios, as pausas e os hiatos são notórios nessa panorâmica. Tudo se percebe, se sente, se atravessa. Todas suas obras são imersivas e monumentais, mas com um caráter introspectivo impressionante.

Suas obras carregam o microcosmos no macrocosmos. São pequenos universos dentro de toda grandiosidade. A experiência de ver uma de suas obras tem dois (ou mais) momentos. Enxergar o todo ou se aproximar e observar os pequenos mundos que acontecem em cada uma delas. Poder estar atento a isso e encontrar uma redoma que te permita esse respiro é o mais precioso da arte. Um hiato no ruído do que nos rodeia e da sociedade em que habitamos. É o que ela propõe junto ao cosmos.





Sandra Cinto: das ideias na cabeça aos olhos no céu

Abertura: 11 de março, 20h
Visitação: 12 de março a 3 de maio
Avenida Paulista, 149




Fonte:  Cassiana Der Haroutiounian  |  FSP



(JA, Mar20)



quinta-feira, 5 de março de 2020

Exposição revela como Rino Levi fez São Paulo se transmutar em metrópole


Mostra no Itaú Cultural dedicada ao arquiteto, pioneiro do modernismo, tem 200 objetos e até realidade virtual




Cinemas monumentais, com mais de 3000 lugares. Apartamentos de quase 400 metros quadrados e janelas do chão ao teto. Fachadas com afrescos de Di Cavalcanti e painéis de Burle Marx.

A São Paulo idealizada pelo arquiteto Rino Levi na primeira metade do século 20 era bem diferente daquela erguida hoje, em que poucas janelas permitem ver o horizonte —e emolduram algo que não o muro do prédio vizinho.

Ainda assim, suas criações ajudaram a formar a cidade que conhecemos. É o que mostra a ‘Ocupação Rino Levi’, que acaba de entrar em cartaz no Itaú Cultural.
Com cerca de 200 itens, entre fotografias, plantas, croquis e anotações, a maioria do acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a FAU, ela ilustra o papel do arquiteto na transformação de São Paulo em metrópole.

Ou melhor, os papéis. Levi não só pensou edifícios para atender serviços e formas de lazer nascentes na época, como criou prédios emblemáticos, que ainda hoje hipnotizam os pedestres nas calçadas —um deles, hoje sede do Itaú, fica a dez quadras da mostra.

A maioria dessas criações foi produzida sob encomenda para a iniciativa privada.


Arquiteto Rino Levi



Um dos organizadores da exposição, a professora Joana Mello, da FAU, explica que isso, aliado ao fato de que Levi não era de esquerda, como a maioria dos arquitetos modernos, levou seu nome a ser esquecido na ditadura militar. O resgate de sua obra só aconteceu na redemocratização, a partir da década de 1980.

A despeito das divergências políticas, Levi tem muitas semelhanças com seus contemporâneos, uma lista que engloba Gregori Warchavchik, Lina Bo Bardi e Vilanova Artigas.

Como eles, o arquiteto prefere linhas que se integram à paisagem. Seus trabalhos usam elementos que filtram a luz e facilitam a circulação de ar, como cobogós e brise-soleils. E, tal qual seus pares, ele acredita no que Mello chama de ‘síntese das artes’, a fusão da arquitetura com o paisagismo e as artes visuais.

A funcionalidade é outro princípio que ele partilha com os demais modernos. Os hospitais que criou, como o Antônio Camargo, do Instituto Central do Câncer, e a maternidade do hospital da USP, são estruturados para dificultar a disseminação de doenças. Suas cozinhas têm janelas sobre a pia e acima dos armários, para aproveitar a luz natural e ventilar o espaço.

Até os painéis que decoravam o interior do UFA Palácio, cinema na avenida São João depois rebatizado Art Palácio, tinham fins acústicos, conta Mello. A solução foi tão bem-sucedida que Levi emendou projetos de outros três cinemas, o Piratininga, o Ipiranga e o Universo. O último pode ser visitado numa experiência em realidade virtual.


Interior do cinema Ufa Palácio, na avenida São João, é retratado em fotografia exibida na Ocupação Rino Levi, no Itaú Cultural


Talvez mais do que seus pares, porém, Levi elevava a natureza a protagonista das suas obras. Nas residências de Castor Delgado Perez, hoje a galeria de arte Luciana Brito, e de Olivo Gomes, em São José dos Campos, no interior paulista, grandes vidraças trazem para dentro o verde dos arredores.

Afinal, a convivência com as plantas ‘dignifica e eleva espiritualmente o homem’, escreveu o arquiteto. Talvez por isso, uma de suas parcerias mais duradouras foi com o paisagista Burle Marx. Era comum que ele acompanhasse o amigo em expedições botânicas pelo país. Foi numa dessas viagens, à procura de bromélias, que ele morreu, aos 63 anos, em 1965.



Centro Cívico de Santo André


A exposição termina com o projeto de Levi para o Plano Piloto de Brasília. Em sua visão, em vez das construções baixas do vencedor Lucio Costa, estariam prédios exíguos de 300 metros de altura —a mesma medida da torre Eiffel. Cada um deles abrigaria corredores com lojas e serviços.

‘Levi estava preocupado em desenhar uma cidade, e o Lucio, uma capital’, diz Mello.


Ocupação Rino Levi
Itaú Cultural, Av. Paulista, 149, São Paulo-SP
Ter. a Sex., das 90h às 20h. Sab. E dom., das 11h às 20h
Até 12/04
Livre
Grátis




Fonte:  Clara Balbi  |  FSP



(JA, Mar20)



quarta-feira, 4 de março de 2020

Exposição reúne a arte plural de Ivan Serpa



‘A Expressão do Concreto’ será aberta no Rio, com mais de 200 obras


Retrospectiva de Ivan Serpa começa na quarta, no CCBB do Rio, onde fica até maio e depois segue para São Paulo



Expoente do modernismo brasileiro, Ivan Serpa terá finalmente uma grande retrospectiva de sua obra exibida ao público carioca - e, até o fim do ano, para o de outras três capitais do País, incluindo São Paulo. A exposição Ivan Serpa – ‘A Expressão do Concreto’ foi aberta ao público na última quarta-feira, 4, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio. Será a chance de conhecer mais de 200 obras do artista que ao longo da carreira variou conceitos e que para alguns é considerado o ‘Picasso brasileiro’.

Com curadoria do jornalista Marcus de Lontra Costa e do professor e historiador de arte Hélio Márcio Dias Ferreira, a exposição reúne peças de importantes coleções particulares, de galerias e da família do artista, morto em 1973 aos 50 anos. ‘Reunimos um conjunto expressivo de obras do Ivan, que começou a produzir intensamente a partir dos anos 1950 até a data de seu falecimento, em 1973’, explica Costa. ‘Nesses cerca de 20 anos temos uma produção impressionante, com variações formais, conceituais, estéticas, que reproduzem de certa maneira todo o clima, todas as tensões, as diferenças que aconteceram nesse período'.

A exposição ocupa todo o 1.º andar do CCBB. ‘Temos pinturas, desenhos, gravuras e algumas obras inéditas. Há, por exemplo, um álbum de fotografias. O Ivan participou como membro do Comitê da França Livre, e trabalhou nesse álbum de retratos ainda na juventude’, conta Ferreira. ‘É de propriedade da família e nunca foi mostrado’. Entre as obras está um caderno de desenhos com os últimos traços pintados por Serpa. ‘Ele foi feito três dias antes de sua morte’, destaca o professor.

Nas duas décadas em que produziu com intensidade, Ivan Serpa passou por diversas fases - todas elas retratadas nos diferentes ambientes da exposição. ‘Ivan tinha hábito de fazer intervenções sobre convites. Ele fazia intervenções com séries de bichos e de mulheres. Teve também uma fase chamada Antiletra, em que trabalhava sobre papel impresso, criando uma nova caligrafia. No fim dos anos 1960, início dos 70, ele fez um conjunto de móveis trabalhados por dentro’, diz Ferreira.


 A exposição ocupa todo o 1.º andar do CCBB com pinturas, desenhos, gravuras e algumas obras inéditas.


Ambientes mais claros, com luzes vermelhas ou com aspecto mais soturno ajudam o público a se inserir ainda mais na exposição. E essas mudanças vistas a cada novo ambiente também são uma forma de fazer o visitante se surpreender.

‘Quando visitamos uma exposição, a tendência natural é buscarmos uma coerência facilmente perceptível. Aqui ela não é’, afirma Marcus Costa. ‘A proposta que fazemos ao público é que primeiro se deixe encantar por esse universo criativo do Serpa, que nunca se preocupou em fazer parte de uma escola, de uma vertente artística’.

Serpa tinha grande paixão pela França e chegou a morar um período por lá, o que influenciou sua formação, mas não anulou a preocupação com suas raízes. ‘A geometria da fase final de sua vida retrata toda a experiência de um homem sofisticado, de cultura francesa, mas ao mesmo tempo de um homem que jamais abandonou seus compromissos, sua família, seu país, sua gente’, explica Costa. ‘Ele passou boa parte da vida no Méier, um bairro característico da zona norte do Rio, de grande história e potencial criativo’.






‘Ivan nunca abandonou suas raízes. Foi um brasileiro interessado na construção de um país que tivesse uma estética particular, uma linguagem específica. Foi também um carioca, um torcedor do Flamengo e da Mangueira’, pontua.

Para Dias Ferreira, a retrospectiva sobre Serpa também serve para refletir sobre o momento no País. ‘O Brasil atravessa uma série de questões de esquecimento, de abandono, e essa é a possibilidade de ver aquele que foi principalmente um professor de arte, aquele que pode fomentar a arte’, diz, antes de resumir o que o público vai ver no CCBB. ‘Costumo chamar o Serpa de Picasso brasileiro, e acho que é isso que as pessoas podem esperar da exposição. Elas vão encontrar as obras de um dos maiores gênios da arte brasileira’.

A mostra fica no Rio até maio. Depois, será levada a São Paulo, Brasília e Belo Horizonte.  






Fonte: Marcio Dolzan, OESP




(JA, Mar20)