sábado, 11 de agosto de 2018

Batalha dos Guararapes




Batalha dos Guararapes, 1879, de Victor Meirelles.  Museu Nacional de Belas Artes

Batalha dos Guararapes é uma pintura a óleo produzida entre 1875 e 1879, que representa uma cena de guerra do primeiro confronto da Batalha dos Guararapes,  ocorrida no século XVII na Capitania de Pernambuco, que culminou com a expulsão dos invasores holandeses das terras brasileiras.

A tela foi pintada pelo artista plástico e professor de pintura histórica brasileiro Victor Meirelles, e a cena representa a vitória das tropas brasileiras contra as holandesas, em 19 de abril de 1648, no primeiro dos dois confrontos ocorridos naquela batalha, travada na região do Morro dos Guararapes. O segundo confronto seria travado meses depois, no mesmo local, em 19 de fevereiro de 1649, levando à expulsão definitiva das tropas holandesas da colônia, que só ocorreria em janeiro de 1654, com a assinatura da sua capitulação.
Inicialmente, a pintura sobre a batalha teria sido designada ao pintor paraibano Pedro Américo, encomendada pelo ministro do Império João Alfredo Correia de Oliveira. Aceita a proposta, o pintor foi à Itália e recolheu-se no Convento della Santíssima Annunziata de Florença para iniciar a obra. Pedro Américo desistiu de pintar a batalha encomendada, e decidiu fazer uma tela retratando a Guerra do Paraguai, que se chamaria ‘Batalha do Avaí’. Com a desistência, o ministro transferiu a encomenda a Victor Meirelles, em 1872.
A obra de Meirelles é uma das pinturas históricas que mais circularam no Brasil, juntamente com telas como Primeira Missa no Brasil, também de sua autoria e Independência ou Morte, de Pedro Américo. Foi apresentada na 25.ª Exposição Geral da Academia Imperial de Belas Artes em 1879, no Rio de Janeiro, para cerca de trezentos mil visitantes. Havia também na exposição, obras de Pedro Américo, como a Batalha do Avaí, ambas representando episódios vitoriosos da ‘história militar nacional’. A exposição, que a princípio destacava as qualidades das obras, dispostas lado a lado, passou a ficar marcada por um clima de rivalidade entre os autores, instigados pelas opiniões da imprensa. 
Essa batalha também tem como particularidade ser o primeiro momento de comunhão nacional da história brasileira, no que se refere à defesa do território contra os invasores. Representa a união do povo brasileiro em prol de um sentimento nacional. Essa interpretação sobre a invasão holandesa foi construída no século XIX, embasada na produção historiográfica do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criando-se a ‘memória visual da nação’.
 As frequentes invasões holandesas e estrangeiras em geral, ocasionavam um laço nacional que unia as três etnias que formavam a sociedade da colônia na época, alinhando brancos europeus (portugueses), índios e negros, em um objetivo comum: a expulsão dos holandeses não só daquela região, que mais tarde seria denominada Nordeste do Brasil, mas também de todo o território da ainda colônia de Portugal. Foi um acontecimento historicamente importante a ser retratado e que seria, mais de 170 anos depois, uma das mais fortes inspirações para a formação do Exército Brasileiro.

Obra, composição
Na tela, centralizado e em destaque, vê-se André Vidal de Negreiros, mestre de campo do Exército português, brandindo sua espada, montado num cavalo marrom e branco que empina no momento captado pelo artista, deixando sua imagem mais alta do que qualquer outra. Ao mesmo tempo, o mestre traça um golpe com sua espada contra o coronel holandês Keeweer, que o olha atordoado, caído no chão. Este é o ponto nevrálgico da cena.
Ao redor do conteúdo central, muitos guerreiros com várias lanças, bandeiras e espadas se enfrentam, tendo uma concentração de homens ao redor do afrontamento dos dois chefes. A batalha está sendo vencida pelo exército português que se dispõe do lado esquerdo do quadro, tendo ao lado direito, vários holandeses mortos, feridos ao chão, e outros ainda em pleno duelo, com seus corpos inclinados para frente, o que dirige o olhar do observador. Próximo ao coronel golpeado, estão guerreiros que o protegem do mestre português, acobertando-o como numa barricada e apontando suas armas para o inimigo. O cavalo branco do coronel holandês encontra-se ferido ao chão. Meirelles também representa as estratégias militares utilizadas e, dessa forma, expõe os guerreiros holandeses, que se dispunham em várias faixas humanas, criando-se fases do exército.
Logo atrás de André Vidal, avista-se o comandante da tropa, Barreto de Menezes, também montado a cavalo, mostrando sua espada e que vai à captura do governador dos holandeses, Sigismund von Schkopp. Do lado direito, alguns guerreiros mais afastados do caos da batalha ao centro, observam e comentam a cena.
Os holandeses, assim como os portugueses, todos de pele branca, vestem roupas coloridas, de tons diversos: vermelho, verde, amarelo, azul, laranja, marrom, cinza, preto, e branco, cores que chamam atenção em suas roupas de tecidos grossos, vistosas, detalhadas, com penas, cinturões, acabamentos, botas de couro. Também usam armaduras de ferro e possuem numerosos equipamentos como escudos, lanças e espadas, estas últimas apontadas contra o inimigo. O exército português é composto por portugueses de pele branca e de alguns índios e negros os quais são mal representados, vestem roupas simples, alguns até estão sem armaduras. Os brancos possuem cavalos, e os de pele escura lutam todos no chão.  
Ao lado esquerdo, em direção às terras do cenário, avista-se um grupo de soldados portugueses a cavalo em segundo plano, aproximando-se ferozmente da zona de combate. Estes são retratados com cores mais apagadas que se misturam com a vegetação e uma poeira envolvente.
No lado inferior da tela, ao chão de terra batida com algumas manchas de sangue, estão vários homens feridos, mortos, jogados entre alguns galhos secos, armas e peças de roupas abandonadas. Outros, também ao chão, observam e se protegem da batalha, acuados. Todo o caos e movimentação da cena faz levantar uma poeira produzida pelo chão de terra, que envolve todo o quadro causando um efeito de moldura de penumbra.
Filipe Camarão e Henrique Dias ocupam as laterais da tela, direita e esquerda respectivamente. Os grupos de guerreiros aos poucos desaparecem em direção ao espaço aberto, no fundo. Eles são representados de tamanho menor e com cores neutras o que gera um efeito visual de profundidade e grandeza da batalha, como se pelo enquadramento utilizado não fosse possível retratar o tamanho da batalha em si, mas um recorte específico: o golpe do português Vidal de Negreiros contra o holandês Keeweer.
O encontro dos exércitos se dá em primeiro plano, no Morro dos Guararapes, local com árvores altas, um chão plano terroso, largo. A paisagem ocupa o canto esquerdo superior da tela com um imenso céu azul que carrega nuvens e compõe juntamente com a poeira cinza.
Meirelles compõe a topografia da região e insere ao fundo, em terceiro plano, o Cabo de Santo Agostinho, local que representa o motivo do confronto entre os dois grupos. Nesse plano mais distante, é usada uma técnica de profundidade, com a utilização de uma paleta de cores apagadas, a cor branca e pouca nitidez, ao contrário do centro e dos primeiros planos do quadro onde há mais nitidez e cores vivas. Nota-se uma natureza composta por várias espécies de árvores, e o fluxo do mar em direção ao horizonte montanhoso
A linguagem utilizada por Meirelles é clara, e procura ser fiel ao acontecimento e ao local, tem a intenção de resgatar o espírito de uma época a partir de seus vestígios, já que as pinturas de batalhas tornaram-se, nessa época, formas de documentar as explorações reais, e de registrá-las como um testemunho ocular.
O realismo artístico a partir do século XIX torna-se uma característica fundamental nas obras, notadamente na pintura histórica. A capacidade de captar o ‘real’ passa a se sobrepor à função didática, embora não completamente.
Os temas voltados para a história nacional passam a ser uma constante, substituindo gradualmente o interesse pela temática religiosa, havendo uma maior necessidade de se consultar fontes que ajudassem a compor a obra o mais fielmente possível, dentro de seu contexto histórico.    

O Autor
Victor Meirelles por volta de 1900. Autor: Pedro Peres
Victor Meirelles (1832 – 1903) era natural de Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), na então Província de Santa Catarina.
Aos seis anos de idade inicia seus estudos artísticos e aos quinze, muda-se para o Rio de Janeiro, então capital do Império, para estudar na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), especializando-se em pintura histórica.
Aperfeiçoou-se na Europa, estudando em Roma e Paris durante sete anos, tendo produzido nesta última cidade, o seu quadro Primeira Missa no Brasil, considerado pela crítica a primeira grande obra de arte brasileira.
Retorna ao Brasil em 1861 e, no ano seguinte, é nomeado professor de pintura histórica na AIBA. Antes da obra ‘Batalha dos Guararapes’, Meirelles já havia pintado temas indianistas como ‘’Moema’, em 1866 e outros episódios históricos de batalhas, como ‘Passagem de Humaitá’ e ‘Batalha do Riachuelo’, entre 1869 e 1872.
Em 1885, funda uma empresa para produção de imagens panorâmicas do Rio de Janeiro e a partir de então passa a se dedicar a este estilo de pintura. Com a reestruturação da AIBA, depois da Proclamação da República em 1889, Meirelles é exonerado do cargo de professor e passa por um período de ‘marginalização’, por ter sido o artista oficial do período monárquico. No entanto, deixou um legado considerado importante pela crítica para vários artistas da segunda metade do século XIX, depois de quase trinta anos como professor. Lamentando que suas obras tenham sido esquecidas, passa a realizar exposições públicas de suas pinturas panorâmicas para se manter até a sua morte, poucos anos depois.

Fonte: WP

(JA, Ago18) 


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