Batalha dos Guararapes, 1879, de Victor Meirelles. Museu Nacional de Belas Artes |
Batalha dos Guararapes é uma pintura a óleo produzida entre 1875 e 1879, que representa uma cena de guerra do primeiro confronto da Batalha dos Guararapes, ocorrida no século XVII na Capitania de Pernambuco, que culminou com a expulsão dos invasores holandeses das terras brasileiras.
A tela foi
pintada pelo artista plástico e professor de pintura histórica brasileiro
Victor Meirelles, e a cena representa a vitória das tropas brasileiras contra
as holandesas, em 19 de abril de 1648, no primeiro dos dois confrontos
ocorridos naquela batalha, travada na região do Morro dos Guararapes. O segundo
confronto seria travado meses depois, no mesmo local, em 19 de fevereiro de
1649, levando à expulsão definitiva das tropas holandesas da colônia, que só
ocorreria em janeiro de 1654, com a assinatura da sua capitulação.
Inicialmente,
a pintura sobre a batalha teria sido designada ao pintor paraibano Pedro
Américo, encomendada pelo ministro do Império João Alfredo Correia de Oliveira.
Aceita a proposta, o pintor foi à Itália e recolheu-se no Convento della
Santíssima Annunziata de Florença para iniciar a obra. Pedro Américo desistiu
de pintar a batalha encomendada, e decidiu fazer uma tela retratando a Guerra
do Paraguai, que se chamaria ‘Batalha do Avaí’. Com a desistência, o ministro
transferiu a encomenda a Victor Meirelles, em 1872.
A obra de
Meirelles é uma das pinturas históricas que mais circularam no Brasil,
juntamente com telas como Primeira Missa no Brasil, também de sua autoria e
Independência ou Morte, de Pedro Américo. Foi apresentada na 25.ª Exposição
Geral da Academia Imperial de Belas Artes em 1879, no Rio de Janeiro, para
cerca de trezentos mil visitantes. Havia também na exposição, obras de Pedro
Américo, como a Batalha do Avaí, ambas representando episódios vitoriosos da ‘história
militar nacional’. A exposição, que a princípio destacava as qualidades das
obras, dispostas lado a lado, passou a ficar marcada por um clima de rivalidade
entre os autores, instigados pelas opiniões da imprensa.
Essa batalha
também tem como particularidade ser o primeiro momento de comunhão nacional da
história brasileira, no que se refere à defesa do território contra os
invasores. Representa a união do povo brasileiro em prol de um sentimento
nacional. Essa interpretação sobre a invasão holandesa foi construída no século
XIX, embasada na produção historiográfica do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), criando-se a ‘memória visual da nação’.
As frequentes invasões holandesas e
estrangeiras em geral, ocasionavam um laço nacional que unia as três etnias que
formavam a sociedade da colônia na época, alinhando brancos europeus
(portugueses), índios e negros, em um objetivo comum: a expulsão dos holandeses
não só daquela região, que mais tarde seria denominada Nordeste do Brasil, mas
também de todo o território da ainda colônia de Portugal. Foi um acontecimento
historicamente importante a ser retratado e que seria, mais de 170 anos depois,
uma das mais fortes inspirações para a formação do Exército Brasileiro.
Obra, composição
Na tela, centralizado
e em destaque, vê-se André Vidal de Negreiros, mestre de campo do Exército
português, brandindo sua espada, montado num cavalo marrom e branco que empina
no momento captado pelo artista, deixando sua imagem mais alta do que qualquer
outra. Ao mesmo tempo, o mestre traça um golpe com sua espada contra o coronel
holandês Keeweer, que o olha atordoado, caído no chão. Este é o ponto
nevrálgico da cena.
Ao redor do
conteúdo central, muitos guerreiros com várias lanças, bandeiras e espadas se
enfrentam, tendo uma concentração de homens ao redor do afrontamento dos dois
chefes. A batalha está sendo vencida pelo exército português que se dispõe do
lado esquerdo do quadro, tendo ao lado direito, vários holandeses mortos,
feridos ao chão, e outros ainda em pleno duelo, com seus corpos inclinados para
frente, o que dirige o olhar do observador. Próximo ao coronel golpeado, estão
guerreiros que o protegem do mestre português, acobertando-o como numa
barricada e apontando suas armas para o inimigo. O cavalo branco do coronel
holandês encontra-se ferido ao chão. Meirelles também representa as estratégias
militares utilizadas e, dessa forma, expõe os guerreiros holandeses, que se dispunham
em várias faixas humanas, criando-se fases do exército.
Logo atrás
de André Vidal, avista-se o comandante da tropa, Barreto de Menezes, também
montado a cavalo, mostrando sua espada e que vai à captura do governador dos
holandeses, Sigismund von Schkopp. Do lado direito, alguns guerreiros mais
afastados do caos da batalha ao centro, observam e comentam a cena.
Os
holandeses, assim como os portugueses, todos de pele branca, vestem roupas
coloridas, de tons diversos: vermelho, verde, amarelo, azul, laranja, marrom,
cinza, preto, e branco, cores que chamam atenção em suas roupas de tecidos
grossos, vistosas, detalhadas, com penas, cinturões, acabamentos, botas de
couro. Também usam armaduras de ferro e possuem numerosos equipamentos como escudos,
lanças e espadas, estas últimas apontadas contra o inimigo. O exército
português é composto por portugueses de pele branca e de alguns índios e negros
os quais são mal representados, vestem roupas simples, alguns até estão sem
armaduras. Os brancos possuem cavalos, e os de pele escura lutam todos no chão.
Ao lado
esquerdo, em direção às terras do cenário, avista-se um grupo de soldados
portugueses a cavalo em segundo plano, aproximando-se ferozmente da zona de
combate. Estes são retratados com cores mais apagadas que se misturam com a
vegetação e uma poeira envolvente.
No lado
inferior da tela, ao chão de terra batida com algumas manchas de sangue, estão
vários homens feridos, mortos, jogados entre alguns galhos secos, armas e peças
de roupas abandonadas. Outros, também ao chão, observam e se protegem da
batalha, acuados. Todo o caos e movimentação da cena faz levantar uma poeira
produzida pelo chão de terra, que envolve todo o quadro causando um efeito de
moldura de penumbra.
Filipe Camarão
e Henrique Dias ocupam as laterais da tela, direita e esquerda respectivamente.
Os grupos de guerreiros aos poucos desaparecem em direção ao espaço aberto, no
fundo. Eles são representados de tamanho menor e com cores neutras o que gera
um efeito visual de profundidade e grandeza da batalha, como se pelo
enquadramento utilizado não fosse possível retratar o tamanho da batalha em si,
mas um recorte específico: o golpe do português Vidal de Negreiros contra o
holandês Keeweer.
O encontro
dos exércitos se dá em primeiro plano, no Morro dos Guararapes, local com
árvores altas, um chão plano terroso, largo. A paisagem ocupa o canto esquerdo
superior da tela com um imenso céu azul que carrega nuvens e compõe juntamente
com a poeira cinza.
Meirelles
compõe a topografia da região e insere ao fundo, em terceiro plano, o Cabo de
Santo Agostinho, local que representa o motivo do confronto entre os dois
grupos. Nesse plano mais distante, é usada uma técnica de profundidade, com a
utilização de uma paleta de cores apagadas, a cor branca e pouca nitidez, ao
contrário do centro e dos primeiros planos do quadro onde há mais nitidez e
cores vivas. Nota-se uma natureza composta por várias espécies de árvores, e o
fluxo do mar em direção ao horizonte montanhoso
A linguagem
utilizada por Meirelles é clara, e procura ser fiel ao acontecimento e ao
local, tem a intenção de resgatar o espírito de uma época a partir de seus
vestígios, já que as pinturas de batalhas tornaram-se, nessa época, formas de
documentar as explorações reais, e de registrá-las como um testemunho ocular.
O realismo
artístico a partir do século XIX torna-se uma característica fundamental nas
obras, notadamente na pintura histórica. A capacidade de captar o ‘real’ passa
a se sobrepor à função didática, embora não completamente.
Os temas
voltados para a história nacional passam a ser uma constante, substituindo
gradualmente o interesse pela temática religiosa, havendo uma maior necessidade
de se consultar fontes que ajudassem a compor a obra o mais fielmente possível,
dentro de seu contexto histórico.
O Autor
Victor Meirelles por volta de 1900. Autor: Pedro Peres |
Victor
Meirelles (1832 – 1903) era natural de Nossa Senhora do Desterro (atual
Florianópolis), na então Província de Santa Catarina.
Aos seis
anos de idade inicia seus estudos artísticos e aos quinze, muda-se para o Rio
de Janeiro, então capital do Império, para estudar na Academia Imperial de
Belas Artes (AIBA), especializando-se em pintura histórica.
Aperfeiçoou-se
na Europa, estudando em Roma e Paris durante sete anos, tendo produzido nesta
última cidade, o seu quadro Primeira Missa no Brasil, considerado pela crítica
a primeira grande obra de arte brasileira.
Retorna ao Brasil
em 1861 e, no ano seguinte, é nomeado professor de pintura histórica na AIBA.
Antes da obra ‘Batalha dos Guararapes’, Meirelles já havia pintado temas
indianistas como ‘’Moema’, em 1866 e outros episódios históricos de batalhas,
como ‘Passagem de Humaitá’ e ‘Batalha do Riachuelo’, entre 1869 e 1872.
Em 1885,
funda uma empresa para produção de imagens panorâmicas do Rio de Janeiro e a
partir de então passa a se dedicar a este estilo de pintura. Com a
reestruturação da AIBA, depois da Proclamação da República em 1889, Meirelles é
exonerado do cargo de professor e passa por um período de ‘marginalização’, por
ter sido o artista oficial do período monárquico. No entanto, deixou um legado
considerado importante pela crítica para vários artistas da segunda metade do século
XIX, depois de quase trinta anos como professor. Lamentando que suas obras
tenham sido esquecidas, passa a realizar exposições públicas de suas pinturas
panorâmicas para se manter até a sua morte, poucos anos depois.
Fonte: WP
(JA, Ago18)
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