Mostrando postagens com marcador ESCULTOR. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ESCULTOR. Mostrar todas as postagens

domingo, 1 de dezembro de 2019

Franz Weissmann: o Vazio como Forma






O escultor, pintor e desenhista Franz Weissmann, 1911-2005, ganha uma exposição de três andares no Itaú Cultural. Com curadoria de Felipe Scovino, ‘Franz Weissmann: o Vazio como Forma’ traz um olhar panorâmico sobre a produção do artista, apresentando várias fases de sua criação, e abrange, além de esculturas, 50 desenhos inéditos. Como diz o texto curatorial, a mostra ‘é um passeio por tamanhos, formas e cores’.


Franz Joseph Weissmann (Knittelfeld, Áustria 1911 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005)



Escultor, desenhista, pintor e professor. Por meio da aplicação de técnicas do figurativismo e do construtivismo – movimento do qual foi um dos precursores no Brasil –, consolida-se como importante criador de esculturas em espaços públicos do país. Sua obra tem como traços característicos os contornos de espaços vazados e a valorização das formas geométricas.

Após chegar ao Brasil em 1921, a família de Weissmann se estabelece, inicialmente, no interior de São Paulo. Em 1927, ele se muda para a capital do estado, onde leciona português a estrangeiros e entra em contato com as artes plásticas em visitas a exposições.

Em 1929, a família se transfere para o Rio de Janeiro e ele começa a frequentar o curso preparatório para a Escola Politécnica. Decide ingressar na Escola Nacional de Belas Artes (Enba) em 1939.

Franz Weissmann frequenta a Escola de Belas Artes durante dois anos, passa pelos cursos de arquitetura, pintura, desenho e escultura, mas não se adapta ao ensino acadêmico, e acaba expulso por não se alinhar com as práticas da instituição. ‘Academia é academia, você tem que copiar’, comenta. ‘Eu não sabia copiar, então [o diretor] me expulsou e escondeu os meus trabalhos para não corromper os alunos’, lembra o artista, que, depois disso, envereda pela escultura e se torna um dos grandes nomes do movimento neoconcreto.

Atraído pela tridimensionalidade e pela possibilidade de criar espaços, ocupados ou vazios, Weissmann se dedica à criação de suas esculturas geométricas, de formas econômicas e cores fortes. ‘Eu até cheguei a pintar e furava a tela para procurar um outro espaço. Acharam um absurdo, mas eu tive a necessidade de criar o terceiro espaço, que a pintura não me deu’, conta. Para Weissmann, as obras de arte devem estar acessíveis, ocupando espaços na cidade e mantendo um diálogo direto com o público
.
De 1942 a 1944, estuda desenho, escultura, modelagem e fundição no ateliê do escultor polonês August Zamoyski, 1893-1970, com quem aprende as técnicas tradicionais do campo.

Entre o fim de 1944 e o início de 1945, como forma de ‘retiro voluntário’ para se libertar ‘do peso acadêmico’, Weissmann transfere-se para Belo Horizonte, cidade onde seu irmão, Karl, residia desde 1932. Na capital mineira, ele ministra aulas particulares de desenho e escultura, bem como continua com trabalhos que seguem a linha figurativa, os quais tendem a uma crescente simplificação.
Em 1946, é convidado a realizar uma exposição, a sua primeira individual, no diretório dos estudantes da Enba, no Rio de Janeiro.

Dois anos depois, a convite de Guignard, 1896-1962, começa a dar aulas de modelo vivo, modelagem e escultura na primeiro escola de arte moderna de Belo Horizonte, a Escola do Parque – a qual, posteriormente receberia o nome de Escola Guignard –, onde permaneceu até 1956. Entre seus alunos, contam-se Amilcar de Castro, 1920-2002, Farnese de Andrade, 1926-1996 e Mary Vieira, 1927-2001.




Numa busca pela essência da figura, o artista realiza esculturas com formas cada vez mais geometrizantes, nas quais o espaço vazado já aparece como um elemento definidor. No decorrer da carreira, o ‘vazio ativo’ – como o artista costuma chamar tais espaços –, torna-se uma obsessão. É do jogo entre o plano e as suas articulações com o elemento vazado que nasce a tridimensionalidade aberta para o mundo das esculturas de Weissmann.

A partir da década de 1950, ele começa a abandonar o estilo figurativo ao passo que, gradualmente, elabora um trabalho de cunho construtivista, com a valorização das formas geométricas e a submissão delas a recortes e dobraduras, por meio do uso de chapas de ferro, fios de aço, alumínio em verga ou folha. As primeiras experiências construtivistas, determinantes para o desenvolvimento e a consolidação dessa estética no Brasil, culminam na obra Cubo Vazado (1951), um dos marcos iniciais do estilo.




Em 1954, Weissmann vence diversos concursos de projetos para esculturas em espaços públicos. Destes, apenas o Monumento à Liberdade de Expressão do Pensamento, encomendado pela Associação das Emissoras de São Paulo, com patrocínio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), é edificado na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. O monumento, no entanto, é destruído em 1962, em virtude de ‘reformas urbanísticas’ no local onde se encontrava.

Ainda nos anos 1950, de volta ao Rio de Janeiro, ele integra o Grupo Frente, importante referência do construtivismo no Brasil, formado por artistas como Ivan Serpa, 1923-1973, Lygia Clark, 1920-1988, Décio Vieira, 1922-1988, e Aluísio Carvão, 1920-2001. Nesse período, ele realiza experiências com fios de aço, na série de ‘esculturas lineares’, e com as formas modulares, procedimentos que eliminam qualquer tipo de base para as esculturas.

Em 1957, a polícia mineira resolve transformar o ateliê que ele mantinha no subsolo da Escola do Parque Municipal em uma penitenciária. Sem que o artista estivesse presente no momento, todos os estudos feitos durante os anos em Belo Horizonte foram jogados fora. Com isso, quase todo o trabalho das décadas de 1940 e 1950 é destruído.

Após participação na Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1957, ele recebe o prêmio de viagem ao exterior com a obra Torre no 8º Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM), em 1958. No ano seguinte, junto a outros artistas, funda o Grupo Neoconcreto e assina o Manifesto Neoconcreto. No mesmo ano, depois de uma viagem com a família pelo  Extremo Oriente  – em razão do interesse em conhecer melhor a filosofia oriental –, estabelece-se na Europa, onde fica até o final de 1964. 




Os trabalhos realizados nesse período, conhecidos como amassados, abandonam momentaneamente a construção geométrica, o que é apontado pelos críticos como um ‘interregno expressivo’ em sua pesquisa, quando a preocupação com a materialidade toma o primeiro plano. Um exemplo é a série Amassados, elaborada com chapas de zinco ou alumínio trabalhadas a martelo, porrete e instrumentos cortantes, alinhando-se temporariamente ao informalismo.


Praça da Sé – São Paulo


Volta ao Brasil em 1965, momento em que retoma a aproximação com as vertentes construtivistas e reinicia as suas experimentações com formas geométricas e modulares. Em 1967, ele apresenta Arapuca na 9ª Bienal Internacional de São Paulo, peça na qual a cor, como elemento determinante do espaço da escultura, se faz presente pela primeira vez. A partir de então, serão raras as esculturas sem aplicação de cor.

Nos anos de 1970, recebe o prêmio de melhor escultor da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), participa da Bienal Internacional de Escultura ao Ar Livre – em Antuérpia, Bélgica – e da Bienal de Veneza. Ao longo do tempo, mantém-se fiel ao seu processo de criação, sobretudo o trabalho direto com o material e a manufatura de modelos com cortes e dobraduras, os quais são posteriormente ampliados numa metalúrgica.

Ao priorizar a exploração dos limites da forma e a realização de esculturas que dialogam com o público, Franz Weissmann torna-se um importante personagem do movimento construtivista no Brasil.








Franz Weissmann: o Vazio como Forma
Itaú Cultural - Avenida Paulista 149 São Paulo SP 01311 000 [estação Brigadeiro do metrô] Fone: 11 2168 1777
De 27/11 a 09/02/2020




(JA, Dez19)
,

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Mostras revestem de caráter político a obra geométrica de Rubem Valentim


Pintor que usava elementos de religiões afro-brasileiras ganha individuais na Caixa e no Masp

Nomear o caráter combativo e resgatar a negritude da obra de Rubem Valentim é o que propõe uma retrospectiva do pintor e escultor aberta no sábado (6) na Caixa Cultural, em São Paulo. Objetivo parecido tem também o Museu de Arte de São Paulo (Masp), que inaugura mostra semelhante dentro de um mês —‘Rubem Valentim: Construções Afro-atlânticas’ - abre em 13 de novembro.
​‘O que o Rubem Valentim coloca é o seguinte: se não entendermos atos de violência, continuamos a perpetuar essa violência como se não fôssemos violentos. Matar a Marielle Franco e depois quebrar a placa dela, como aqueles dois fascistas fizeram, são frutos de uma sociedade que não quer reconhecer a sua própria violência’, diz Marcus Lontra, curador da mostra na Caixa. ‘Reconhecer a violência é o primeiro passo para que possamos eliminá-la. Não vejo no Rubem uma obra de acomodação, ao contrário, vejo nele uma obra de virulência, de resistência’, completa.
As duas exposições adicionam uma camada de leitura politizada à obra de um artista, negro e baiano, durante décadas visto pela crítica sobretudo pela beleza formal de suas telas com sequências de elementos geométricos.
Ao tomar tal atitude, o circuito da arte paulistana, tradicionalmente marcado pela presença de artistas brancos de ascendência europeia tanto nos acervos quanto nas galerias expositivas, faz uma espécie de mea-culpa, como que para reparar uma injustiça.
‘Construção e Fé’, na Caixa Cultural da Sé, é uma versão com mais obras da mesma mostra que esteve em cartaz em Brasília, no ano passado. São cerca de 70 trabalhos abrangendo três décadas da produção do artista, tido como um dos mais importantes concretistas brasileiros.

' Emblemágico 80', 1980


‘Variação 1’, 1987

'Emblema 79', 1979 

  'Composition 12’, 1962

       
                                                              

'Emblema 85', 1985


'Emblema’, 1978


 ‘Objeto Emblemático 6’, 1969  
‘Objeto Emblemático 9', 1969

                        
                         

'Poema Visual', 1984


Nascido em 1922 em Salvador, Valentim cursou jornalismo e aprendeu a pintar de maneira autodidata. Passou por uma fase figurativa e, no meio da década de 1950, voltou-se para seus ancestrais africanos, cultura na qual encontraria as características que norteariam suas pinceladas até o final da vida, em 1991.
Suas telas e esculturas sintetizam em formas geométricas emprestadas do abstracionismo europeu símbolos do candomblé e da umbanda: a flecha de Oxóssi, orixá da caça; a haste de seis pontas de Ossain, divindade da cura; e o machado duplo de Xangô, deus da justiça. São quadros com linhas horizontais e verticais, triângulos, círculos e quadrados combinados de diversas maneiras.
À esta geometria, adiciona elementos cristãos provenientes tanto de sua família quanto de sua criação na Bahia, a exemplo do cálice de Santo Graal. A paleta de cores é quase sempre forte: amarelos quentes, pretos muito escuros, azuis profundos.
O resultado é uma obra de sincretismo religioso que, se por um lado foi muito celebrada em função de sua originalidade e apuro estético, por outro passa a ser enxergada pelo meio com lentes de 2018.
‘A ideia do sincretismo é muito bonita, mas é fruto de um ato de violência. O sincretismo existe como uma estratégia em que os negros foram agredidos porque não podiam manifestar os seus cultos’, explica Lontra, da Caixa.
O Masp, por sua vez, levará para suas galerias um conjunto de 92 obras —80 pinturas e 12 esculturas—, de um período que vai de 1955 a 1978, ano seguinte à participação do artista na 16ª Bienal de São Paulo. Parte destas esculturas esteve na exposição na Caixa Cultural de Brasília, no ano passado.
O curador do Masp, Fernando Oliva, diz que a ideia é apresentar uma ‘síntese do artista total’, ou seja, o Valentim construtivo e o que frequentava terreiros quando criança.
‘Rubem Valentim: Construções Afro-atlânticas’, é parte do eixo curatorial do Masp em 2018. O museu apresenta este ano uma sequência de exposições em torno de questões levantadas pela escravidão —que traficou 5,5 milhões de africanos para o Brasil.
A simultaneidade das duas mostras não é por acaso: elas ocorrem em um momento de valorização de obras que lidam com questões raciais, movimento que vem se desenhando há alguns anos, desde que o mineiro Paulo Nazareth despontou com suas instalações e performances.
O reconhecimento de artistas negros pelas instituições —a exemplo das gravuras do brasiliense Josafá Naves, também em cartaz na Caixa Cultural de São Paulo, e da mineira Sonia Gomes, que expõe agora suas esculturas de tecido no MAC de Niterói —, se traduz em um interesse maior por parte dos colecionadores.
Segundo a galerista Berenice Arvani, que emprestou obras de Valentim para ambas as mostras, os preços de seus quadros saltaram de R$ 10 mil, na primeira metade dos anos 2000, para mais de R$ 450 mil cobrados atualmente.
Este é o valor base de uma tela da fase em que o pintor morou em Roma, entre 1963 e 1966, considerada uma das suas melhores.

Rubem Valentim: Construção e Fé
Quando até 16 de dezembro
Onde Caixa Cultural - Praça da Sé, 111
Preço Grátis
Classificação Livre


Rubem Valentim: Construções Afro-Atlânticas
Quando De 14 de nov. a 10 mar. de 2019
Onde Masp - avenida Paulista, 1.578
Preço R$35 (R$ 17 meia). Grátis às terças


Fonte: João Perassolo    |    FSP


(JA, Out18)

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Mostra em Nova York traça retrato íntimo de Michelangelo


Vermelho talvez seja a cor mais lembrada pelos que saem da mostra de Michelangelo agora no Metropolitan. Não um vermelho vivo, mas o tom opaco do giz, algo entre a carne e o mármore. Seus anjos, homens e monstros tomam forma aos poucos, em traços vaporosos, nos mais de cem desenhos dessa exposição.

Em grande parte estudos e esboços, essas obras reunidas até o mês que vem, em Nova York, revelam os métodos e a arquitetura secreta por trás dos trabalhos de um dos maiores artistas da história.
Suas figuras ali mudam de posição e escala -montanhas de músculos sobre a folha de papel que lembram às vezes deslizamentos de terra quando o artista mudava de ideia sobre seus contornos e não apagava versões anteriores.
Nesse sentido, estar diante desses trabalhos é como observar o mestre renascentista em seu ateliê, uma intimidade reforçada pela escala das obras. Esses pequenos desenhos ficam quase na penumbra –frágeis demais para aguentar um holofote– e exigem que os espectadores cheguem muito perto deles.
É esse contato com os mínimos detalhes que acaba revelando a monumentalidade de sua obra. Morto aos 88, em 1564, Michelangelo atravessou um momento de transformação na história da arte em que o desenho e a perspectiva se tornavam os alicerces inabaláveis de um universo retratado à base da fricção entre a anatomia e a geometria.
Escultor, arquiteto e anatomista, Michelangelo trabalhava sobre a folha de papel como quem construía um mundo real e físico, os traços como linhas mestras de algo que poderia ter vida própria.
E essa mostra deslumbrante do Metropolitan revela os momentos em que as figuras deixam de ser abstrações ou coisas mentais para respirar pela primeira vez –músculo por músculo, fibra por fibra.
Em sequências quase cinematográficas, em que um traço se sobrepõe a outro até as linhas tomarem corpo em esboço atrás de esboço, surgem figuras como o Adão do teto da Capela Sistina, um jovem arqueiro, os soldados amontoados da batalha de Cascina e coleções de braços, pernas, mãos, pés e olhos, como um catálogo de corpos infinitos.
Michelangelo, que desenhava seus homens começando pelas pernas fortes como colunas de sustentação de um templo, não escondeu o desejo que sentia pelo corpo masculino, um encanto por formas e volumes robustos que frequentam sua obra dos primórdios até o fim.
O número estonteante desses desenhos reforça essa impressão, mas outra ala belíssima da mostra, onde estão retratos de alguns dos homens pelos quais Michelangelo se apaixonou, revela como o artista também se deixou levar por emoções e sentimentos que vão além de um estudo anatômico cerebral.

Seu retrato do jovem aristocrata Andrea Quaratesi, que parece olhar para o artista que o desenha, é de uma força sublime. Em vez de músculos, é um rosto delicado, de espontaneidade chocante, que domina o quadro.
Toda a dureza arquitetônica de Michelangelo se dissolve nesses retratos ao mesmo tempo firmes e reticentes, como se fosse mais fácil desenhar deuses musculosos em torções dramáticas do que fixar o poder desarmado do olhar desses jovens amantes.
Tanto que em seus esboços quase nunca aparecem rostos. Enquanto pernas, braços, costas e peitorais têm contornos nítidos, nunca há uma face que possa dizer seu nome. É como se Michelangelo estivesse mais à vontade com a pedra do que com a carne que tentava imitar no mármore.


MICHELANGELO
QUANDO de dom. a qui., 10h às 17h30; sex. e sáb., 10h às 21h; até 12/2
ONDE Metropolitan, 1.000 5th Ave., Nova York; informações em www.metmuseum.org
QUANTO US$ 25 (ou R$ 78,50)
AVALIAÇÃO ótimo


Texto: Silas Marti
Imagens:   ‘Retrato de Andrea Quaratesi’, esboço concluído em 1534 por Michelangelo
                  ‘Punição de Tício’
                  ‘Estudos para a Sibila Líbia no Teto da Capela Sistina’



(JA, Jan18)