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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

O Copo Do Brasil: A História Do ‘Copo Americano’






Em  outubro passado,  uma das maiores tradições do nosso país comemorou 70 anos de vida. Trata-se do famosíssimo copo desenhado por Nadir Figueiredo, o ‘copo americano’, ideia nascida e cultivada na cidade de São Paulo.

Seu design foi idealizado pensando em um produto difícil de ser quebrado, fácil de segurar e que fosse barato. A ideia deu certo e, com certeza, não há no país uma padaria, bar ou restaurante que não use esse tipo de utensílio.

A capacidade oficial é de 190 mililitros, mas a Nadir Figueiredo já produz outros tamanhos do ícone. No site da empresa, além do tradicional, encontramos copos americanos de 40 mililitros, de 300 e até de 450 mililitros, bom pra quem gosta de doses generosas de cerveja, mas não abre mão do formato confortável do copo. O copo americano é considerado também um símbolo do design nacional. Em 2009, foi exposto no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, entre outros setenta produtos que representavam o estilo de vida dos brasileiros.

Mas e a história?

Antes de falarmos do copo, vale fazer um resumo da história da Nadir Figueiredo. Ela existe há 105, completados em 2017, e sempre foi 100% brasileira. Começou, em 1912, no Cambuci e, em 1935, mudou-se para o Belém. Anos depois, em 1946, foi para a Vila Maria, berço do copo americano. Atualmente, a fábrica é em Suzano, na Grande São Paulo.

O copo foi concebido pelo próprio Nadir Dias de Figueiredo (1891-1983), cofundador da empresa, que pensou em criar um produto multiuso e de baixo custo. O nome ‘americano’ fazia alusão ao maquinário usado para produzir as primeiras unidades, importado dos Estados Unidos. Hoje, no entanto, as máquinas são brasileiras. É importante dizer que, desde sua criação, há setenta anos, foram produzidos mais de 6 bilhões de copos americanos

Nos anos 90 este ícone foi eleito o melhor copo para se tomar cerveja do Brasil. O copo se tornou parte integrante do dia a dia dos brasileiros que passou a ser utilizado como padrão de medida para receitas, bolos, soro caseiro, e até medida de sabão em pó.

A evolução da produção do copo reflete o desenvolvimento da empresa ao longo dos 100 anos de vida. Em 1947, a empresa produzia 2 copos por minuto; em 1965 esse número saltou para 60 copos por minuto, e assim, sucessivamente, até atingir a atual marca de 480 copos por minuto.

Vendido a aproximadamente R$ 1 real em supermercados, atacadistas e distribuidores, o copo já se tornou item indispensável para servir um bom ‘pingado’, uma dose de cachaça ou uma cerveja bem gelada. No mercado de atacadistas é conhecido simplesmente por ‘copo’ ou ‘2010’, que é o seu código de referência interna na Nadir Figueiredo.

Curiosidades

– Fabricado com exclusividade pela Nadir Figueiredo, é o copo mais vendido no país. Em 2010 atingiu a estratosférica cifra de 6.000.000.000 de unidades produzidas, que pesariam um total de 630 milhões de toneladas, que enfileiradas chegariam a 402 mil km, ou 10 voltas na Terra;

– São encontrados em todos os cantos do Brasil, de norte a sul, leste a oeste. Estão nas casas, padarias, botecos, bares e restaurantes por serem bonitos, versáteis e práticos;

– Nas cozinhas, servindo de medidor de ingredientes, tornam-se companheiros inseparáveis de quem elabora receitas gourmets. É referência em saúde pública quando se fala em soro caseiro;

– Suas linhas simples e elegantes chamaram a atenção de observadores atentos que o elegeram como um dos itens mais representativo do design brasileiro. Daí para o mundo foi um pulo. Há vários anos integrou a coleção de objetos de design do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York;

– Artistas plásticos e designers estão sempre inventando obras que utilizam o copo americano. Luminárias, vasos, esculturas que tem o copo como elemento ou suporte são apresentados constantemente em mostras e exposições.



Fonte: Abrahão De Oliveira   |  SP em Foco


(JA, Fev19)


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

MoMA expõe obras de Tarsila do Amaral nos anos 1920



Primeira mostra da artista nos EUA é parte de movimento por esquadrinhar raízes do moderno

                                                        ‘A Negra’, 1923

Ela quase transborda do quadro, os dedos dos pés e o alto da cabeça roçando os limites da pintura. O seio enorme, que pende sobre os braços cruzados, e os lábios carnudos fazem dessa figura despida uma mulher superlativa, com ar de fera enjaulada ou mucama violentada.
Tarsila do Amaral pintou ‘A Negra’ há quase um século, em Paris, num momento em que os modernistas ali ousavam deformar o retrato da realidade buscando seus modelos na chamada arte primitiva das máscaras africanas.
Mas essa figura meio animalesca, de traços superexagerados, nunca foi uma abstração. O retrato real de uma escrava da velha fazenda da família da artista no interior paulista serviu de base visual para essa tela que agora encara uma plateia novíssima.
No segundo andar do MoMA, em Nova York, sua ama de leite diante de uma folha de bananeira é o abre-alas de uma das mostras mais aguardadas na onda de revisão do repertório moderno de uma instituição que tenta esquadrinhar os limites dessa vanguarda desde que apareceu.
E Tarsila em Manhattan, na primeira mostra da artista nos Estados Unidos, responde pela vertente mais exuberante de uma narrativa esgarçada da modernidade.

                                                             ‘Abopuru’, 1928

O estranho poder de fogo de sua pintura se revela de uma tacada só nas duas galerias dessa mostra ao mesmo tempo enxuta e potente --de um canto, é possível observar ‘A Negra’, ‘Abaporu’ e ‘Antropofagia’ em série, os três trabalhos quase nunca reunidos que viraram os alicerces da iconografia brasileira construída pela artista.
Também estão lá algumas de suas paisagens mais surreais e desconcertantes, como ‘Sol Poente’, ‘Floresta’ e ‘Cartão-Postal’, todos delírios visuais da mesma década de 1920 em que árvores e flores ganham contornos roliços em degradês tecnicolor.
Luis Pérez-Oramas, o crítico venezuelano que organiza essa exposição seis anos depois de comandar uma edição marcante da Bienal de São Paulo, comenta que Tarsila, morta aos 86, em 1973, passou a vida arquitetando contrastes entre 'a carne da natureza e a carne humana'.
                                                           ‘Antropofagia’, 1928

Era, no caso, a carne ainda indigesta de ‘A Negra’ e do ‘Abaporu’, a escrava e o canibal que aparecem juntos em ‘Antropofagia’, espécie de apoteose de uma série que retrata o entrelaçamento de instintos feéricos e ilustrados.
MENTE E CORPO
Tarsila, que estudou em Paris com Fernand Léger e ainda viu de perto o auge do cubismo e do surrealismo, nesse ponto parecia romper com a crença dos europeus numa separação estanque entre mente e corpo, o que fez de sua obra a maior tradução visual do pensamento do marido Oswald de Andrade e seu "Manifesto Antropófago".
Mesmo selvagens na superfície, os quadros de Tarsila não negam uma matriz europeia. Bem à moda antropofágica, figuras como o ‘Abaporu’, espécie de porta-estandarte da filosofia oswaldiana, reinventam o repertório gestual de telas clássicas.
Seu homem nu de pernas descomunais descansa a cabeça sobre o punho no mesmo gesto de abandono, preguiça e tristeza de ‘Melancolia’, autorretrato do alemão Albrecht Dürer do século 16, e da jovem nua no centro de ‘Almoço na Relva’, a obra-prima de Manet, do século 19.
Nem mesmo a aparente volúpia abrutalhada de ‘A Negra’ escapa a essas raízes.
Na visão de Stephanie d'Alessandro, também à frente da exposição, o retrato da mucama, capaz de ofender a sensibilidade aflorada dos americanos em tempos de debate racial acirrado, canaliza a pose dos banhistas lânguidos e erotizados de Cézanne.
                                                         Tarsila do Amaral – auto retrato, 1923

Mas, se Tarsila foi uma espécie de herdeira intranquila e rebelde da tradição europeia, ela também foi o ponto de partida para a outra ponta da modernidade brasileira, que ganhou corpo umas quatro décadas depois do auge de sua fase antropofágica.
‘Ela foi a mãe da arte moderna no Brasil’, diz a curadora. ‘É a artista que todos foram investigar mais tarde porque descobriu uma nova linguagem que vai além de um meio-termo entre a arte da Europa e visões do Brasil’.
Os contornos e as cores resplandecentes de suas pinturas mais carnavalescas, de corpos transbordantes e paisagens quase lisérgicas, de fato ressurgem nos trabalhos de neoconcretistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark, outros dois brasileiros alvos de mostras recentes no MoMA, e na tropicália de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Mutantes.
‘Seus quadros falam de uma realidade que transborda dos limites da representação’, afirma Pérez-Oramas.
‘Tarsila misturou arte moderna com aquilo que a burguesia brasileira de sua época achava desprezível. E isso começou com 'A Negra'. No centro da modernidade brasileira, há um sujeito subordinado, que é negro e mulher. Ela seria a mãe de todos nós’.


Texto: Silas Marti NY    |    FSP



(JA, Fev18)