domingo, 6 de setembro de 2020

Arte Naif

 

Henri Rousseau, 1844-1910    -^-  Jardins do Luxemburgo (Luxembourg-Gardens), 1909

 

Se traduzirmos ao pé da letra, naif em francês significa ingênuo, inocente. E esses adjetivos muito revelam sobre essa arte. Para entendermos o contexto das criações, um pouco de história: o termo Arte Naif foi empregado pela primeira vez no virar do século 19, para identificar a obra de Henri Rousseau.

Nessa época, a Europa vivia a realidade gerada pela Revolução Industrial. Novos produtos eram produzidos em maior quantidade, de forma mais rápida e com melhor qualidade.

Grandes populações migravam da área rural para as periferias dos grandes centros urbanos, como Londres na Inglaterra, e Paris na França. Essas pessoas iam em busca de trabalho e melhores condições de vida, algumas migravam para ainda mais longe, indo para as ex-colônias nas Américas. 

Com novos materiais produzidos pela indústria, as técnicas tiveram que evoluir também. Era cada vez mais comum que os pintores utilizassem a tela como suporte, e não mais a antiga tábua de madeira, e até as tintas eram fabricadas - não sendo mais necessário que o artista produzisse a sua tinta de forma artesanal, como era costume até pouco tempo antes. 

A chamada ‘Arte Acadêmica’ chega ao seu auge de perfeição, o que  permite ao artista transferir para a tela a realidade que vê. Agora consegue produzir mais rápido, pois tem seu material pronto e facilmente disponível para a compra. 

Por volta de 1860, a arte ocidental dá sinais de uma crise, pois surgem as primeiras câmeras fotográficas, que pintava com a luz, e, em pouco tempo, cai no gosto da elite, e depois do povo.

Contratar um artista para pintar um retrato, ou uma paisagem passou a não ser tão necessário. A pintura teria que se renovar,  buscar novos resultados.

Surge então o movimento mais popular da história da pintura, o movimento dos pintores Impressionistas, que passaram a pintar, não apenas a realidade que as pessoas viam, mas a impressão que o artista tinha da realidade e das cores.

Dentro dessa linha, os artistas que se definiam como naif, não tinham a obrigação de utilizar técnicas elaboradas, e abordagens temáticas e cromáticas convencionais. Logo, tal escola se caracterizou pela simplicidade, e pela liberdade que o autor tinha para relacionar elementos considerados formais, como a inexistência de perspectiva e a irrealidade dos fatos.

Outro ponto marcante nesse tipo de arte foi o uso de cores fortes e chocantes. A arte naif exprime alegria, felicidade, espontaneidade e imaginários complexos. 

Por algum tempo as pessoas continuaram a procurar os artistas para pintar retratos e paisagens, pois, de início, a fotografia não tinha cor. Mas, logo surgiram alguns fotógrafos que pintavam partes das fotos, para torná-las mais realistas. Todos sabiam que não demoraria muito para o surgimento da fotografia colorida. 

Os organizadores dos Salões de Arte Oficial de Paris não tinham a visão da evolução natural que estava acontecendo, e selecionavam as obras com critérios já estabelecidos e estáticos.

Formar um movimento paralelo foi inevitável. O movimento de arte Impressionista escandalizou a Paris da Belle époque, 1871-1914, pelos temas e pela pintura.

O terreno estava pronto para que a arte desse mais um passo, para o movimento dos artistas independentes, chamados de Pós- Impressionistas, que viria a seguir.  Por volta de 1884, pintores franceses como George Seurat e Paul Sinac, com apoio de outros artistas, fundaram o Grupo dos Independentes, e começaram a organizar exposições coletivas, paralelas ao Salão de Arte oficial.

O ‘Salon des Refusés’, ou salão dos recusados, foi o mais importante organizado pelo grupo. Nele qualquer artista poderia participar - era só pagar uma taxa de 15 francos, e já estava participando, sem a necessidade da avaliação da obra inscrita por um júri -  algo incomum na época. A maioria dos artistas que participavam, realmente haviam sido recusados do Salão de Arte Oficial. Entretanto, muitos deles acabaram ficando mais famosos do que aqueles que puderam participar.

Como temática desse estilo de arte, vemos muito o dia a dia de cidades, o cotidiano de crianças e pessoas nas ruas, temas bucólicos com árvores e campo, e o retrato da vida simples.




Fonte: História da Arte

 

(JA, Set20)

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Conforto pela Arte

 Em momentos de crise, obras podem trazer consolo e aprendizado

 


Em 2015, uma cena comovente circulou pela imprensa mundial: um serviço de assistência médica holandês levou uma senhora em estado terminal para uma visita privada ao Rijksmuseum, em Amsterdã, onde ela pôde realizar seu último desejo: apreciar de perto um famoso autorretrato de Rembrandt.

Recentemente, o mestre holandês foi o centro de uma nova ação na cidade.

Desta vez, para contornar as restrições do momento, foi o próprio museu que fez circular, entre trinta casas de repouso da região, uma reprodução em tamanho real da pintura ‘A Ronda Noturna’, tida como uma das grandes realizações do Barroco europeu.

 

                                           Edward Hopper  -^-  ‘Room in Brooklyn’
 

No início da pandemia, em março, o Museu de Belas Artes de Boston compartilhou em suas redes sociais uma delicada pintura de autoria do americano Edward Hopper, 1882-1967, em que uma mulher, de costas para o espectador, observa a rua através de uma janela.

A postagem vinha acompanhada da seguinte mensagem:

‘Hopper é o poeta inesperado do nosso momento. Sabemos o que é ser aquela figura sentada, a olhar pela janela para os telhados vazios do outro lado da rua. Há solidão e isolamento em ‘Room in Brooklin’, mas também há esperança. Hopper sugere toda uma promessa de primavera: sol entrando pelas janelas, um buquê de flores frescas, novas possibilidades ao virar da esquina’.

O que esses relatos, que envolvem legados artísticos tão distintos, têm a nos dizer? Talvez a principal resposta seja a de que a arte pode ser uma importante fonte de consolo para enfrentarmos momentos de crise.

Não se trata de reduzi-la a uma lógica meramente utilitária, mas de ampliar as suas possibilidades, para melhor lidarmos, como nos exemplos acima, com questões como a proximidade da morte, a solidão ou a falta de respostas para o futuro.

No livro ‘Arte Como Terapia’ (lançado no Brasil pela editora Intrínseca), os filósofos contemporâneos, Alain de Botton e John Armstrong, aprofundam-se ainda mais nessa questão.

Os autores defendem a ideia da arte como ferramenta terapêutica, que pode nos ajudar a enfrentar angústias e dilemas cotidianos.

A publicação originou uma plataforma (artastherapy.com), na qual o usuário seleciona o seu problema específico e, a partir de então, tem acesso a obras de arte que, ao serem apreciadas com um texto de apoio, buscam ajudá-lo a compreender seu sofrimento.

Essa possibilidade de usar a imaginação para visualizar algo novo ou interpretar uma situação sob um ponto de vista diferente tem relação com a descrição que o historiador britânico Simon Schama faz em seu livro ‘O Poder da Arte’ (Companhia das Letras).

Nele, o autor lembra a capacidade que certas obras têm de causar na audiência uma ‘surpresa perturbadora’, substituindo o que há de conhecido no mundo visível, por uma nova realidade ‘que é toda dela’.

Não é de hoje que as pessoas recorrem à arte em busca de consolo.

Ao longo dos séculos, os próprios artistas incorporaram em suas produções as angústias vivenciadas em seus contextos históricos.

A historiadora da arte Laura Ferrazza usa como exemplo um artista do século 17, o pintor flamengo Antoon Van Dyck, 1599-1641, que precisou ficar em quarentena na Itália.

Logo após a sua chegada em Palermo, onde passaria uma temporada, a cidade foi tomada pela peste.

Van Dyck isolou-se em seu ateliê, onde passou a pintar obras bem diferentes dos retratos da aristocracia a que estava habituado.

O resultado foi uma série de quadros dedicados a Santa Rosália, padroeira da cidade.

‘Ele nunca tinha feito quadros religiosos, mas aquilo talvez fosse uma forma de falar em esperança’, avalia.

Laura ressalta que o interessante dessa relação com a arte é que, mesmo quando um espectador não é religioso, por exemplo, ele pode apreciar as qualidades de uma obra sacra.

‘É possível olhar para homens e mulheres de outros tempos, em contextos difíceis como o nosso, e sentir uma identificação. Esse caráter atemporal é o mais importante da arte’.

Como ela explica, as imagens carregam a marca do contexto em que foram produzidas, mas também ‘projeções do futuro’. Isso explica por que as pessoas podem ter diferentes interpretações a respeito de uma mesma criação.

‘Existe uma ideia de que, quando você olha para uma obra, ela também te olha. Há uma troca entre a obra e o observador. Ela mexe em coisas próprias de cada pessoa, com conhecimentos até mesmo inconscientes’.

 Como forma de estimular essa troca, diferentes iniciativas têm apostado em levar arte para dentro dos hospitais.

Foi o caso da Galleria Continua, de atuação internacional, que tinha planos de inaugurar em agosto as atividades de sua filial brasileira no Estádio do Pacaembu, em São Paulo.

Acabou, no entanto, adiantando parte de seus trabalhos.

Em abril, seu espaço foi transformado em uma espécie de almoxarifado do hospital de campanha, adaptado ali pela Prefeitura.

‘Quando vi a logística, pensei: vamos dar uma força para os médicos', conta Akio Aoki, sócio e diretor da operação da galeria no Brasil.

‘Todos precisavam retirar o uniforme e os EPIs aqui; tinha, inclusive, uma máquina de ponto na porta da galeria’, diz Aoki.

Nesse ambiente de fluxo intenso, os profissionais da saúde ganharam a oportunidade de deixar de lado o estresse por um momento, e assistir a vídeos produzidos por artistas contemporâneos como Jonathas de Andrade, Lia Chaia, Gisela Motta e Leandro Lima.

‘Cada um vê a arte de uma forma; não existe um roteiro programado, e é por isso que é uma experiência individual, que traz um benefício único’.


Pós-pandemia

Não surpreende, assim, que um recente levantamento virtual realizado pelo Masp tenha revelado o anseio do público em voltar aos museus.

Realizado com 1363 pessoas que compraram ingressos ao menos uma vez em 2019 - ano em que o museu bateu recorde de público com a mostra sobre Tarsila do Amaral -, o estudo revela uma maior predisposição, quando a quarentena acabar, para visitas a museus e instituições culturais (38%), do que a bares e restaurantes (25%), por exemplo.

Enquanto o fim da pandemia ainda é incerto, a instituição busca amenizar a distância com atividades online.

Toda semana, um artista do acervo é escolhido como tema da ação #maspdesenhosemcasa, em que o público é convidado a compartilhar a própria versão de uma obra.

Outros museus pelo mundo têm apostado também nesse tipo de iniciativa.

Afinal, com o distanciamento social, as pessoas têm passado mais tempo na internet - uma possibilidade inexistente para a humanidade durante outras crises de saúde na história.

Na visão de Laura, esse incentivo traz um ‘lado lúdico’ para a arte, aproximando a produção artística das pessoas de uma forma ‘dessacralizada’.

‘Isso mostra que a arte pode estar no cotidiano, trazendo o conhecimento de imagens que antes estavam esquecidas e mostrando como aquelas expressões podem ser parecidas com as de nossa época’.


ARTE ONLINE

·        Smart History

O canal do YouTube aposta em vídeos de 5 a 10 minutos de duração, com explicações didáticas sobre a história da arte. Os conteúdos são em inglês, mas muitos têm legenda: youtube.com/smarthistoryvideos

 

·        Google Arts & Culture

Fruto de parceria do Google com diversos museus do mundo, a plataforma, que pode ser acessada pela internet (artsandculture.google.com) ou pelo app de mesmo nome, permite que o usuário navegue por coleções por meio da tecnologia de Street View. Entre as opções no Brasil está o Museu Nacional, no Rio - antes do incêndio.

 

·        The Great Gallery Tours

Com o fechamento dos museus pelo mundo, o historiador britânico Simon Schama propôs um tour virtual por instituições como a Courtauld Gallery (Londres), o Rijksmuseum (Amsterdã), o Museu do Prado (Madri), e o Whitney Museum (Nova York), destacando preciosidades de seus acervos. Os episódios, em inglês, estão disponíveis no site da BBC Radio 4 (bbc.in/31IxoCl).

 

·        Marco Mansi

Em sua página do Instagram, o jornalista e historiador da arte italiano Marco Mansi (@marco_mansi) faz uma seleção criteriosa e propõe um grande mosaico de imagens inspiradoras para a rotina dos seguidores, entre reproduções de pinturas e fotografias dedicadas à arquitetura.

 

·        Vivi eu Vi

De forma bastante descontraída, a brasileira Vivi Villanova mantém o canal do YouTube ViviEuVi (youtube.com/vivieuvi), no qual revela curiosidades sobre os artistas e suas obras. Ela publica novos vídeos sempre às segundas e sextas-feiras.

 

 



Fonte:  Júlia Corrêa  |  OESP  | Guarulhos Web

 

(JA, Set20)