domingo, 26 de maio de 2019

Mostras atacam estereótipo do Nordeste como terra preguiçosa


Exposições usam carranca prateada e redes de dormir para desmontar clichês


‘A Rede’, tela de Dalton de Paula, 2008



Sobre o farol de uma motocicleta, uma carranca -estátua tradicionalmente instalada na proa dos barcos do rio São Francisco para afugentar os maus espíritos- dá as boas-vindas aos visitantes da mostra ‘À Nordeste’, no Sesc 24 de Maio. É como se já anunciasse que o Nordeste ali apresentado não é aquele rural e atrasado marcado no imaginário do país.

Não que o retrato da região concebido por Bitu Cassundé, Clarissa Diniz e Marcelo Campos, os organizadores da mostra, negue de todo a ruralidade. Ao contrário, diz Cassundé, a proposta era reunir o maior e mais diverso conjunto de discursos sobre essa região do país. ‘Mais do que um panorama, queríamos realizar uma ocupação, uma convivência’.

A convivência, no caso, é entre mais de 300 obras de 160 artistas, uma seleção que vai de nomes consagrados, nordestinos ou não, a artesãos e influencers digitais —nem Romero Britto ficou de fora.

Pinçados, entre outros, de acervos de museus locais e ateliês de artistas durante uma pesquisa de cerca de seis meses pela região, os trabalhos apresentam Nordestes múltiplos, por vezes contraditórios.



‘Manto de Apresentação’, Bispo do Rosário

Dessa forma, se o fervor católico religioso figura por exemplo no ‘Manto de Apresentação’ do Bispo do Rosário, veste que o artista pretendia usar no Juízo Final, ou na figura de Padre Cícero esculpida na madeira por Mestre Noza, ele ganha uma nova camada de leitura ao avistarmos os retratos de Marcio Vasconcelos de representantes de religiões africanas espalhadas pelo mundo.

Mais do que um simples jogo de teses e antíteses, no entanto, a mostra busca mapear olhares alternativos às convenções sociais e aos rótulos do sistema de arte, afirmam os seus organizadores.

Veio daí, por exemplo, a decisão de incluir na coletiva uma toalha de mesa bordada por Leonilson, um contraponto ao conceitualismo ao qual o cearense é vinculado hoje, ou a de situar criações de artistas afro-brasileiros como Emanoel Araujo não no núcleo ‘(De)Colonialidade’, mas naquele centrado na linguagem, lado a lado com um quadro cinético de Abraham Palatnik.

‘Tivemos muito cuidado com alguns filtros pelos quais o Nordeste passou na história das exposições’, afirma Campos. ‘Tem uma coisa iconoclasta, de quebrar as imagens’.

O ápice dessa vontade aparece no comissionamento de obras a personalidades das redes sociais, como o coletivo Saquinho de Lixo, que administra uma página de memes no Instagram, ou a pernambucana Alcione Alves.

Famosa por narrar coreografias nas redes sociais com um vocabulário próprio (‘zaga’, por exemplo, significa empinar a bunda), Alves criou um vídeo especialmente para a exposição. Nele, dois bailarinos dançam uma coreografia de swingueira no marco zero do Recife, de onde se veem as esculturas de Francisco Brennand.

‘Entender que aquilo que a hegemonia enxerga como popular pode ser, na verdade, muito sofisticado e contemporâneo é uma chave transformadora’, afirma Cassundé.


'100 Rede', obra de Tunga, 1997

Se esse Nordeste colorido, vibrante em sua diversidade e potência política é o principal saldo de ‘À Nordeste’, em ‘Vaivém’, coletiva que o Centro Cultural Banco do Brasil inaugurou na semana passada, a região é vista em uma chave mais cinzenta.

Organizada por Raphael Fonseca e quase com o mesmo número de obras que a mostra do Sesc 24 de Maio, ela se estrutura em torno do curioso tema de redes de dormir. Indissociáveis de uma certa identidade brasileira, os objetos são analisados desde as suas primeiras representações iconográficas —uma delas um mapa francês do início do século 16 em que elas surgem ao lado do que parece ser um ataque canibal— até sua ampla presença na história da arte brasileira.

Uma das principais preocupações de Fonseca foi, no entanto, a de dissociar as redes do Nordeste. Ele argumenta que o fato de os itens serem mais imediatamente ligados à região do que aos povos indígenas, seus inventores originais, é um dos muitos apagamentos que os europeus realizaram em relação à cultura ameríndia durante a colonização.

A solução encontrada por ele foi, então, a de dar protagonismo a produções de alguma maneira ligadas à questão indígena, incluindo o comissionamento de trabalhos inéditos a 32 artistas nativos, a maioria à margem do circuito artístico, como o coletivo huni kuin Mahku, do Acre, ou Dhiani Pa’saro, da etnia wanano, que nunca havia exposto fora do estado do Amazonas.

Além deles, nomes como a fotógrafa Claudia Andujar, conhecida pela defesa dos povos ianomâmi, e artistas contemporâneos completam a seleção.

Embora a presença nordestina atravesse a coletiva, a sala especificamente dedicada à região tem um tom agridoce. Intitulada ‘invenções do Nordeste’, o espaço busca desconstruir os clichês de preguiça e languidez que ambos, nordestinos e redes de dormir, adquiriram, segundo Fonseca, a partir do século 19 no imaginário brasileiro.

Ao escolher peças como as cerâmicas de Mestre Vitalino que retratam o uso do item em rituais fúnebres, fazendo as vezes de caixão, ou uma rede negra recortada, em que sobram apenas os bordados laterais, a mostra propõe uma visão radicalmente diferente daquela da indolência tropical. Mais trágica, é verdade, mas também mais complexa. 
'Nenhum clichê nasce do nada', diz Fonseca. 'A exposição tem esse esforço de pensar por outro viés'.

A Panorama do Museu de Arte Moderna, importante mostra paulistana do calendário brasileiro, começa em agosto, com o tema sertão.


À Nordeste
Sesc 24 de Maio, r. 24 de Maio, 109. Grátis. Até 25/8

Vaivém
CCBB, r. Álvares Penteado,112. Até 29/7





Fonte: Clara Balbi   |   FSP


(JA, Mai19)

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Torre Eiffel, 130 anos




Monumento foi feito em ocasião da Exposição Universal de 1889, sediada em Paris

A Torre Eiffel, um dos símbolos mais emblemáticos da França, foi palco de um show de luzes na última semana em celebração de seus 130 anos.


Atualmente, a torre é o monumento de acesso pago mais visitado no mundo, recebendo por ano cerca de sete milhões de pessoas. Mas ela nem sempre foi tão popular.


Torre Eiffel iluminada em comemoração de seu aniversário de 130


O monumento foi construído em ocasião da Exposição Universal de 1889, sediada em Paris, que marcou o centenário da Revolução Francesa.

Na época, foi lançado um concurso para estudar a possibilidade de se erguer uma torre de ferro com 300 metros de altura. Entre 107 propostas, foi selecionada a liderada pelo engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923).


Eiffel, que deu nome à torre, também esteve envolvido no projeto de outro monumento famoso —a Estátua da Liberdade, em Nova York.

Mas a execução, com início em 1887, se deu em meio a uma grande polêmica.
Personalidades importantes da classe artística, como Guy de Maupassant, Charles Garnier e Charles Gounod, se opuseram fortemente à construção, que supostamente não estaria à altura da beleza de Paris.

 
A torre foi construída com 300 m, mas tem hoje 324 m até o topo






Em protesto publicado por artistas no jornal Le Temps em 1887, ela chegou a ser descrita como ‘inútil e monstruosa’.

Para entender as críticas, bastaria imaginar uma torre de ‘altura ridícula’ dominando a cidade como uma ‘chaminé de fábrica cinzenta’, dizia o texto.

A construção levou dois anos, dois meses e cinco dias para ser concluída. E sua inauguração, durante a Exposição Universal, foi considerada um sucesso.

Se a Torre Eiffel ficasse no chão da avenida Paulista, o perfil da avenida seria assim:



Mas, ainda assim, a Torre Eiffel não passaria de uma atração provisória, com desmonte previsto para dali 20 anos.

Sua salvação não se deu pelo turismo, mas por uma utilidade prática: nela podiam ser instaladas antenas. Hoje um dos ícones mais queridos da França, a torre tem 324 metros até o topo.

Com restaurantes, lojas e observatório, ela pode ser visitada com ingressos que vão até 25,50 euros (R$ 115).


Piso transparente na Torre Eiffel, por onde caminham visitantes a 59 m de altura





Fonte:  FSP



(JA, Mai19)

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Pirâmide do Louvre, joias com a geometria


Morto na semana passada, o arquiteto I. M. Pei agradou sem nunca se render a modismos


I.M. Pei (esq.) diante de sua mais famosa criação, a pirâmide do Louvre, em Paris, ao lado do então ministro da Cultura da França, Renaud Donnedieu 

Não é sempre que se recebe a ampliação do Louvre como encomenda. Mais que um aumento, era necessária uma profunda reorganização dos acessos e da circulação do museu que no início dos anos 1980 dava sensação caótica e de certo enfado ao público.

A instituição parisiense guarda e apresenta mais que uma miríade de obras-primas, mas não nos esqueçamos de que ela ocupa um colossal palácio, um edifício com séculos de existência que não foi concebido para ser museu, mas para abrigar uma corte.

E coube ao chinês Ieoh Ming Pei intervir na construção que encarna o clímax da cultura ocidental. O arquiteto, morto na semana passada, estudou e desenvolveu toda a sua carreira nos Estados Unidos.

A escolha de um não francês já detonaria polêmicas no país, porém nada bate o desafio de pensar algo para um lugar que milhares de arquitetos e críticos de todo o mundo têm uma opinião a dar a respeito. O que fosse feito passaria por um escrutínio global.

I. M. Pei, como ficou conhecido, apostou alto e propôs um novo ícone para a capital francesa já bem sortida de ícones —o projeto do Louvre parte de uma pirâmide de vidro.


Vista da pirâmide, emoldurada arco do Carrousel do Louvre

Ele convoca uma tipologia arquitetônica de milênios de existência e aplica nela a tecnologia e os materiais de sua época —uma estrutura com múltiplas hastes metálicas muito delgadas que conformam uma volumetria recoberta por transparentes e leves peças de vidro. O uso do material, aliás, marcou seus projetos anteriores, entre eles a Biblioteca Presidencial de John F. Kennedy, em Boston.

Em Paris, Pei fez uma joia delicada com um simples sólido geométrico. Há o caráter simbólico de criar uma preciosidade reconhecida tanto por críticos quanto pelo público.


I.M. Pei em foto de 2004, durante homenagem recebida em Nova York

O êxito do arquiteto é também notável em termos operacionais. Seu projeto ocupa, em grande medida, o pátio frontal do Louvre, diante do jardim das Tulherias, e ponto inicial do grande eixo parisiense que dará na Champs-Élysées e no Arco do Triunfo.

Antes da intervenção, esse pátio era ocupado como um estacionamento do museu, o que transformava de início a visita numa experiência labiríntica e confusa. O Louvre é um imenso palácio composto por diversas alas com muitas salas sem saída e de retorno obrigatório. Para além de gerar um confortável acesso contemporâneo de sofisticado acabamento, I. M. Pei liga o núcleo do museu à circulação dos diferentes lados.

A solução funcional ganhou ampla simpatia com o passar dos anos. Após a inauguração deste Louvre renovado em março de 1989, o sino-americano recebeu o título de oficial da Ordem Nacional da Legião da Honra da França em 1993, do presidente François Mitterrand.


Pirâmide do Louvre, construída por I.M. Pei


I. M. Pei faz parte de um peculiar grupo de grandes arquitetos que ao analisarmos detidamente seu principal projeto conseguimos verificar as qualidades presentes em todo o seu conjunto de obras. A descrição das virtudes de sua intervenção no Louvre é visivelmente aplicável aos projetos da ala leste da National Gallery, obra de 1978 em Washington, e do Museu e Hall da Fama do Rock’n’Roll, realizado em 1995 em Cleveland.

Sem se deixar cair em modismos pós-modernos nas décadas de 1970 e 1980, Pei se manteve próximos dos princípios dos mestres modernos Walter Gropius e Marcel Breuer, com quem teve aulas nos Estados Unidos.

Desde a abertura de seu escritório em 1955, o arquiteto esteve sempre atento ao emprego da tecnologia de ponta da época, o que se vê nas várias torres de vidro que projetou na carreira. Foi, assim, um arquiteto requisitado tanto em encomendas governamentais para edifícios públicos quanto pelo mercado imobiliário.

Recebeu a maioria das principais láureas que um arquiteto pode ganhar, como o prêmio Pritzker, em 1983, e a medalha de ouro do Riba, o Instituto Real de Arquitetos Britânicos, em 2010.

Seu canto do cisne foi o Museu de Arte Islâmica, em Doha. Já projetado em coautoria com seus filhos, Chien Chung Pei e Li Chung Pei, o edifício é fruto da apropriação e do empilhamento de formas do islã. A síntese obtida no Louvre foi perdida, mas as referências simbólicas foram multiplicadas ali.






Fonte:  Francesco Perrota-Bosch    |   FSP



(JA, Mai19)