quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Artista chinês Ai Weiwei monta ateliês no Brasil




Obras estarão na mostra 'Ai Weiwei Raiz' na Oca, em outubro


Abacaxis feitos de porcelana em fábrica de São Caetano do Sul para projeto do chinês Ai Weiwei

Nas prateleiras cheias de objetos de porcelana em um galpão de São Caetano do Sul, no ABC, algumas peças parecem fora de contexto. Entre xícaras, cinzeiros e budas decorativos, repousam centenas de réplicas de frutas-do-conde, ostras, dendês e abacaxis.
Os frutos aguardam o momento em que, pelas mãos de uma equipe coordenada pela designer Raquel Hoshino, serão diferenciadas de uma xícara de cafezinho para se tornarem obras assinadas pelo artista plástico Ai Weiwei.
A Porcelana Teixeira, fábrica fundada em 1949 por imigrantes portugueses, abriga atualmente um dos cinco ateliês que o famoso dissidente chinês montou no país este ano.
Do galpão sairão os dois exemplares de ‘F.O.D.A.’ (fruta-do-conde, ostra, dendê e abacaxi) que o público verá no prédio redondo do Ibirapuera, além de outros 300 múltiplos da mesma obra que serão vendidos pela sua galeria paulistana, a ArtEEdições.
‘Ai Weiwei eterniza as frutas da mesma forma que a burguesia europeia eternizava cachorros em bibelôs de porcelana. A ideia do bibelô é manter presente algo que está em extinção’, explica Hoshino.

Peças de porcelana no ateliê em São Caetano do Sul


Sete pessoas se dedicam em tempo integral ao acabamento das frutas —são escultores, ceramistas e pintores ativos no mercado, pinçados especialmente para o projeto.
A fabricação dos objetos segue a linha de produção normal de outras peças que saem dali, com os mesmos operários e matérias-primas.
Weiwei contratou Hoshino depois de se encantar com a verossimilhança de um protótipo de abacate realizado pelo artesão Miguel Anselmo, que integra a equipe da designer.
A encomenda do artista chinês, que pediu a Hoshino e à fábrica a reprodução de uma fruta brasileira, para aferir a qualidade do trabalho e dos materiais, fez com que a designer oficializasse a criação de uma divisão dedicada ao desenvolvimento de peças de caráter mais experimental.
Ela conta ainda que Weiwei lhe mandou um recado —ele queria que as reproduções das frutas fossem ‘rústicas, mas benfeitas’. E parece ter gostado do resultado, a julgar pelas curtidas que dá nas imagens das peças prontas postadas no Instagram por um dos artesãos da fábrica.
O curador da mostra da Oca, Marcello Dantas, conta que a ideia para ‘F.O.D.A.’ surgiu há alguns meses, em Trancoso, na Bahia, onde Weiwei lhe perguntou como dizer ‘fuck’ em português. Dantas respondeu, e então o artista disse que queria uma fruta correspondente a cada letra da palavra ‘foda’ para realizar a obra.
‘As letras F, D e A foram relativamente fáceis. Mas não há no dicionário nenhuma fruta com O. Então sugeri ostra, que é um fruto do mar, e ele amou. Além do mais, a ostra tem uma conotação sexual superforte’, afirma Dantas.


Moldes das peças de porcelana

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A fábrica em São Caetano do Sul é só um dos lugares de produção do chinês no Brasil.

Há mais três frentes de trabalho ativas espalhadas pelo país —uma em Cotia, na Grande São Paulo, outra em Juazeiro do Norte, no Ceará, e uma no presídio paulista de Tremembé. O quarto, que ficava em Trancoso, foi desativado após seis meses de operação.


O número de pessoas trabalhando em todos esses locais chegou a 150. Para a realização das obras, foram usados materiais como raízes, cerca de uma tonelada de sementes de olho-de-cabra e couro. ‘O volume de produção é grande. São uns sete, oito caminhões. É um processo quase industrial’, conta Dantas.
Processo (da esq. para dir.) de fabricação das frutas em porcelana na fábrica

 Parte das obras vindas dos ateliês, que devem finalizar seus trabalhos no início de setembro, estará na Oca.
O restante foi enviado à China e só virá a público em ocasiões futuras. É o caso do molde de um pé de pequi de 36 metros de altura tirado em Trancoso por uma equipe de chineses, que deve levar cerca de um ano para ser fundido.
Dantas nega que o interesse de produzir as peças de ‘F.O.D.A.’ no Brasil esteja relacionado à mudança nas taxas aeroportuárias para obras importadas; hoje elas não são mais cobradas de acordo com o peso da obra armazenada, e sim segundo seu valor.
‘A fábrica em São Caetano do Sul é só um dos lugares de produção do chinês no Brasil. Há mais três frentes de trabalho ativas espalhadas pelo país —uma em Cotia, na Grande São Paulo, outra em Juazeiro do Norte, no Ceará, e uma no presídio paulista de Tremembé. O quarto, que ficava em Trancoso, foi desativado após seis meses de operação.
O número de pessoas trabalhando em todos esses locais chegou a 150. Para a realização das obras, foram usados materiais como raízes, cerca de uma tonelada de sementes de olho-de-cabra e couro. "O volume de produção é grande. São uns sete, oito caminhões. É um processo quase industrial", conta Dantas.
Parte das obras vindas dos ateliês, que devem finalizar seus trabalhos no início de setembro, estará na Oca.
O restante foi enviado à China e só virá a público em ocasiões futuras. É o caso do molde de um pé de pequi de 36 metros de altura tirado em Trancoso por uma equipe de chineses, que deve levar cerca de um ano para ser fundido.
Dantas nega que o interesse de produzir as peças de "F.O.D.A." no Brasil esteja relacionado à mudança nas taxas aeroportuárias para obras importadas; hoje elas não são mais cobradas de acordo com o peso da obra armazenada, e sim segundo seu valor.
‘A razão de produzir essas peças aqui é o interesse em interpretar o Brasil que faz parte do imaginário do Ai Weiwei desde a infância, quando seu pai aqui esteve com Jorge Amado. É uma visita à tradição artesanal brasileira, assim como a obra do Weiwei é uma visita à tradição artesanal chinesa’, justifica o curador.
Obras complexas realizadas com o auxílio de mão de obra local, aliás, não são uma novidade na carreira do dissidente.
Há alguns anos, Weiwei contratou oficinas de artesãos de Jingdezhen para que confeccionassem 100 milhões de sementes de girassol de porcelana —a cidade no sul da China tem tradição milenar na fabricação desse material.
O resultado foi ‘Sunflower Seeds’, obra exibida há oito anos na Tate, em Londres, que estará também em São Paulo.
‘Ai Weiwei Raiz’ é a segunda mostra do artista no país. Em 2013, um conjunto de suas fotografias foi exibido no Museu da Imagem e do Som paulistano. Esta, contudo, terá uma dimensão maior, ocupando quatro andares da Oca.
Além das peças feitas aqui, estarão reunidos trabalhos marcantes de Weiwei, como ‘Forever Bicycles’, ‘Moon Chest’ e ‘Straight’, além de uma obra exibida apenas uma vez, ‘Ordos 100’, realizada em 2008 com os arquitetos suíços Herzog & de Meuron.


Fonte: João Perassolo   |   FSP

(JA, Ago18)



Trevor Plagen quer lançar um satélite que refletirá luz solar no espaço


Com formação em artes plásticas e geografia, Trevor Paglen pretende executar uma obra que se parecerá com uma estrela vista da Terra

Orbital Reflector, baseada na obra, de Trevor Plagen

Após um mestrado em artes plásticas em 2002, Trevor Paglen obteve um Ph.D em geografia pela Universidade da Califórnia em Berkeley, em 2008, onde continua a trabalhar como pesquisador. Paglen é conhecido por trabalhos jornalísticos e artísticos em que trata vigilância sobre a população e a forma como a humanidade altera o espaço geográfico.
Ele é autor de livros em que fala sobre operações secretas da CIA, e de ensaios fotográficos de prisões de acesso restrito, assim como dos cabos transoceânicos que permitem que informações sejam transmitidas na internet. Algumas de suas filmagens de bases americanas foram incluídas no documentário ‘Citizenfour’, que narra a delação por Edward Snowden do sistema de espionagem do governo americano.
Há cerca de dez anos, Paglen vem trabalhando em uma obra chamada ‘Orbital Reflector’. Trata-se de um balão de polietileno gigante, recoberto por dióxido de titânio, o que lhe dá uma aparência prateada reluzente, que parecerá uma estrela. O projeto deve custar cerca de US$ 1,3 milhão, pagos com apoio do Museu de Arte de Nevada, que fica na cidade de Reno.
Seu lançamento deve ocorrer em novembro de 2018, e será um ponto alto da exposição ‘Sites Unseen’, ou locais não vistos, em uma tradução livre, na mesma instituição. Ela é dedicada a trabalhos de Paglen e inclui uma versão antiga e redonda do ‘Orbital Reflector’, suspensa no teto do museu. A mostra vai até janeiro de 2019.
 O plano é que o balão seja comprimido em um bloco com as dimensões de um tijolo, e levado ao espaço por um foguete Falcon 9 da empresa privada SpaceX, junto a outros cerca de 70 satélites. Quando atingir a órbita terrestre, o balão deverá ser inflado com dióxido de carbono, e se tornará um enorme refletor de raios solares. Ele deverá ficar em órbita ao redor do planeta por cerca de três meses, após os quais deve entrar na atmosfera e queimar.
Uma das inspirações para Paglen é a obra do pintor ucraniano Kazimir Malevich (1878-1935), que fez obras de arte antecipando a chegada do homem ao espaço. Ele falava de um objeto reunindo todos os elementos, se movendo em uma órbita entre a Terra e a Lua, ‘formando seu próprio caminho’.
 Em entrevista à rede americana de televisão PBS, Paglen afirmou: ‘eu vejo um planeta que foi completamente transformado por humanos, e de formas completamente diferentes. Eu olho para quem está colocando coisas no espaço, e por que motivo’.
Ele afirma que a ideia de ‘Orbital Reflector’ é “construir um satélite sem valor militar, científico ou comercial. Vamos construir um satélite que seja uma obra de arte”.
Ao site focado em leilões e notícias sobre art ArtNet, Amanda Horn, diretora de comunicações do museu, afirmou que:
‘Como as pessoas têm dificuldade em imaginar como essa obra de arte deverá ser, eu acho que suas mentes voam longe. Vai parecer tão brilhante quanto uma estrela da constelação Ursa Maior. Ele [o balão] tem o comprimento de cerca de dois ônibus escolares, e vai se mover muito rapidamente. Uma órbita completa vai levar cerca de 94 minutos’.




Fonte: André Cabette Fábio   |   =Nexo

(JA, Ago18)



segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Moda investe na arte para manter sua relevância, e os acervos, de pé


União entre Museu Van Gogh e grife Vans consagra tipo de mecenato que, comum no exterior, afunda no Brasil
Quanto custa restaurar a tela ‘Vaso com Doze Girassóis’ (1888), de Van Gogh? E quanto dinheiro se despeja para manter holofotes sobre uma marca, nascida nos pés dos skatistas californianos, que enfrenta a concorrência de jovens gigantes da moda urbana, como a Supreme? ‘Muito’ seria eufemismo.
Essa equação milionária consagrou nas vitrines brasileiras, na semana passada, um tipo de mecenato no qual museus de todo o mundo se fiam desde a virada do século, a fim de custear a conservação de suas relíquias e, também, para manter o apoio à produção de jovens artistas.
A grife Vans se uniu ao Museu Van Gogh, de Amsterdã, para lançar uma coleção que reproduz, em moletons, camisetas e seus famosos ‘slip on’  —tênis baixos com solado de borracha—, quadros e cartas importantes da trajetória do pintor impressionista.


Moleton base quadro 'Caveira2, 1887-1888 de Vincent Van Gogh

As pinceladas irregulares dos girassóis e de telas como ‘Amendoeira em Flor’ (1890) e ‘Vinha Velha com Mulher Camponesa’ (1890) são de domínio público, mas a marca preferiu oficializar a parceria e reverter os lucros para o museu. Não é bom-mocismo.
Ao vincular o nome da marca ao do pintor, a grife agrega à coleção um ‘conceito de exclusividade que as artes visuais propiciam’, segundo define a diretora global se calçados da Vans, Diandre Fuentes.
‘A história de resiliência de Van Gogh [que morreu pobre e não conseguia viver de seu trabalho] pode ser inspiradora para os jovens’, afirma.
À frente do projeto está o diretor do museu, Axel Rüger, celebridade no meio artístico e responsável por abrir o legado do pintor holandês para os cineastas Dorota Kobiela e Hugh Welchman, indicados ao Oscar deste ano pela animação ‘Com Amor, Van Gogh’.

Cena do Filme 'Com Amor Van Gogh'

‘Para nós, que vivemos de incentivos para manter atividades, parcerias são vitais. Do ponto de vista do legado, curadores precisam manter vivo o interesse das novas gerações acerca da história dos artistas clássicos’, diz Rüger à Folha.
Não foi aleatória a seleção de obras, muitas desconhecidas do grande público. ‘A coleção tem um papel educativo, porque não estamos falando de ‘Noite Estrelada’, mas de obras pouco exploradas’, explica Rüger.
No site da marca estão esgotados os ‘slip on’ que reproduzem versões de ‘Caveira’ e a carta enviada pelo artista ao irmão. Ainda há bonés (R$ 190) e tênis que estampam ‘Vinha Velha’ a R$ 400, e ‘Autorretrato’, vendido a R$ 350.
A relação entre arte e moda tem se feito cada vez mais presente, com grifes investindo em espaços próprios, assinados por arquitetos como Frank Gehry, que desenhou o prédio da Fundação Louis Vuitton, em Paris, ou Rem Koolhaas, que concebeu o da Fundação Prada, em Milão.
Esses centros culturais abrigam a produção de artistas contemporâneos e apoiam a exibição de jovens criadores, outro mantra associado a esse tipo de gestão cultural promovida pelas marcas.
Em parceria com a Fundação Guggenheim, de Nova York, a alemã Hugo Boss premia com R$ 450.000 o artista vencedor do Art Prize.
Do outro lado do Atlântico, a suíça Rolex mantém, além do patrocínio à Bienal de Arquitetura de Veneza, uma lista de protegidos, jovens que viajam para participar de residências com artistas famosos.
Durante a Bienal de São Paulo, em setembro, a marca alemã Montblanc entregará à brasileira Mônica Nador cerca de R$ 74.000. O nome da artista figura na lista de 17 beneficiados pelo Prêmio Montblanc de Cultura.
Nador criou o ‘Jardim Miriam Arte Clube’, no bairro da zona sul de São Paulo, que organiza eventos culturais para pessoas do entorno.
A ajuda da Montblanc é um dos poucos exemplos de integração entre a cultura brasileira e a carteira da moda.
Houve ainda o incentivo da Louis Vuitton à programação do MAC de Niterói, em 2016, como contrapartida a um desfile da grife, e o patrocínio de R$ 300 mil da suíça Jaeger-LeCoultre à Osesp, em 2013. Mas são esparsos exemplos de mostras, restaurações ou prêmios promovidos por etiquetas nacionais ou estrangeiras.

Roupa produzida pelo pintor paulistano Hercules Barsótti, exposta no Masp

O Masp tentou recriar a exposição Masp Rhodia, que convidou nos anos 1960 estilistas a transformarem em roupas obras de arte, nos moldes da parceria entre a Vans e o Museu Van Gogh.
Não conseguiu, como adiantou em dezembro último, devido ao posicionamento político do patrocinador, o empresário Flávio Rocha, da rede de lojas Riachuelo.
À época, artistas como Iran do Espírito Santo, e Caetano de Almeida, fizeram parte da debandada em massa do projeto após Rocha anunciar apoio a movimentos ligados à direita como o MBL e ao PRB (Partido Republicano Brasileiro).
Diretora do museu, Juliana Sá não desistiu da mostra e diz que ela sairá do papel.
‘É um caminho sem volta. O melhor exemplo do potencial de financiamento privado à arte é o baile anual do Metropolitan. As marcas perceberam que, entre patrocinar um time de futebol e um museu, há uma grande diferença de valor agregado’.
                                                  
 Fonte: Pedro Diniz   |   FSP

(JA, Ago18)



sábado, 25 de agosto de 2018

Em Damasco, estudantes de arte pintam destruição causada por guerra



 
Estudantes de arte em Yarmuk, Síria

Quando recentemente retornou às ruínas de Yarmuk, onde cresceu, o jovem Abdullah al-Hareth já não podia mais pintar. O distrito, tomado em 2015 pela organização terrorista Estado Islâmico, tinha sido devastado pelos bombardeios do regime sírio. O Exército só conseguiu reconquistar a região em maio passado, e a duras penas — com um custo humano e material aterrorizante. “No começo, eu não conseguia desenhar”, Hareth, 21, disse à agência de notícias France Presse. “Mas eu percebi que cada lampejo da vida é uma vitória sobre a morte.”

Esse jovem sírio faz parte de um projeto da ONG local Nur (“luz”, em árabe), que levou 12 estudantes de arte para retratar, durante uma semana, o estado de Yarmuk — um campo de refugiados palestinos localizado no sul na capital, Damasco. Quando a guerra começou, em 2011, havia 160 mil refugiados palestinos ali. Os conflitos levaram 140 mil deles a fugir, segundo a ONU. O regime sírio cercou o distrito, aprofundando a crise. Estive ali em 2014, quando visitei a Síria, e conversei com alguns dos moradores. Naquela época, circulavam duras imagens de multidões famintas pelas ruas do campo.

Refugiados aguardam entrega de alimento em Yarmouk, em imagem de 2014

'Eu estava com a garganta amarrada quando voltei para o acampamento', Hareth afirmou à agência francesa. Na sua tela, ele retratou uma criança emergindo do chão com uma maçã vermelha nas mãos. 'É uma alusão à vida que volta. Assisti a uma cena em que crianças com maçãs brincavam em antigos campos de batalha'. Outra das telas descrita pela France Presse foi pintada por Hinaya Kebabi, 22, retratando uma criança que perdeu um dos olhos durante os embates — a ferida é escondida pela ilustração de um novo olho em seu rosto.
  
Pintura feita por estudante de arte em Yarmuk, na Síria




Fonte: Diogo Bercito   |    FSP


(JA, Ago18)

Exposição ‘Mulheres Radicais’


Mostra sobre artistas latino-americanas, já exibida em Los Angeles e em Nova York, chegou à Pinacoteca de São Paulo



Pinacoteca do Estado com faixas da Exposição ‘Mulheres Radicais’

Mais de 280 trabalhos de cerca de 120 artistas mulheres da América Latina estão expostos, de 18 de agosto a 19 de novembro de 2018, na Pinacoteca de São Paulo.
Trata-se da última parada da exposição ‘Mulheres Radicais: arte latino-americana, 1960-1985’, que já esteve no Hammer Museum, de Los Angeles, e no Brooklyn Museum, em Nova York, em 2017.
Tendo como tema principal o corpo político, a exposição se divide nos subtemas da auto representação (auto retratos), corpo e paisagem, mapeamento do corpo, erotismo, poder das palavras e corpo performático, resistência à dominação, feminismos e lugares sociais.
Segundo a historiadora de arte venezuelano-britânica Cecilia Fajardo-Hill, uma das curadoras que vieram a São Paulo para a abertura da exposição, a temática do corpo é central devido à mudança de perspectiva que as artistas trouxeram para a história da arte.
O corpo feminino, antes objeto da representação – frequentemente nu, quase sempre por um homem – também produz arte e conduz uma pesquisa sobre si mesmo. Essa pesquisa mudou radicalmente a iconografia do corpo na arte.
Entre os anos 1960 a 1980, as nações latino-americanas viveram ditaduras que, mais do que serem o pano de fundo da produção dessas artistas, atravessam suas obras e suas vidas – muitas foram presas ou exiladas. É também um período fértil na invenção de novas mídias, vital para a construção da arte contemporânea e para a transformação das representações simbólicas e figurativas do corpo feminino.
Além de Cecilia Fajardo-Hill, a curadoria também conta com a pesquisadora ítalo-argentina Andrea Giunta e com a colaboração de Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca.
Na edição brasileira da exposição, cinco obras foram acrescentadas. São trabalhos de artistas que já haviam sido levantados pelas curadoras, mas cujas obras não foi possível apresentar nos Estados Unidos.
O Nexo lista abaixo as obras exclusivas da exposição brasileira, acompanhadas de algumas imagens cedidas pela Pinacoteca e comentadas pela curadora-chefe da Pinacoteca, Valéria Piccoli, em entrevista.

❶  ‘Sem título’, Maria do Carmo Secco (1967)
‘Em uma das primeiras conversas que eu tive com a Andrea e a Cecilia no sentido de adaptar a exposição à Pinacoteca, mostrei a elas coisas que estavam no acervo do museu e que poderiam integrar a exposição. Imediatamente, quando essas obras chegaram, disseram que sempre quiseram mostrar obras da Maria do Carmo Secco, mas não havia obras disponíveis.
Essa é uma obra que faz parte da coleção do museu.  Com sua linguagem bastante pop, Secco expressa a questão do desejo da mulher, que se encaixa nesta seção [da exposição] dedicada ao erótico, no sentido da expressão clara do desejo feminino’.
A artista
Nasceu em 1933 em Ribeirão Preto, São Paulo. Estudou pintura, desenho e história da arte na Escola Nacional de Belas Artes e, a partir de 1963, frequentou oficinas de arte no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Realizou sua primeira exposição individual em 1964, na Galeria Vila Rica, no Rio de Janeiro. Participou de importantes exposições coletivas do período, como a 8ª Bienal de São Paulo (1965) e Opinião 66, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1966).
Inspirada por histórias em quadrinhos e pelo cinema, com uma narrativa dividida em quadros em que o corpo se fragmenta, Secco se apropriou da maneira como a publicidade, o cinema e a televisão representam o corpo feminino para criticar a condição da mulher. Faleceu em 2013 no Rio de Janeiro.

‘Arqueologia do Desejo – ventre’, Nelly Gutmacher, 1982

Terracota e Óxidos

‘A Nelly Gutmacher é uma artista ainda atuante no Rio de Janeiro. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, faz experimentações com cerâmica moldando partes do corpo. E é sempre um corpo que não é perfeito, um corpo com cicatrizes, marcas. Até hoje ela trabalha com essa técnica, experimentando com cerâmicas e ácidos para alterar o resultado final da peça’.
A artista
Nascida no Rio de Janeiro, em 1941. Gutmacher iniciou sua trajetória artística no começo dos anos 1970 com a produção de colagens.
As obras do período inicial de sua carreira trazem imagens de corpos em fragmentos, em meio a cenas e paisagens de inspiração surrealista.
Em suas obras tridimensionais, usava  o próprio corpo como molde. Produziu em cerâmica uma série de partes do corpo feminino: ventre, colo, seios, costas e braços, sobre os quais criou detalhes em relevo, como colares e lingerie em renda.
Sua produção após os anos 2000 consiste, principalmente, em trabalhos bidimensionais, como desenhos, fotografia e fotocolagens.

 ❸  ‘Yohn Lennon’ de María Eugenia Chellet (1968)
‘Na seção autorretrato, temos outro acréscimo à exposição: a artista mexicana María Eugenia Chellet que se representa aqui como John Lennon. E intitula o trabalho ‘Yohn Lennon’, que é uma mistura entre ‘yo’ [eu, em espanhol] e John. Era uma artista que também já fazia parte do levantamento das curadoras mas que, no final, não conseguiram o trabalho a tempo de entrar na itinerância nos Estados Unidos’.
A artista
María Eugenia Chellet nasceu na Cidade do México em 1948. É uma artista multidisciplinar que trabalha com performance, fotocolagem, videoarte, objetos e instalações.
Sua produção é centrada no autorretrato e explora como as mulheres, ao longo da história da arte e na cultura popular – desenhos animados, pin ups, fotonovelas e publicidade –, foram celebradas, fetichizadas e estereotipadas. Permanece em atividade até hoje.

❹  Registros (livro objeto) de performances de Yolanda Freyre: ‘Pele de bicho, alma de flor’, 1974 e ‘Achei’, 1976

Divulgação ‘Pele de Bicho, Alma de Flor, Livro Objeto de 1974


‘Nos anos 1970, a Yolanda Freyre fez uma série de performances em que ela se transforma em elementos da natureza: uma flor, um animal. Os registros de performance eram montados em álbuns em que ela acrescenta poemas e escritos dela, são livros-objetos que ela guarda. O público pode manipular os fac-símiles [dos álbuns]’. 
A artista
Yolanda Freyre nasceu em São Luís, no Maranhão, em 1940. Em 1967 mudou-se para o Rio de Janeiro para iniciar tratamento em psicanálise e iniciou sua formação artística.
Em meados da década de 1970, perdeu seu irmão, vítima da repressão da ditadura militar brasileira.
Passou a abordar esse contexto de violência em sua produção; realizou passeatas e intervenções, em espaços públicos, e em seguida passou a realizar performances em sua casa para um público restrito. Suas performances são marcadas por um aspecto ritual.
A partir do final dos anos 1990, sua produção volta a se concentrar em temas ligados ao ambiente doméstico, memórias pessoais, natureza e maternidade.

❺  Série Cotidiano, Wilma Martins (1972-1982)
Reprodução ‘sem título’, Série Cotidiano, 1973, Nanquim e Ecoline sobre papel (50,5x30,5cm)

‘As pinturas dela têm sempre essa característica de serem muito sutis. [Na série Cotidiano] uma pintura branca quase invisível de espaços cotidianos, da vida e esses espaços são estranhamente invadidos por elementos da natureza que criam essa tensão no espaço doméstico’
A artista
Nascida em Belo Horizonte em 1934, Wilma Martins iniciou sua formação artística entre 1953 e 1956, quando frequentou, em sua cidade natal, a Escola Guignard, importante centro de formação que foi responsável pela renovação do panorama artístico local.
Atuou como ilustradora e diagramadora de jornais e revistas de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, onde se estabeleceu a partir de 1966. Também ilustrou livros infantis e idealizou figurinos para o Balé Klauss Vianna e para o Teatro Experimental, ainda na década de 1960.
O desenho e a pintura são constantes na trajetória de Martins. Em seu processo de trabalho, a artista transita constantemente entre as duas técnicas.
 Em sua série de trabalhos mais conhecida, Cotidiano (1975-1984), essa correlação é notável.


Fonte: Juliana Domingos de Lima   |  =Nexo


(JA, Ago18)

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Exposição de desenhos revela o manancial infinito de Tunga


Mostra em cartaz no Museu de Arte do Rio revolve o legado do artista como material vívido e dinâmico


John Berger dizia que a atividade mais profunda dentre todas é desenhar. A exposição ‘Tunga - O Rigor da Distração’ é uma confirmação exuberante dessa ideia.
Com curadoria de Luisa Duarte e Evandro Salles, a exposição que pode ser visitada no Museu de Arte do Rio até novembro abrange trabalhos produzidos entre 1975 e 2015, oferecendo contato privilegiado com uma dimensão menos conhecida do artista, morto em junho de 2016.
Sem pretender ser retrospectiva em sentido estrito, a exposição no entanto permite uma visão aprofundada da trajetória de Tunga. Lembra-nos inclusive que sua primeira exposição individual, ‘Museu da Masturbação Infantil’, aconteceu no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1974 e consistia precisamente em uma série de desenhos.

Xifópagas Capilares, 1984

Segundo declaração do próprio artista à época, seus trabalhos investiam contra as repressões simbólicas e imaginárias, 'contra o comércio do desejo em nossa sociedade'.
A exposição aborda o desenho em Tunga não simplesmente como técnica ou obra acabada, mas como um método de pensamento visual e um manancial capaz de explicitar seus diferentes processos plásticos —ou teóricos, como defendia o artista.
O título enfatiza a articulação solidária entre rigor e a distração numa obra cujo fascínio está ligado à energia erótica que atravessa os corpos, contagia e abre as formas, encetando processos metamórficos infinitos.
Nas articulações propostas pela curadoria percebe-se que o desenho foi para o artista tanto um gesto inaugural, um laboratório de pesquisa topológica e morfológica, quanto um espaço residual, de acolhimento e transformação de todo um imaginário mítico-psíquico latente, mas em geral reprimido.
O amplo e heteróclito conjunto de obras —incluindo precioso material inédito, documentos, estudos, filmes— foi disposto de modo a sublinhar ecos e elos entre desenho e a produção escultórica e performática (‘instaurações’) por meio das quais o artista se tornou conhecido. Assim, as tranças que comparecem em diversos trabalhos de Tunga passam a serem vistas também como arquitetura de linhas e, portanto, desenho.
Outro eixo condutor da exposição é a relação de Tunga com as palavras. Entre desenho e palavra circulam formas fluidas, irredutíveis ao visível e nunca esgotáveis pelos discursos ou interpretações. Desenhar era também perseguir a dimensão erótica do pensamento, sua morfologia imprevisível e sedutora, de certo modo também mítica.
Em entrevista exibida no espaço expositivo, o artista fala de duas práticas do desenho em seu percurso, uma proveniente da lógica arquitetônica, com desenhos de alta precisão que tornam visível o que se pretende tornar concreto; a outra estaria mais próxima de uma força do imaginário, imagens que não são projetos de obras, nem se querem semelhantes ao que já existe no mundo.
Suas linhas vão da visceralidade dos primeiros desenhos ao etéreo da série ‘Anjos Maquiados’, de 2011, feita de zonas erógenas em tons de rosa e vermelho não completamente visíveis, ou a delicadeza extrema de ‘Quase Autora’, de 2009, aquarelas que parecem querer dar a ver o momento de nascimento da imagem. Tunga sabia nos reconectar com o fascínio dos começos e com o enigma do que nunca termina.
Diferentemente de muitas exposições póstumas que se contentam com o apelo aurático do luto ou com a transformação do espólio em relicário, esta revolve o legado de Tunga como material vívido e dinâmico.

Tunga - O Rigor da Distração’
MAR (Museu de Arte do Rio), pça. Mauá, 5, Rio de Janeiro
Até 4/11
Ter. a dom.: 10h às 17h.
Preço R$ 20. Grátis às terças




Fonte: Laura Erber, escritora, crítica e professora de teoria e história da arte da Unirio  |   FSP

(JA, Ago18)