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terça-feira, 6 de novembro de 2018

São Paulo mostra tecnologia vestível para dar utilidade a geringonças hi-tech


Exposição de designer japonês e festival de 'wearable' têm de roupa fotossensível a joias 3D
Desde que o termo ‘wearable technology’ [tecnologia vestível] entrou no dicionário da moda, tenta-se unir ‘nerds’ e ‘fashionistas’ para que, juntos, consigam criar o traje do futuro. Dos frutos dessa união, porém, só incontáveis versões de relógios inteligentes caíram no gosto, e nos pulsos, da massa. O desafio é tornar belas, ou ao menos ‘vestíveis’, as geringonças saídas dos centros de pesquisa.
A partir desta terça (6), São Paulo apontará caminhos palpáveis para esse casamento com uma exposição do estilista japonês Kunihiko Morinaga na Japan House, a primeira de moda da instituição paulistana, e o festival de tecnologia vestível WeAr, que começa em 12 de novembro, com atividades na multimarca Cartel 011, na zona oeste.


Um dos raríssimos estilistas especializados na área, Morinaga trouxe à cidade criações que emitem luz ao serem tocadas, roupas fotossensíveis que ganham cor e formas quando iluminadas, e vestidos da última coleção de sua grife, a Anrealage, cujos paetês reagentes à luz foram destaques na última semana de moda de Paris, no mês passado.
Diferentemente da ideia de ‘gadget’, um acessório de vestuário conectado ao celular ou com alguma utilidade prática para usá-lo, suas roupas utilizam a tecnologia têxtil com propósito estético. E ele leva as aparências ao pé da letra.

Como se reproduzisse a importância da cultura digital na confecção de roupas, sua primeira instalação é um conjunto de roupas brancas que esconde cores e estampas visíveis apenas sob a luz do flash. A olho nu a roupa é minimalista, conserva a costura japonesa, mas na foto, berra em cores e formas de origami.
 ‘Meu propósito é questionar o que é real aos nossos olhos. Tento transformar peças banais do cotidiano em algo irreal, mostrando a matéria tátil e um outro lado que parece não existir’, diz Morinaga, horas antes da inauguração de ‘A Light Un Light’ (um trocadilho para algo como ‘Uma Luz, sem Luz).


O jogo de sombras que o título da mostra sugere está explícito na série de vestidos rendados cortados a laser que, colados a bases pretas, parecem saltar do corpo. Morinaga cria o efeito de sombra estática, um truque óptico que só simula a noção de tridimensionalidade nas peças.
Elas reproduzem o processo criativo do designer, premiado por transferir para a produção de moda um olhar de arte, que é de iniciar suas coleções a partir de palavras.
‘Aqui [no bloco de rendas] meu ponto de partida foi a sombra e como ela pode mudar a forma da pessoa quando posicionada de uma forma específica’, explica. ‘Tento provar que esse pensamento também é moda’.


A mesma ideia se aplica a uma sala em que três vestidos estão no meio de um círculo no qual uma luz corre ininterruptamente em volta delas. Dependendo do lugar onde o espectador está, as formas e a cartela de cores assumem tonalidades diferentes.
Esse esforço de colocar o têxtil em favor da criação escancara a face escondida da indústria fashion tradicional, bem menos inovadora do que ela prova ser a cada temporada. ‘Quando comecei a desfilar em Paris muita gente criticou, disse que meu trabalho não deveria estar ali [na passarela]’, conta Morinaga.
‘Mas, se pensarmos no significado da moda, de representar uma época, é a indústria que está atrasada em não tentar inserir as possibilidades da tecnologia real na criação de roupas’.
Foi pelo mesmo caminho de tornar acessível a tecnologia que a consultora Alexandra Farah concebeu a quarta edição do WeAr, único festival de ‘wearable gadgets’ do país.
Se nas primeiras edições ela se empenhou em trazer a São Paulo o tênis autoamarrável do filme ‘De Volta Para o Futuro 2’, 1989, e uma jaqueta jeans da Levi’s que, por meio de nanotecnologia, tem propriedades ‘touch screen’, nessa preferiu botar os pés no chão e apoiar designers locais.
Em parceria com a Amazon, Farah montou um estande na loja Cartel 011 na qual as pessoas poderão provar joias feitas em impressora 3D pela empresa WeMe, bolsas que, quando ligadas na tomada, cozinham alimentos, e uma outra que usa placas fotovoltaicas para carregar o smartphone com energia solar.
‘Percebi que não há inovação sem sustentabilidade, tanto econômica quanto ambiental. Sem esses dois conceitos, caímos no campo das ideias de ‘clube de inventores’, aqueles que produzem acessórios sem propósito’, explica Farah.
Propondo alternativas para o varejo, ela também mostrará soluções como a da marca Genyz, do estilista Caire Moreira, que desenvolveu um processo de customização no qual o cliente é escaneado por meio de um tablet e tem suas medidas exatas calculadas.
A IBM também lançará, no primeiro dia do evento, a primeira blockchain do Brasil. Trata-se de uma espécie de ferramenta na nuvem que, a partir de uma tag ou código colado à roupa, permite ao usuário acessar as etapas de produção daquela peça, desde quem colheu o algodão até quem costurou a peça.
‘É uma boa oportunidade para empresas serem mais transparentes em seus processos. A tecnologia não pode servir apenas para solucionar a vida de quem compra, mas também de quem faz’, afirma a diretora do evento.
Segundo ela, a grande sacada na nova geração de ‘designers tecnológicos’ é aplicar a inovação têxtil em favor dos recursos naturais do planeta, como, por exemplo, a criação de um tecido feito a partir da teia da aranha, que pode substituir a seda tradicional.
‘É um engano achar que o mundo vai se desindustrializar para se tornar ecológico. Mas devemos imaginar novos caminhos, porque desde antes dos tempos de Jesus Cristo usamos os mesmos linho, algodão e seda’.
Onde ver
Anrealage - A Light Un Light
Japan House – Av. Paulista, 52, São Paulo
De ter. a sáb., das 10h às 22h. Dom e feriados, das 10h às 18h
Até 6/1/2019
Grátis

WeAr Brasil 2018
Cartel 011 – Rua Artur Azevedo, 517, São Paulo
Dia 12/11, à partir das 9h,  e 13/11, às 17h
De R$ 260 a R$ 477

Fonte:  Pedro Diniz   |    FSP

(JA, Nov18)

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

‘Irving Penn: Centenário’ - Um caladão inquieto


Homem de poucas palavras e métodos espartanos, Irving Penn — tema de bela mostra em SP — pôs abaixo a fronteira entre a fotografia de moda e a grande arte

Gente fina - Foto de Marlene Dietrich: famosos se ofendiam, mas depois amavam  

Da endiabrada atriz alemã Marlene Dietrich ao blasé jornalista americano Truman Capote, celebridades faziam romaria ao estúdio do fotógrafo Irving Penn (1917-2009) para ensaios da revista de moda mais influente de seu tempo, a Vogue. Ao adentrarem o local, porém, a expectativa por glamour dava lugar à perplexidade: os famosos se espremiam em cenários espartanos e sujos, como uma quina feita de duas tábuas ou um pedaço de carpete velho. 

Caladão, o fotógrafo nem lhes dirigia a palavra. A tensão só se dissipava quando os personagens — que incluíam, ainda, da musa do cinema Audrey Hepburn ao compositor russo Igor Stravinsky — viam o resultado. “As pessoas se sentiam ofendidas, mas depois amavam”, diz Jeff L. Rosenheim, chefe do setor de fotografia do museu Metropolitan e curador da mostra Irving Penn: Centenário. É irônico que um dos atrativos da magnífica retrospectiva que chegará na terça-feira 21 ao Instituto Moreira Salles, em São Paulo, depois de passar pela instituição nova-iorquina e por Paris e Berlim, seja uma réplica do cenário onde Penn humilhava, ops, fotografava estrelas. Ao fazer as próprias fotos, o público poderá atestar o efeito do palco despojado.

Selfies à parte, é um privilégio degustar as cerca de 240 fotografias espalhadas por dois andares da sede do Moreira Salles na Avenida Paulista. Irving Penn foi nome decisivo na criação da fotografia de moda moderna. Ao longo de seis décadas, desde o fim dos anos 40 até perto de morrer, sua grife visual era inescapável. Mas o homem foi muito maior: com formação vigorosa e inquietude quase renascentista, Penn pôs abaixo a fronteira entre a atividade editorial e a arte, ao explorar a grande tradição do retrato, a natureza-morta, o minimalismo e a experimentação inovadora de técnicas e materiais.

Mundo exótico - Guerreiros aborígines da Nova Guiné: para além da moda, a obra de Penn tem imenso valor etnográfico


Palco iluminado - Ensaio com Lisa Fonssagrives: após fotografar a beldade sueca, o artista se apaixonaria por ela

A inquietação fica patente em sua trajetória como retratista. Penn começou a desbravar o gênero durante uma viagem ao Peru. Depois de produzir um ensaio de moda, ele despachou a modelo de volta para os Estados Unidos e viajou até Cusco, a cidade inca encarapitada nos Andes. Lá, alugou o estúdio precário de um fotógrafo local e tomou o lugar deste no ofício de fazer retratos pagos de cidadãos comuns. “Como não falava uma palavra de quíchua ou espanhol, ele desenvolveu seu método de dirigir as sessões apenas com intervenções físicas, arrumando cada pose com as próprias mãos”, diz Rosenheim. Mais tarde, a mesma estratégia seria aplicada às tantas celebridades que Penn fotografou. “À maneira dos grandes pintores do passado, ele demonstrou que um grande retrato nasce da interação entre a personalidade do personagem e a do artista”, diz o brasileiro Sergio Burgi, coordenador do IMS.

É tudo pose - Mulheres do Benim: interação entre fotógrafo e personagens



Ás do retrato - O cartunista Saul Steinberg (1914-1999) de máscara: humor


Penn realizou uma série de trabalhos de imenso valor sociológico e ­etnográfico. Em viagens pelo Marrocos, Benim e Nova Guiné, montava uma tenda no meio do nada e fazia retratos dos nativos com seu cenário clássico. Mesmo quando registrava modelos, Penn não deixava de experimentar. Nos intervalos das sessões, fazia ensaios com trabalhadores urbanos, seguindo a tradição dos retratos de ofícios, que vinha dos gravuristas e fotógrafos do século XIX. Nos passos do francês Henri Matisse (1869-1954), seu pintor favorito, fez também imagens de nus cuja estranheza é o oposto do ideal de beleza dos editoriais de moda. Até bitucas de cigarro que catava na rua viraram tema de naturezas-mortas minimalistas, que preenchem uma sala surpreendente da exposição. Num ensaio, Penn conheceu aquela que seria sua mulher: a modelo sueca Lisa Fonssagrives, beldade que protagonizou algumas de suas melhores imagens de moda. O homem era quietão, mas não dormia em serviço.

Irving Penn: Centenário
Instituto Moreira Salles –  Av. Paulista. 2424 - Bela Vista, São Paulo - SP, 01310-300; Tel.: (11) 2842-9120
De 21 de agosto a 18 de novembro
Terça a domingo (exceto quintas), das 10h às 20h. Quinta, das 10h às 22h. Última admissão 30 minutos antes do horário de encerramento

Fonte: Marcelo Marthe, Revista Veja, Ed. 2596

(JA, Ago18)

terça-feira, 8 de maio de 2018

Exposição no Metropolitan mostra poder da igreja na moda



Evento reúne peças de estilistas feitas sob influência do catolicismo e tesouros do Vaticano


Manto de seda dourada de Yves Saint Laurent veste a Virgem
 A Virgem veste Yves Saint Laurent. Na ala de esculturas medievais do Metropolitan, seu manto de seda dourada brilha sob os holofotes, um dos pontos altos da exposição do museu nova-iorquino sobre como o imaginário católico influenciou a moda.


O look extravagante criado por esse estilista francês foi mesmo desenhado para vestir a imagem da santa no altar de uma igreja, mas ressurge agora entre outras representações de Maria ao longo dos séculos e criações de outros gigantes da moda para fins menos divinos, dos desfiles nas passarelas às noites na boate.

Na maior mostra de vestimenta de toda a sua história, com 150 looks dos maiores estilistas do último século e 40 peças que jamais haviam deixado a sacristia da Capela Sistina, em Roma, o Met parece querer provar que os papas, como os artistas, são os mais fervorosos devotos da beleza.

Não é uma beleza sem culpa. É fato que alguns homens no comando do Vaticano já declararam indecentes certos luxos excessivos na indumentária, mas esse nunca foi um problema para esses estilistas.

Nem para o museu, que arma em torno de ‘Heavenly Bodies’, corpos celestiais, como batizou a exposição, um dos maiores espetáculos. É desses momentos —deslumbrantes e cafonas— que só a união do marketing das maisons, a indústria das celebridades e uma coleção de arte estonteante pode orquestrar.

Toda organizada em torno do baile de gala anual comandado por Anna Wintour, a todo-poderosa editora da Vogue americana, o evento tem como espécie de embaixatrizes a cantora pop Rihanna e a estilista Donatella Versace.
Criação do estilista Gianni Versace


São do irmão desta última, aliás, os looks reluzentes que abrem a mostra. No alto de pedestais, manequins com peças metalizadas que Gianni Versace desenhou há duas décadas inspirado pelos mosaicos de antigas igrejas italianas são como sentinelas de olho nas peças de arte bizantina naquela ala do Metropolitan.

Jaqueta com cruz de couro dourado cravejada de cristais sobre o peito, do francês Chirstian Lacroix


Mais adiante, uma jaqueta de couro do estilista tem cruzes douradas com pedras preciosas que lembram os objetos de culto dos altares. Outra peça parecida, criada por Christian Lacroix, está exposta logo ao lado, com uma cruz de couro dourado cravejada de cristais sobre o peito.


Mas o que surge nas galerias seguintes é bem mais memorável. Peças do francês Jean Paul Gaultier, um dos nomes mais irreverentes da moda, dominam uma ala da exposição estruturada como uma procissão, criando um paralelo entre rituais católicos e o aspecto teatral das passarelas.

Lá está um vestido de seda preto com um ícone bordado que abre e fecha, como os relicários dos altares ou trípticos medievais. Quando abertas, as abas de tecido revelam uma imagem de Cristo ao mesmo tempo em que emolduram os seios de quem veste, criando um decote sagrado e profano.
Vestido criado por Pierpaolo Piccioli para a Valentino, 2017


No centro da galeria, como bispos e cardeais desfilando pela nave da igreja, estão modelos mais etéreos, como um vestido criado no ano passado por Pierpaolo Piccioli para a Valentino, uma enorme onda de tecido vermelho que lembra rubros mantos clericais.




Toda essa leveza, no caso, tem a ver com a ascensão —no sentido religioso— da Virgem Maria. Noutro ponto dramático da exposição, um manequim preso no alto de um arco na entrada da galeria veste um look branco e azul-celeste de Thierry Mugler.

Nos anos 1980, o estilista francês vestiu uma modelo com a peça e a pendurou do teto sobre uma nuvem de gelo seco como o fim triunfal de um de seus desfiles em Paris.

Mas, enquanto vestidos se esforçam para construir uma sensação de riqueza, o verdadeiro núcleo duro do luxo na mostra está em duas galerias no subsolo do Metropolitan.

Nessa espécie de cripta, estão as joias do Vaticano —tiaras e crucifixos de ouro cravejados de diamantes, pérolas, safiras, esmeraldas e cristais.



Mais impressionante das peças, a tiara papal usada por Pio 9º tem 19 mil pedras preciosas em três níveis de adornos, um bolo de noiva a traduzir todo o poder eclesiástico.

Os mantos bordados de seda colorida feitos no século 19 para o mesmo papa têm efeito visual parecido, com fios reluzentes que dão um aspecto quase holográfico aos episódios bíblicos retratados neles.

Mesmo peças menos extravagantes ilustram a relação do Vaticano com os estilistas. Entre elas, a túnica e os marcantes sapatos vermelhos usados pelo papa João Paulo 2º, sinal de que moda e religião permaneceram entrelaçadas.



Texto: Silas Marti   |   FSP



(JA, Mai18)