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quarta-feira, 22 de maio de 2019

Pirâmide do Louvre, joias com a geometria


Morto na semana passada, o arquiteto I. M. Pei agradou sem nunca se render a modismos


I.M. Pei (esq.) diante de sua mais famosa criação, a pirâmide do Louvre, em Paris, ao lado do então ministro da Cultura da França, Renaud Donnedieu 

Não é sempre que se recebe a ampliação do Louvre como encomenda. Mais que um aumento, era necessária uma profunda reorganização dos acessos e da circulação do museu que no início dos anos 1980 dava sensação caótica e de certo enfado ao público.

A instituição parisiense guarda e apresenta mais que uma miríade de obras-primas, mas não nos esqueçamos de que ela ocupa um colossal palácio, um edifício com séculos de existência que não foi concebido para ser museu, mas para abrigar uma corte.

E coube ao chinês Ieoh Ming Pei intervir na construção que encarna o clímax da cultura ocidental. O arquiteto, morto na semana passada, estudou e desenvolveu toda a sua carreira nos Estados Unidos.

A escolha de um não francês já detonaria polêmicas no país, porém nada bate o desafio de pensar algo para um lugar que milhares de arquitetos e críticos de todo o mundo têm uma opinião a dar a respeito. O que fosse feito passaria por um escrutínio global.

I. M. Pei, como ficou conhecido, apostou alto e propôs um novo ícone para a capital francesa já bem sortida de ícones —o projeto do Louvre parte de uma pirâmide de vidro.


Vista da pirâmide, emoldurada arco do Carrousel do Louvre

Ele convoca uma tipologia arquitetônica de milênios de existência e aplica nela a tecnologia e os materiais de sua época —uma estrutura com múltiplas hastes metálicas muito delgadas que conformam uma volumetria recoberta por transparentes e leves peças de vidro. O uso do material, aliás, marcou seus projetos anteriores, entre eles a Biblioteca Presidencial de John F. Kennedy, em Boston.

Em Paris, Pei fez uma joia delicada com um simples sólido geométrico. Há o caráter simbólico de criar uma preciosidade reconhecida tanto por críticos quanto pelo público.


I.M. Pei em foto de 2004, durante homenagem recebida em Nova York

O êxito do arquiteto é também notável em termos operacionais. Seu projeto ocupa, em grande medida, o pátio frontal do Louvre, diante do jardim das Tulherias, e ponto inicial do grande eixo parisiense que dará na Champs-Élysées e no Arco do Triunfo.

Antes da intervenção, esse pátio era ocupado como um estacionamento do museu, o que transformava de início a visita numa experiência labiríntica e confusa. O Louvre é um imenso palácio composto por diversas alas com muitas salas sem saída e de retorno obrigatório. Para além de gerar um confortável acesso contemporâneo de sofisticado acabamento, I. M. Pei liga o núcleo do museu à circulação dos diferentes lados.

A solução funcional ganhou ampla simpatia com o passar dos anos. Após a inauguração deste Louvre renovado em março de 1989, o sino-americano recebeu o título de oficial da Ordem Nacional da Legião da Honra da França em 1993, do presidente François Mitterrand.


Pirâmide do Louvre, construída por I.M. Pei


I. M. Pei faz parte de um peculiar grupo de grandes arquitetos que ao analisarmos detidamente seu principal projeto conseguimos verificar as qualidades presentes em todo o seu conjunto de obras. A descrição das virtudes de sua intervenção no Louvre é visivelmente aplicável aos projetos da ala leste da National Gallery, obra de 1978 em Washington, e do Museu e Hall da Fama do Rock’n’Roll, realizado em 1995 em Cleveland.

Sem se deixar cair em modismos pós-modernos nas décadas de 1970 e 1980, Pei se manteve próximos dos princípios dos mestres modernos Walter Gropius e Marcel Breuer, com quem teve aulas nos Estados Unidos.

Desde a abertura de seu escritório em 1955, o arquiteto esteve sempre atento ao emprego da tecnologia de ponta da época, o que se vê nas várias torres de vidro que projetou na carreira. Foi, assim, um arquiteto requisitado tanto em encomendas governamentais para edifícios públicos quanto pelo mercado imobiliário.

Recebeu a maioria das principais láureas que um arquiteto pode ganhar, como o prêmio Pritzker, em 1983, e a medalha de ouro do Riba, o Instituto Real de Arquitetos Britânicos, em 2010.

Seu canto do cisne foi o Museu de Arte Islâmica, em Doha. Já projetado em coautoria com seus filhos, Chien Chung Pei e Li Chung Pei, o edifício é fruto da apropriação e do empilhamento de formas do islã. A síntese obtida no Louvre foi perdida, mas as referências simbólicas foram multiplicadas ali.






Fonte:  Francesco Perrota-Bosch    |   FSP



(JA, Mai19)



segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Mostra em Nova York traça retrato íntimo de Michelangelo


Vermelho talvez seja a cor mais lembrada pelos que saem da mostra de Michelangelo agora no Metropolitan. Não um vermelho vivo, mas o tom opaco do giz, algo entre a carne e o mármore. Seus anjos, homens e monstros tomam forma aos poucos, em traços vaporosos, nos mais de cem desenhos dessa exposição.

Em grande parte estudos e esboços, essas obras reunidas até o mês que vem, em Nova York, revelam os métodos e a arquitetura secreta por trás dos trabalhos de um dos maiores artistas da história.
Suas figuras ali mudam de posição e escala -montanhas de músculos sobre a folha de papel que lembram às vezes deslizamentos de terra quando o artista mudava de ideia sobre seus contornos e não apagava versões anteriores.
Nesse sentido, estar diante desses trabalhos é como observar o mestre renascentista em seu ateliê, uma intimidade reforçada pela escala das obras. Esses pequenos desenhos ficam quase na penumbra –frágeis demais para aguentar um holofote– e exigem que os espectadores cheguem muito perto deles.
É esse contato com os mínimos detalhes que acaba revelando a monumentalidade de sua obra. Morto aos 88, em 1564, Michelangelo atravessou um momento de transformação na história da arte em que o desenho e a perspectiva se tornavam os alicerces inabaláveis de um universo retratado à base da fricção entre a anatomia e a geometria.
Escultor, arquiteto e anatomista, Michelangelo trabalhava sobre a folha de papel como quem construía um mundo real e físico, os traços como linhas mestras de algo que poderia ter vida própria.
E essa mostra deslumbrante do Metropolitan revela os momentos em que as figuras deixam de ser abstrações ou coisas mentais para respirar pela primeira vez –músculo por músculo, fibra por fibra.
Em sequências quase cinematográficas, em que um traço se sobrepõe a outro até as linhas tomarem corpo em esboço atrás de esboço, surgem figuras como o Adão do teto da Capela Sistina, um jovem arqueiro, os soldados amontoados da batalha de Cascina e coleções de braços, pernas, mãos, pés e olhos, como um catálogo de corpos infinitos.
Michelangelo, que desenhava seus homens começando pelas pernas fortes como colunas de sustentação de um templo, não escondeu o desejo que sentia pelo corpo masculino, um encanto por formas e volumes robustos que frequentam sua obra dos primórdios até o fim.
O número estonteante desses desenhos reforça essa impressão, mas outra ala belíssima da mostra, onde estão retratos de alguns dos homens pelos quais Michelangelo se apaixonou, revela como o artista também se deixou levar por emoções e sentimentos que vão além de um estudo anatômico cerebral.

Seu retrato do jovem aristocrata Andrea Quaratesi, que parece olhar para o artista que o desenha, é de uma força sublime. Em vez de músculos, é um rosto delicado, de espontaneidade chocante, que domina o quadro.
Toda a dureza arquitetônica de Michelangelo se dissolve nesses retratos ao mesmo tempo firmes e reticentes, como se fosse mais fácil desenhar deuses musculosos em torções dramáticas do que fixar o poder desarmado do olhar desses jovens amantes.
Tanto que em seus esboços quase nunca aparecem rostos. Enquanto pernas, braços, costas e peitorais têm contornos nítidos, nunca há uma face que possa dizer seu nome. É como se Michelangelo estivesse mais à vontade com a pedra do que com a carne que tentava imitar no mármore.


MICHELANGELO
QUANDO de dom. a qui., 10h às 17h30; sex. e sáb., 10h às 21h; até 12/2
ONDE Metropolitan, 1.000 5th Ave., Nova York; informações em www.metmuseum.org
QUANTO US$ 25 (ou R$ 78,50)
AVALIAÇÃO ótimo


Texto: Silas Marti
Imagens:   ‘Retrato de Andrea Quaratesi’, esboço concluído em 1534 por Michelangelo
                  ‘Punição de Tício’
                  ‘Estudos para a Sibila Líbia no Teto da Capela Sistina’



(JA, Jan18)