terça-feira, 26 de março de 2019

Mostra aborda conquista do território pela lente de Marc Ferrez



Famoso por fotos do Rio, fotógrafo viajou pelo país para trabalhos científicos

 
‘Píncaro do Itatiaia, 1875. Ponto culminante do Império do Brazil; 2.712 metros sobre o nível do mar’, diz a legenda da fotografia.



O registro, pendurado em uma das paredes do IMS Paulista, é uma das imagens feitas pelo fotógrafo carioca Marc Ferrez no âmbito da Comissão Geológica criada naquele ano por dom Pedro 2º.


A conquista dos domínios do imperador acompanhada do registro da ciência, dentro do melhor espírito do século 19, é uma parte do que recupera a exposição ‘Marc Ferrez: Território e Imagem’

Entrada da Baia de Guanabara, Niteroi-RJ, ~1890


 Estão na mostra, sim, os líricos registros da baía de Guanabara e do Rio com seus cumes arredondados, pelos quais Ferrez é lembrado.

Mas, sobretudo, a exposição em cartaz a partir desta terça (26) mostra a interação entre o trabalho de Ferrez com os avanços da ciência, enquanto tema, e com a tecnologia da imagem, à qual esteve sempre atento e cujo progresso no Brasil ajudou a impelir.

A trajetória de Ferrez, diz Sergio Burgi, coordenador da área de fotografia do IMS e curador da mostra, se confunde com a história da imagem.

Ferrez nasceu no Rio em 1843, ‘quatro anos após a descoberta da daguerreotipia’, processo fotográfico pioneiro, lembra o curador.

No lapso de seus quase 80 anos de vida —morreu em 1923—, viajou o país ao lado de cientistas, modificou câmeras para o registro de grandes panoramas,  e fez experimentos em autocromia, técnica para produzir imagens coloridas que durou todo o primeiro terço do século 20, criada pelos irmãos Lumière.

Foi também um dos responsáveis pela introdução da invenção mais famosa dos Lumière no Brasil: com seus filhos, a partir de 1907, participou da nascente atividade cinematográfica no país.

A exposição segue um viés cronológico, mas como linha tênue para compreender a relação da vida do artista com as inovações que traria a virada do Império para a República.

Os registros dos primeiros seis anos da atividade do fotógrafo se perderam em grande medida no incêndio de seu estúdio, em 1873.

Uma parte do que se salvou ocupa uma parede e uma vitrina da primeira sala; Burgi destaca o fato de que todas as tiragens da mostra são originais, preservando a forma de apresentação escolhida por Ferrez para as imagens.

O trabalho de Ferrez aparece ao lado de fotos de contemporâneos seus, como Militão Augusto de Azevedo.

Jardim no Passeio Público, Rio de Janeiro, ~1900

Aparecem aqui também os registros idílicos da paisagem do Rio. ‘É o mais conhecido, mas você percebe que isso se dá depois do processo de trabalho de uma câmera que percorre o território’, diz Burgi.

No ano seguinte à destruição de seu estúdio, Ferrez conseguiu se reequipar, indo para isso à França, com a ajuda de um empréstimo de um amigo, Claudio Chaigneau.

Próximo de engenheiros, Chaigneau pode ter tido um papel na indicação de Ferrez para a Comissão Geológica do Império, chefiada pelo canadense-americano Charles Frederick Hartt.

Aparecem não só registros de formações por todo o país, como o já citado pico do Itatiaia, como também da proximidade de Ferrez com cientistas; o próprio Hartt aparece em retrato tirado do álbum de família do fotógrafo.

Nesta sala, anota-se a ação de outro incêndio, o do Museu Nacional, que em setembro de 2018 destruiu boa parte do material coletado pela comissão, guardado nos acervos de Dom Pedro II na instituição.

Os materiais expostos vieram não só da coleção Gilberto Ferrez —historiador da fotografia neto de Marc—, que integra o acervo do IMS, mas também de instituições americanas como o Smithsonian.

Um dos destaques são as imagens feitas por Ferrez em diapositivo, que eram exibidas em sessões públicas por cientistas nos Estados Unidos, para onde foram levadas por outro membro da comissão, o biólogo Richard Rathbun.

Pertencentes ao Smithsonian, serão projetadas na mostra, bem como imagens pertencentes à Fundação Getty, que tem um dos álbuns remanescentes da Comissão Geológica —uma versão digital pode ser vista pelos visitantes.
Ferrez trabalharia ainda para a Marinha e as ferrovias.

Partida para colheita café, Vale Paraíba, 1885

Surgem, nessa etapa, registros impressionantes de fazendas de café. São um aspecto menos difundido da carreira de Ferrez e trazem um importante dado histórico.

Enquanto na década de 1880 a indústria cafeeira queria se vender para o mundo mostrando aspectos de modernidade, como a mecanização, resplandece o fato inequívoco de que a mão de obra era, ainda, escrava.

Ferrez se tornaria, ainda, documentarista das mudanças do Rio de Janeiro modernizado no começo do século 20.

As obras de infraestrutura urbana implementadas pelo prefeito Francisco Pereira Passos aparecem em seu ‘Álbum da Avenida Central’.

Nesta sala estão, ainda, imagens em grande formato, obtidas graças à insistência do fotógrafo em aprimorar equipamentos, como câmeras de varredura, que permitiam panoramas extensos.

Essa inquietude tecnológica se desdobra no interesse pelo cinema e na fotografia colorida —com ela, Ferrez registraria viagens e a família.


'Uma suíça, Marecottes', foto feita na Suíça, em 1915




Embora a mostra se ancore na linha da vida do fotógrafo, para compreender em detalhe sua trajetória está sendo lançado, em paralelo à mostra, o livro ‘Marc Ferrez: Uma Cronologia da Vida e da Obra’.

Pradilla Ceron, responsável pelo Núcleo de Pesquisa em Fotografia do IMS, cobre na obra lacunas sobre a trajetória de Ferrez e traz, com isso, também amplo material para a compreensão do desenvolvimento da fotografia no Brasil.


MARC FERREZ: TERRITÓRIO E IMAGEM
Quando Visita guiada com Sergio Burgi nesta ter. (26), às 18h. De ter. a dom. e feriados, das 10h às 20h; qui. até as 22h. Até 21/7
Onde IMS Paulista (av. Paulista, 2.424)
Preço Grátis



MARC FERREZ: UMA CRONOLOGIA DA VIDA E DA OBRA
Preço R$ 49,50 (160 págs.)
Autor Ileana Pradilla Ceron
Editora IMS





Texto:  Francesca Angiolillo   |   FSP


(JA, Mar19)

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