quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Museu de Artes Plásticas de Montreal, no Canadá, oferece visitas como tratamento de saúde


Instituição canadense oferece a médicos 50 ingressos por ano, que poderão ser repassados a pacientes


Homem visita museu de artes plásticas no Canadá, 2009

Em julho de 2017, uma comissão do Parlamento britânico lançou um relatório no qual sistematizou o resultado de pesquisas e experiências práticas no país e defendeu o uso da arte como parte da estratégia no campo da saúde pública. Em um trecho, o relatório afirma que:


‘Os maiores desafios para os sistemas de saúde e seguridade social vêm de uma população envelhecendo, e a prevalência de doenças para as quais não há curas óbvias (...). Nós defendemos uma disposição informada e de mente aberta para aceitar que as artes podem representar uma contribuição significativa, para lidar com uma série de desafios que nossos sistemas sociais e de saúde enfrentam.’ (Relatório ‘Arte criativa: as artes para saúde e bem-estar’, do Grupo Suprapartidário para Artes, Saúde e Bem-estar)
Esse ponto de vista não é defendido apenas no Reino Unido. A partir do dia 1º de novembro de 2018, o Museu de Artes Plásticas de Montreal, no Canadá, pretende implementar uma medida que emprega a fruição de arte como parte do tratamento de saúde, em um plano-piloto com duração de um ano.
O museu distribuirá ingressos a membros interessados da Médecins Francophones du Canadá, uma associação médica que tem como objetivo difundir práticas de medicina humanizada no país. Cada um poderá retirar até 50 ingressos por ano, e distribuí-los para seus pacientes.
Em nota, a diretora do museu Nathalie Bondil afirmou que as visitas devem ser oferecidas a pacientes com problemas de saúde física ou mental, que podem se beneficiar de ‘um lugar acolhedor, relaxante, revitalizante, e uma oportunidade para fortalecer seus laços com as pessoas que amam’. Aos céticos, afirmou que:
‘Estou convencida que, no século 21, a cultura será aquilo que a atividade física foi para a saúde no século 20. Experiências culturais irão beneficiar a saúde e o bem estar, assim como esportes contribuem para a boa forma. Céticos devem se lembrar que, há apenas cem anos, acreditava-se que esportes distorciam o corpo e ameaçavam a fertilidade de mulheres’.

Fonte: André Cabette Fábio   |   =Nexo

(JA, Out18)

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Mostra de Lasar Segall evidencia obras raramente vistas pelo grande público

Transformações cromáticas da carreira do modernista lituano dão o tom a recém-inaugurada exposição no Sesc 24 de Maio

Bananal', óleo sobre tela de 1927

Pintor lituano formado dentro do expressionismo alemão, Lasar Segall desembarcou no Brasil em 1924 para se tornar um dos nomes mais importantes do primeiro modernismo.
Sem abandonar os princípios europeus que o formaram, desenvolveu uma trajetória em que temas e tipos brasileiros convivem com questões de ordem universal, como angústia, migrações e destruição, num percurso marcado pelo impacto das duas guerras mundiais.
É um pouco dessa conversa entre Brasil e Europa, local e universal, que o Sesc 24 de Maio apresenta, com uma reunião de 87 pinturas e seis desenhos, além de fotos e documentos. Quando o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, autor do edifício do Sesc, comemora 90 anos, seu filho Pedro assina uma expografia que divide a mostra em quatro grandes blocos, pensados como quarteirões de uma cidade. A herança moderna está em festa.
Voltando a Segall: modernista da chamada fase heroica, ao lado de Anita e Tarsila,  ele foi um dos responsáveis por transformar a cena paulista, rompendo com o naturalismo e a tradição acadêmica.
Menino com Lagartixas, 1924,

Mãe Negra Entre Casas, 1930

Dez anos depois da última grande exposição do pintor (no Centro Cultural Fiesp, com curadoria de Tadeu Chiarelli), a curadora Maria Alice Milliet desenvolveu uma retrospectiva em que o uso da cor está no foco de atenção. São as transformações cromáticas ao longo da trajetória de Segall e seu caráter fortemente emocional que a levaram aos quatro núcleos que compõem a mostra.
‘Com a vinda ao Brasil, Lasar Segall sofre o impacto do sol, da luz tropical que aquece sua pintura’, explica Milliet. Para ela, os deslocamentos populacionais retratados pelo artista nos anos 1940 conversam diretamente com a atualidade do centro em sua diversidade e convivência de imigrantes coreanos, africanos, bolivianos e paraguaios.
Aldeia Russa, realizado entre 1917-1918
‘A atualidade, infelizmente, mora também nas cenas de populações sem rosto, vítimas de perseguição, intolerância e de regimes totalitários’, completa a curadora.
Dois Nús, 1930
Preocupada em criar uma narrativa acessível ao público de mais de 10 mil pessoas que circulam por dia pelo Sesc, Milliet encomendou um vídeo, projetado em grandes dimensões na parede, que detalha em alta resolução os esquemas cromáticos utilizados pelo pintor.
Se a pintura requer um tempo mais distendido de contemplação, o vídeo, para ela, é a mídia ‘de hoje’ que garante uma empatia mais imediata.
Desenvolvida em parceria com o Museu Lasar Segall, a mostra conta com boa parte do acervo da instituição, mas também com pinturas de coleções particulares raramente expostas ao público. Desde que Segall se tornou um dos nomes mais valorizados do mercado de arte, seus colecionadores costumam guardar o tesouro a sete chaves.
Ao longo da exposição estão ainda pinturas pinçadas a dedo de outros modernistas —Portinari, Anita, Tarsila—, que ajudam a mostrar os diálogos estabelecidos na época.

Desenhos originais do caderno Visões de Guerra, realizado entre 1940-1943

Entre as obras mais delicadas está a série de desenhos de cenários, com fantasias e elementos decorativos que desenvolveu para os bailes de Carnaval da Sociedade Pró-Arte Moderna, entidade que congregou boa parte dos modernistas a partir de 1932.
Vale prestar atenção ainda na delicadeza dos troncos de árvores que Segall pintou já no final da vida —florestas de cores suaves que o aproximam ainda que brevemente da abstração. Encarar a realidade (da pobreza, da guerra, da injustiça) ou escapar dela (pela festa, pelo sonho, pela natureza) é afinal um dos grandes dilemas da arte, para não dizer da vida. Segall fez os dois.

LASAR SEGALL: ENSAIO SOBRE A COR
Quando Até 5/3/19.
Onde Sesc 24 de Maio ( r. 24 de Maio, 109).
Preço Grátis


Fonte:  Gabriela Longman   |   FSP

(JA, Out18)

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Senhor de 86 anos tricota gorrinhos para bebês prematuros de UTI em seu tempo livre





   
Um senhor americano aposentado de 86 anos chamado Ed Moseley está chamando a atenção da internet por uma razão muito especial. Ele aprendeu sozinho a costurar e em seu tempo livre se dedica a fazer gorrinhos para bebês prematuros da UTI neonatal do Hospital Northside, em Atlanta.
Moseley vive em um lar de idosos, no estado americano da Georgia. Quando o lar abriu um programa de extensão para costurar gorrinhos para recém-nascidos, ele não pensou duas vezes em se inscrever, mesmo sem nunca ter tricotado antes na vida.
‘Eu pedi à minha filha para me comprar um kit e ela veio com as ferramentas certas para tricotar’, disse Moseley à ABC News. ‘Eu apenas segui as instruções. Foi fácil. Eu nunca havia tricotado, e sempre associava tricô a um monte de agulhas, mas isso parecia bastante factível para mim. Eu passei por dois ou três antes de conseguir um gorrinho realmente bem acabado’.
Moseley atualmente já fez mais de 350 gorrinhos e se diz muito feliz por poder ajudar outras pessoas enquanto também encontra uma nova ocupação para si mesmo.
Segundo o site ACJ, além dos gorrinhos, ele também ajudou a montar kits de higiene pessoal para mulheres e crianças carentes, além disso tricota gorrinhos para aqueles que pedem, sem cobrar por isso.
Inspirados pela atitude de Moseley, muitos colegas residentes e demais equipe do asilo o ajudaram em seu projeto.
Para os pais das crianças internadas, o ato desse senhor é realmente importante:
‘Significa muito para nós, porque este é o nosso segundo período na UTI’, disse Doug Bunt, pai de uma das crianças. Temos uma menina de 5 anos que passou 54 dias lá em cima. É muito bom saber que existem outras pessoas que estão pensando no bem-estar desses bebês, nossos bebês. O fato de esse homem estar tirando um tempo do seu dia para ajudar as crianças realmente significa muito para nós’.
Para o Northside Hospital, que cuida de cerca de 2.000 bebês prematuros a cada ano, toda atitude de caridade é muito valorizada:
‘É ótimo receber esses presentes maravilhosos’, disse Linda Kelly, gerente clínica do berçário de cuidados especiais.
‘Um presente deixado ao lado da cama ou uma enfermeira colocando o chapéu na cabeça do bebê, faz esse lugar parecer menos um hospital’, continuou. ‘É importante que as famílias vejam o  bebê como um bebê e não como um paciente, e isso ajuda muito nesse sentido’.
Moseley se mostra muito feliz com essa grande oportunidade de fazer o bem para crianças e suas famílias:
‘Quando alguém aprecia algo que você faz, isso faz com que você se sinta bem, naturalmente’, disse. ‘Eu me diverti muito fazendo isso e agora me tornei mais experiente. Estou fazendo gorrinhos para todos os   Meus netos: pedaços do céu que a vida me deu' - uma mensagem dos avós para os seus netos.
                                                     

Fonte: Luiza Fletcher   |   O Segredo



(JA, Out18)

sábado, 20 de outubro de 2018

O desenho de Lasar Segall

 'Estudo para Album Bubu', ~1921


 “É no desenho que o pintor apresenta um reflexo mais profundo de sua sensibilidade.”  (Lasar Segall)

Ao expor um acervo que por suas qualidades intrínsecas – um desenho terá quase sempre dimensões reduzidas, e será, por isso mesmo, armazenado de forma mais velada – permanece na maior parte do tempo guardado nas gavetas das mapotecas, acessível aos olhos de poucos, a presente mostra busca oferecer um panorama das atividades empreendidas por Lasar Segall (1891-1957) sobre o papel.


O desenho, e aqui entendemos o desenho de modo bastante livre, constitui um momento ímpar da produção segalliana. Resultado dúplice da periferia e do centro, Segall preocupou-se, ao longo de toda a sua vida, da infância em Vilna às duas últimas décadas vividas no Brasil, passando pelos estudos realizados nas academias alemãs e sua associação a movimentos europeus de vanguarda, com os problemas formais e expressivos da produção artística: o papel constituindo o espaço por excelência dessas pesquisas. Podemos entrever, nos mais de 2400 desenhos que integram o acervo do Museu Lasar Segall, sua constante batalha e ‘obstinação realizadora’, à guisa da luta de Jacó com o anjo, na procura de um caminho visual próprio, conservando para tanto, como ele mesmo disse, ‘muito abertos os olhos’.

Organizada a partir de uma cronologia flexível, a exposição apresenta lado a lado e de maneira não-hierárquica uma seleção de trabalhos, alguns assinados, outros estudos, exercícios acadêmicos e anotações visuais, todos pertencentes ao acervo do Museu, no intuito de evidenciar as diversas formas e estratégias de apropriação do espaço cândido do papel empreendidas pelo artista. Todos eles, da mais singela anotação ao mais acabado desenho, nos revelam suas inesgotáveis possibilidades expressivas e seu extraordinário virtuosismo técnico.


Poderíamos dizer que a exposição O desenho de Lasar Segall constitui um roteiro abstrato de sua biografia criativa, em que angústias e preocupações estéticas encontram-se sobrepostas aos acontecimentos e narrativas de sua vida.
É importante dizer que as balizas dessa biografia criativa estão aqui representadas por obras raras vezes escolhidas para exemplificá-las. No entanto, ao organizarmos a mostra com base no desenho, forma de definição transitória, como diria Mário de Andrade, direta e por isso mesmo dotada de risco, esperamos revelar não somente o grande artista que foi Lasar Segall, mas também um pouco da realidade de suas aspirações. Como o poeta e filósofo da antiguidade clássica Lucrécio escreveu em De rerum natura [Da natureza das coisas]:
“É mais útil observar um homem em momentos de perigo, e julgá-lo na adversidade; pois é então que do peito rompem-lhe as verdades e tomba sua máscara, deixando às claras a realidade.”

‘O Desenho de Lasar Segall’
Museu Lasar Segal – Rua Berta, 111, Vila Mariana, São Paulo –SP
De 20 de Outubro de 2018 a 17 de junho de 2019
De qua. a seg., das 11h às 19h


Fonte: Giancarlo Hannud, Curador e Diretor do Museu Lasar Segall

(JA, Out18)

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Quem é a autora do cartaz da Mostra de Cinema de SP



Pôster da 42ª edição do festival de cinema que começa em 18 de outubro, em São Paulo, foi criado pela artista americana Laurie Anderson
Artista Laurie Anderson, em 2013

 O cartaz da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece de 18 a 31 de outubro de 2018, leva a assinatura e produção da artista multimídia, cantora e cineasta americana Laurie Anderson.
A mostra também recebe a instalação em realidade virtual ‘Chalkroom’, montada em um anexo do CineSesc, na rua Augusta. A instalação já esteve na programação do Festival de Veneza.  
Cartaz da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, assinado por Laurie Anderson
Nela, o visitante pode percorrer várias câmaras, guiado pela narração de Anderson transmitida em um fone de ouvido, enquanto palavras, desenhos e histórias flutuam como inscrições de uma lousa que cobre o ambiente.
O trabalho é somente um dos exemplos do trabalho de vanguarda de Anderson.
Ela foi uma das pioneiras da arte multimídia: começou a realizar performances e instalações, incorporando a tecnologia aos seus trabalhos, em uma época em que nenhuma dessas práticas fazia parte do mainstream artístico. 
Também se tornou uma improvável estrela pop na década de 1980, lançando álbuns musicais e fazendo apresentações que a tornaram uma das primeiras artistas do contexto nova-iorquino em que se fixou a alcançar um certo nível de sucesso comercial.  

https://youtu.be/Vkfpi2H8tOE

Em uma reportagem de 1983 para a New York Times Magazine, o jornalista e crítico Don Shewey escreveu que Anderson ‘personifica tanto o componente de arte visual da performance quando seu aspecto multimídia’.
‘Ela é uma fotógrafa e escultora talentosa e ainda toca violino e instrumentos de teclas em suas performances, fala-cantando em uma voz marota e amigável, sempre traz consigo uma tela gigante como pano de fundo, em que projeta os slides e filmes que suprem a dimensão visual de suas composições’, escreveu Shewey.
Essas obras visuais, produzidas por ela mesma, às vezes ilustram mas quase sempre estabelecem simplesmente uma relação poética com as músicas.
Para o performer americano Tim Miller, artista de uma geração mais jovem do que a de Anderson – para a qual ela já era uma referência – disse em 1983 ao jornalista que Laurie Anderson era importante por ser ‘popular, mas épica; do mundo do espetáculo, mas vanguardista’.
Trajetória
Nascida em 1947 em um subúrbio de Chicago, em uma família abastada, de muitos irmãos, Anderson estudou história da arte na tradicional Barnard College de Nova York, no final da década de 1960. Explorou a escultura e a música antes de se voltar para a performance.
Musicista desde a infância, quando aprendeu a tocar violino, a artista inventou instrumentos, como um violino que substituía o arco convencional por um pedaço de fita de áudio, com o qual compôs canções e peças musicais. 
Sua primeira aparição como artista de performance consistiu em orquestrar uma sinfonia de buzinas de carro em um drive-in com concha acústica. Em outro trabalho da época, a artista tocava violino usando patins acoplados a blocos de gelo. A performance terminava quando o gelo derretia. Uma entre dezenas de jovens artistas de performance em atividade nos EUA da década de 1970, Anderson fez parte do circuito de artistas que participavam de performances coletivas em um espaço em Nova York chamado Kitchen.
A aparição da artista em um evento chamado Nova Convention, um tributo ao escritor William S. Burroughs em 1978, em Nova York, é considerado o ponto de virada de sua carreira. Estavam presentes poetas, como Allen Ginsberg, compositores como John Cage e Philip Glass, nomes do punk como Patti Smith e artistas de performance.
Com um filtro eletrônico que tornava sua voz parecida com o coaxar de um sapo, ela apresentou um monólogo que fazia parte de sua performance ‘United States’.
Inspirada pelos punks com a possibilidade de experimentar com uma banda de rock, Anderson se aproximou cada vez mais do mundo da intermídia, domínio que já vinha sendo explorado por outros artistas interessados em explorar diferentes disciplinas.
Apesar de não ter criado esse modelo, ela o levou para um público maior do que seus antecessores.
As performances, músicas e instalações de Anderson são frequentemente autobiográficas e, segundo o perfil da artista no site Art History, estimulam uma sensação de intimidade com o público, através da voz de Anderson. Seu tom característico é meditativo e calmo.
Apesar disso, seu trabalho frequentemente contém conteúdo político e envolvimento em questões sociais. Possui, além disso, uma estética futurista, próxima da ficção científica.
Influência
Tecnologia + Arte
Inovações tecnológicas são peças-chave do trabalho de Anderson desde a fase inicial de sua carreira, na década de 1970, quando experimentou com diferentes tecnologias de áudio, projeções e iluminação cênica.
Esses experimentos introduziram um novo vocabulário estético nas galerias e espaços de performance americanos. Ela segue inovando com experimentações digitais mais recentes, que envolvem realidade virtual e som binaural.
Performance
 O trabalho de Anderson foi particularmente significativo para o desenvolvimento da performance na arte do século 20.
Na década de 1980, a artista passou a introduzir elementos teatrais – como o cuidado com o cenário, atuação extensamente ensaiada e repetição de apresentações – em um ‘medium’ até então predominantemente espontâneo e ‘faça você mesmo’.
Música Eletrônica
Fusão de eletrônica e jogo de palavras, a música de Anderson se realiza plenamente quando apresentada ao vivo.
Seu uso pioneiro de sintetizadores, vocoders e samples em seus álbuns da década de 1980 exerceu enorme influência sobre a música eletrônica, e são citados com frequência por outros músicos, porque chegaram a tocar em emissoras comerciais de TV e rádio.

Fonte:  Juliana Domingos de Lima    |    Nexo Jornal

(JA, Out18)

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Inspirada em poema de Maya Angelou, Sonia Gomes cria com madeira e tecidos


Masp exibe 30 obras inéditas da artista, que diz ser o momento para tratar de questões raciais
Inspirada em poema de Maya Angelou, Sonia Gomes cria com madeira e tecidos. Foram realizadas neste ano, a pedido do diretor artístico do museu, Adriano Pedrosa.
‘Sabia que o título da mostra ia suscitar questões. É uma frase muito poética, que serve para qualquer pessoa, porque estamos caindo e levantando o tempo todo diante das dificuldades da vida. Gosto dele pelo momento que estamos vivendo —é a hora de falarmos de questões raciais’, diz a artista.
O ativismo explícito emprestado de Angelou para o nome da exposição aparece de maneira diferente, muito mais sutil, nos trabalhos que estarão na mostra.
Esculturas de Sonia Gomes
'Correnteza', da série Raiz, 2018



Acordes Naturais, 2018

NT,  2018, Escultura de costura, amarrações em tecido, rendas diversas e madeira
'Santa',  2018

Sonia Gomes costura esculturas de próprio punho a partir de pedaços de panos encontrados em brechós ou recebidos do público, que envia os tecidos até do exterior.
Para os novos trabalhos, teve a ideia de conectar os retalhos a troncos de madeira, elemento novo em sua produção. ‘É um trabalho muito orgânico, conectado à natureza’, afirma. Ela diz procurar a abstração em suas peças.
Maya Angelou é conhecida por sua luta pela igualdade racial. Aos 17 anos, foi a primeira motorista negra de ônibus em San Francisco, e na década de 1960 viajou pela África, envolvida com movimentos de independência, além de ter convivido com Malcolm X.
‘Lido com questões poéticas, não sou ativista, de ir para a rua. O ativismo está no próprio trabalho, que carrega muita identidade negra, porque eu sou negra’, afirma a artista de 70 anos.
Sonia nasceu em Caetanópolis (MG) e formou-se em Direito antes de entrar no mundo das artes, aos 45. Alcançou reconhecimento internacional em 2015, quando foi a única brasileira convidada para a 56ª Bienal de Veneza.

Sonia Gomes: ‘Ainda Assim Me Levanto’ 
Quando Abertura: 13 de nov. Até 10 de mar. de 2019. 
Qua. a dom., das 10h às 18h. Ter., das 10h às 20h.
Onde Masp - ​avenida Paulista, 1.578
Preço R$ 35 (R$ 17 meia). Grátis às terças




Fonte: João Perassolo   |   FSP

(JA, Out18) 

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Ai Weiwei trabalha com artesãos brasileiros na maior mostra já feita de sua obra


Artista chinês abre exposição 'Raiz' no parque Ibirapuera, em São Paulo, com trabalhos inéditos e outros já consagrados
  

Os números impressionam. Setenta obras de arte pesando 500 toneladas, distribuídas em 8.000 m² de um dos maiores espaços expositivos do mundo. Cem pessoas trabalhando durante 21 dias na montagem da exposição, que foi gestada e produzida ao longo de sete anos, ao custo de R$ 10 milhões.
‘Raiz’, que será aberta no sábado (20) na Oca, no parque Ibirapuera, em São Paulo, é a maior exposição já realizada no mundo pelo artista e dissidente chinês Ai Weiwei.


Reúne trabalhos marcantes de sua carreira com outros tantos inéditos, produzidos no Brasil por artesãos que trabalharam em ateliês montados pelo próprio Weiwei em diferentes estados.


O resultado são obras que atestam o minucioso processo de produção de comunidades locais, a exemplo da série de 200 ex-votos talhados em Juazeiro do Norte (CE) a partir da iconografia do artista.


São pequenas esculturas de madeira que subvertem a sua função religiosa original para representar o dissidente destruindo a urna da dinastia Han —referência a um de seus trabalhos mais famosos—, tirando uma selfie ou mostrando o dedo do meio.
‘Fazer uma exposição em uma cultura e terra tão fortes como o Brasil não é fácil. Requer um entendimento profundo da sociedade, do estilo de vida, da língua, da personalidade do povo e das condições políticas’, diz Weiwei em entrevista à Folha, dias antes da abertura da exposição.
Os preparativos da fase final da mostra trouxeram o artista cinco vezes para o Brasil nos últimos dois anos, mas o processo todo, iniciado em 2011, ficou um bom tempo suspenso porque Weiwei foi preso no aeroporto de Pequim naquele ano e só pôde deixar a China novamente em 2015, quando se mudou para Berlim.
Sobre o processo, conta que a cultura e a natureza brasileiras não lhe eram familiares. ‘Cresci no deserto de Gobi, com praticamente nenhum verde, só areia e rochas. E aqui é completamente o oposto’.
Embrenhado numa reserva ecológica exuberantemente verde próxima a Brumadinho (MG), Weiwei se deparou com um pequi de 36 metros de altura. A árvore de 1.200 anos está morta, mas ainda assim em pé.
Resolveu montar andaimes em torno dela e moldá-la ‘com precisão de joia’, nas palavras do curador da mostra, Marcello Dantas, com o objetivo de gerar uma réplica perfeita. Para a empreitada, Weiwei requisitou a ajuda de 25 chineses para trabalhar com uma equipe de brasileiros.
O processo ganhou ares tropicais quando um dos funcionários de Weiwei foi picado por um enxame de abelhas e teve que retornar para a China para ser tratado. Depois disso, o artista colocou um Buda chinês milenar dentro da árvore —que é oca—, como uma forma de proteção espiritual. ‘Senti que havia tocado em algo profundamente relacionado àquela floresta’, diz.
Um documentário registrando a jornada do pequi poderá ser visto na Oca. Mas o molde da árvore, que, uma vez fundido em ferro na China pesará absurdas 250 toneladas, ainda não tem data —e talvez nem solo que aguente tanto peso— para ser exibido.
Weiwei diz não ter uma peça favorita entre as produzidas por aqui. ‘Digo com frequência que não gosto do meu trabalho, porque ele é inacabado. Todo o meu esforço é uma única obra, não há trabalhos finalizados. Mas esses trabalhos são parte de mim, o que significa que não devo gostar tanto assim de mim’.


É aparente o desprendimento do artista em relação à própria obra, dada sua entrega ao ofício. Ele diz que ‘quase morreu’ no processo que resultou nas esculturas de ‘Two Figures’ (duas figuras), moldes do corpo inteiro de Weiwei e de uma brasileira, porque teve que ficar oito horas embalsamado no gesso usado para tirar as formas, o que dificultava a sua respiração.
‘Meu rosto ficou vermelho, e depois preto. Mas por que faço isso? Porque a alma tem que estar relacionada com as ações. Agir é mais importante, porque desafia a sua honestidade, não é algo falso. E prefiro lutar quando a minha vida está vulnerável’, diz o artista, conhecido internacionalmente por obras que expõem mazelas do Estado chinês.
Uma dessas é ‘Straight’ (reto), que pela primeira vez é mostrada em sua forma completa. Trata-se de uma instalação feita com toneladas de vergalhões de aço recuperados dos escombros de escolas de Sichuan, na China, após o terremoto que abalou a cidade em 2008, matando 5.000 crianças. O número de óbitos e o nome das vítimas foram descobertos pelo artista e por seus assistentes —e nunca divulgado pelo governo.
Também estarão expostos outros trabalhos potentes, como ‘Forever Bicycles’, gigantesca escultura de bicicletas instalada do lado de fora do parque, na avenida Pedro Álvares Cabral, à vista do público; e ‘Sunflower Seeds’, composta de 100 milhões de sementes de girassol feitas de porcelana por uma comunidade de mulheres em Jingdezhen, no sul da China.
‘Raiz’, primeira mostra dedicada a um único artista a ocupar toda a Oca, não usou a Lei Rouanet. Marcello Dantas, que também produz, conta que o projeto foi aprovado a captar recursos via incentivo fiscal e que procurou patrocinadores, mas estes quiseram saber mais sobre a exposição antes de investirem.
Só que Weiwei disse a Dantas que não passaria por qualquer tipo de chancela: ele teria liberdade total ou não faria.
A solução foi buscar colecionadores, que nas palavras de Dantas são ‘entendedores de arte’ e tiveram ‘fé cega’ ao apostar num projeto do qual pouco sabiam. Sete nomes financiaram as obras produzidas no país, que somam US$ 1 milhão (R$ 3,8 milhões), e terão preferência caso queiram adquirir os trabalhos.
Houve também aporte financeiro de quatro galerias do artista —a italiana Continua, a britânica Lisson, a alemã Neugerriemschneider e a brasileira ArtEEdições. O restante de recursos vem do próprio artista, da venda de objetos com estampas de Weiwei (um guarda-chuva com a mão mostrando o dedo do meio sairá a R$ 300), do catálogo da mostra e da Fundação Marcos Amaro. ‘Raiz’ segue no ano que vem para o Rio de Janeiro e para Belo Horizonte.

AI WEIWEI RAIZ
Onde Oca - pq. Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº
Quando De 20/10 a 20/1/2019  
Horário: Ter. a sáb., das 11h às 20h; dom. e fer., das 11h às 19h.
Preço R$ 20 (ingressos vendidos com horário marcado)

‘RAIZ’ EM NÚMEROS
70 obras aproximadamente estão expostas
500 toneladas é o que pesam, juntos, todos os trabalhos
8.000 m² é o espaço expositivo que ocupam na Oca
24 obras foram produzidas no Brasil, em ateliês montados em três estados (São Paulo, Ceará e Bahia)
100 pessoas trabalharam durante 21 dias na montagem
R$ 10 milhões foi o custo de produção da exposição

Fonte: João Perassolo   |   FSP

(JA, Out18)