Representação colorida e iconoclasta da
vida brasileira marcou obra da modernista agora no Masp
Noite de São João, guache sobre cartão, 1946 |
Ela foi costureira, vendedora
ambulante e plantadora de café antes de se tornar uma das principais referências
pictóricas da segunda fase do modernismo brasileiro. Mais conhecida por sua
abordagem da cultura popular, Djanira da Motta e Silva, morta aos 64, há 40
anos, ganha agora uma grande retrospectiva —ou melhor, redescoberta— no Masp.
Ao longo dos últimos anos, os
curadores Isabella Rjeille e Rodrigo Moura visitaram a antiga casa onde viveu a
pintora em Braz de Pina, na periferia do Rio de Janeiro, e seu arquivo
documental, alocado na Funarte. Garimparam trabalhos em coleções públicas —a
maior parte no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio— e privadas, para retraçar
quatro décadas de sua produção e desvendar um pouco melhor os períodos em que
ela viveu em Nova York, Salvador e Paraty, no litoral fluminense.
‘Djanira dizia que viajar e
pintar eram os verbos do destino dela’, resume Rjeille. ‘E que aprendeu a
pintar a partir de uma observação amorosa de todas as coisas’. É esse olhar que
se revela nos detalhes dos tecidos, das cerâmicas de Maragogi, no litoral
alagoano, ou dos patinadores de gelo na Manhattan da década de 1940.
‘Existe uma mitologia enorme
em torno da ida dela a Nova York em 1945’, explica Moura. ‘Partiu sem passagem
de volta e acabou ficando quase dois anos. Fez uma exposição na New School e voltou com muita repercussão’.
Retrato de Milton Dacosta, modernista, um de seus mentores, 1946 |
Na mostra, desfilam cenas de
São João e outras festas populares, retratos do mundo do trabalho —agrícola,
artesanal, industrial— e fases mais oníricas. Em todos, existe a busca de
certa brasilidade nativa que pautou boa
parte da criação no período e diálogos com nomes como Mário Pedrosa, Milton
Dacosta, de quem foi companheira, e Jorge Amado.
Estudo para painel 'Candomblé', 1957 - pintado na parede apto. Jorge Amado |
Foi para Amado, justamente,
que produziu o mural ‘Candomblé’, pintado em 1954 para o apartamento do
escritor no Rio. Mais impactante, no entanto, é o trabalho com que venceu o polêmico
Concurso do Cristo de Cor, organizado por Guerreiro Ramos e pelo Teatro
Experimental do Negro em 1955. Nele, um Cristo escravo é açoitado em pleno
Pelourinho de Salvador, a igreja ao fundo, numa mistura de cena religiosa e
pintura histórica colonial.
Largo do Pelourinho, 1955 - Jesus aparece como homem negro, escravizado e açoitado em praça pública |
‘As pessoas ficaram muito
incomodadas com essa ideia da reinterpretação étnica de Jesus Cristo. A Djanira
cria uma solução totalmente iconoclasta de não só representar o Cristo como uma
figura negra, mas como um escravo’, acrescenta Moura. ‘Qualquer júri
minimamente lúcido daria o prêmio a essa pintura’.
O sucesso, no entanto, vai e
volta. Longe do diálogo com as vanguardas europeias e da formação acadêmica das
‘damas’ do primeiro modernismo, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, Djanira
passou as últimas décadas meio esquecida pela crítica, rotulada como uma
pintora folclórica.
Djanira, autorretrato aos 30 anos, 1944 |
É essa ‘outra’ história da
arte moderna brasileira que se conta agora o que faz reviver a sua obra. A
mostra, é bom que se lembre, inaugura a programação ‘Histórias das Mulheres,
Histórias Feministas’, eixo temático do Masp em 2019, enfatizando a revisão do
cânone histórico.
‘Essa agenda de diversidade
cultural que existe na pintura da Djanira ajuda a reposicioná-la hoje em dia,
claro, mas, se ela não tivesse essa grande pintura, de nada valeria isso’,
afirma Moura.
Por falar em agenda, foi
Djanira quem na década de 1970, com mais de 60 anos, realizou o projeto
ambicioso de retratar a mina do Cauê, na cidade mineira de Itabira, e o impacto
para o meio ambiente desta que seria uma
das primeiras zonas de extração da Vale do Rio Doce. Apresentada pela primeira
vez em 1976, a série tem uma atualidade que não deixa dúvida que sua obra anda
muito viva e reverbera questões brasileiras que estão (ainda?) na ordem do dia.
Djanira
da Motta e Silva
Quando Ter.: 10h às 19h30. Qua. a dom.: 10h às 17h30. Até 19/5.
Onde Masp - av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3149-5959.
Preço Ingr.: R$ 40. Ter.: grátis
Classificação Livre
Onírico, 1950 |
Fonte: Gabriela Longman |
FSP
(JA, Mar19)
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