terça-feira, 30 de julho de 2019

Tarsila destrona Monet e vira mostra mais vista na história do Masp



Artista se firma como emblema da nova modernidade ao assumir ambivalência entre o europeu e o popular





Minutos antes da meia-noite, na virada do domingo (28) para a segunda (29), as galerias do primeiro andar seguiam abarrotadas. O público testava a paciência de seguranças posando para selfies até o apagar das luzes da mostra mais visitada da história do museu.

Encerrada no fim de semana, depois de quatro meses em cartaz, uma exposição de Tarsila do Amaral destronou Claude Monet como o maior sucesso de público do Masp —402.850 pessoas foram ver a modernista brasileira neste ano, contra 401.201 atraídos pelas telas do impressionista francês em agosto de 1997.

Na semana passada, quando chegou a 350 mil visitantes, Tarsila já tinha se tornado o artista brasileiro mais visto no museu da avenida Paulista, que alardeou cada marco dessa escalada fazendo barulho nas redes sociais e esticando os horários de abertura.

Quando os seguranças começavam a tocar o público para fora das galerias, passados dois minutos da meia-noite, Adriano Pedrosa, diretor-artístico do museu, comemorava olhando a tela de seu celular. ‘Hoje batemos 6.074 pessoas’, dizia ele, antecipando o recorde confirmado no dia seguinte.

Os números não são ultra precisos, vale lembrar. Isso porque o museu só tem os dados da atual gestão, iniciada há cinco anos. Mas um levantamento rápido das últimas décadas comprova que nada bateu a marca dos 400 mil visitantes no maior museu do país, muito menos a exposição de um artista brasileiro.


Abaporu, 1925


Mais do que a gratificação instantânea de postar o selfie perfeito diante dos quadros, no entanto, a multidão alvoroçada pelas cores de Tarsila talvez buscasse nas galerias do Masp uma sensação que julgava inacessível tão perto de casa. O ‘Abaporu’, alvo de metralhadas de obturadores de telefone, virava ali um parente tropical da ‘Mona Lisa’, a grande obra-prima do Louvre.

Se o museu parisiense foi um palácio da realeza, o prédio modernista erguido por Lina Bo Bardi na avenida Paulista é um templo da fase mais heroica da nossa vanguarda arquitetônica, uma caixa de vidro flutuante tão transparente quanto impenetrável.

Não só pelo preço do ingresso —exorbitantes R$ 40—,  impagável para as classes mais baixas, mas porque museu parece até um palavrão num país que vive um de seus momentos mais agudos de ataque à cultura. Nunca uma mostra de um artista brasileiro foi tão visitada e nunca o Brasil pareceu flertar de forma tão descarada com a ideia de se firmar como o grande império da burrice.

Tarsila, na história da arte e à luz dessa ambivalência, ocupa o incômodo lugar de um agente duplo. E é inegável entender as muitas fases de sua obra como reflexo disso.
Num primeiro momento, a celebrada década de 1920, ela foi a caipirinha alternativa em Paris, uma dama da elite cafeeira que plasmou em suas telas um exotismo calculado. Estava em sintonia com o que alguns estudiosos chamam de auge da negrofilia parisiense, capitaneada por Picasso, e disposta a injetar o calor dos trópicos no seio da vanguarda europeia.

Sua obra canonizada pela crítica sugava o poder sedutor da gente, da fauna e da flora de uma ex-colônia ancorada na escravidão para decantar toda essa potência nas superfícies anódinas, resplandecentes de um cubismo dúbio. Suas figuras parecem mecânicas e artificiais, mas não na tentativa de seguir um plano estético e conceitual traçado de antemão e sim para se adequar ao filtro plástico mais superficial das modas da época.

Depois, naquilo que talvez fale bem mais de perto à realidade daqueles que nunca pisaram num museu mas encararam horas de espera nos dias de entrada grátis, Tarsila amansou seus filtros geometrizantes e retratou altares improvisados nas casas de interior, anjinhos e santinhos, festas do povo. Desafiou o que ela mesma chamava de ‘gosto apurado’ para se entregar à exuberância do popular ou do caipira, aquilo que, décadas mais tarde, seria o Brasil da bossa nova em atrito com aquele das modinhas de viola.

Quando batizou sua exposição mais vista de todos os tempos ‘Tarsila Popular’, o Masp deixava claro que era o Brasil da feira de frutas, o das procissões na roça e do Carnaval que moldava as dezenas de obras da artista fora de sua fase arquitetada para impressionar olhares estrangeiros.

Mas encaixou no mesmo recorte aquilo que catapultou Tarsila ao núcleo duro do que agora se entende como a mais nova modernidade. A artista enfim encontrou abrigo na concepção plural e esgarçada desse movimento que tardou a dominar o pensamento dos maiores e mais influentes museus do planeta.

Em Nova York, o MoMA acaba de desembolsar US$ 20 milhões por 'A Lua', um quadro menor da fase mais aclamada da artista —a negociação concluída há pouco impediu que a pintura estivesse na mostra.

O ‘Abaporu’, talvez a obra mais célebre a deixar o país na história recente, detona discursos ufanistas a cada uma das muitas vezes que aparece numa exposição em solo nacional. A tela comprada pelo argentino Eduardo Costantini, na década de 1990, por pouco mais de US$ 1 milhão, foi a vedete inevitável da mostra, mesmo que sua última passagem por São Paulo, há 11 anos, tenha levado só 108 mil pessoas à Pinacoteca.


Antropofagia,  1929

 Em todo caso, o quadro do Malba, de Buenos Aires, é só uma ponta de um triângulo. Enquanto ‘Abaporu’ e ‘Antropofagia’, ambas na mostra, são a síntese plástica mais bem-sucedida do ‘Manifesto Antropófago’ de Oswald de Andrade, marido da artista à época da criação desses trabalhos, uma terceira obra foi a raiz dessa espécie de santíssima trindade da modernista.


A Negra, 1923

Mais controversa das telas de Tarsila, ‘A Negra’ foi o quadro abre-alas da mostra, num gesto ousado de seus organizadores —a visão estilizada da velha ama de leite da fazenda da família da artista no interior paulista não deixa de carregar todas as marcas de uma pintora atravessada pela força do furacão das vanguardas e um apego ainda que torto e fetichista à sua terra natal.

Tarsila pintou o quadro em 1923 em Paris, vista de perto por seu mestre à época, Fernand Léger. Não espanta que a visão então prosaica de uma negra velha anônima, tenha se transformado em máscara de feições animalescas, desproporcional em relação às dimensões do quadro. Ela é mais seios, mais lábios, mais nariz e pés que qualquer outra coisa. No lugar da delicadeza feminina, a brutalidade feroz de um bicho enjaulado.

Enquanto a artista pintava ‘A Negra’, Oswald de Andrade discursava na Sorbonne sobre como faltava ao Brasil se reconciliar com sua identidade negra e indígena ao adentrar a modernidade, mesmo que a visão de Tarsila lançada sobre a ex-escrava fosse a de uma branca enquadrando sua serviçal de pele escura castigada pelo trabalho braçal.

 
Tarsila do Amaral, Autorretrato, 1923 – ‘Manteau Rouge’


Tarsila, em seu autorretrato de vestido vermelho pendurado ao lado da ‘Negra’, faz com a mão o mesmo gesto da ama de leite, como se visse NELA algo da própria identidade.

Sua mãe preta, já dizia o crítico venezuelano Luis Pérez-Oramas, que organizou a retrospectiva da modernista no MoMA no ano passado, seria ‘a mãe de todos nós’. Gilberto Freyre, lembra a pesquisadora Irene Small no monumental catálogo da exposição do Masp, já celebrava —não sem controvérsia— a figura da mulher negra escravizada como a ‘bela mulata’ pronta para ‘amamentar o Brasil inteiro’.


Fila gigante no vão livre do MASP para exposição de Tarsila do Amaral


Talvez as hordas que lotaram o museu da avenida Paulista estivessem mesmo ali à procura de uma linha evolutiva à qual se filiar num país sem memória. Tarsila foi alçada à estranha condição de matriarca de Pindorama, lembrando Oswald, a artista na origem de tudo e de todos.


Os maiores públicos do MASP

  1. ‘Tarsila Popular’ (2019)  - 402.850
  2. ‘Monet: o Mestre do Impressionismo’ (1997) -  401.201
  3. ‘Salvador Dalí no Masp’ (1998)  -  200.143
  4. ‘Picasso: Anos de Guerra 1937-1945’ (1999)  -  202.522
  5. ‘Caravaggio e Seus Seguidores’ (2012)  -  185.117
  6. ‘Histórias Afro-Atlânticas’ (2018)  -  180.174



Fonte: Silas Martí   |   FSP



(JA, Jul19)


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quarta-feira, 24 de julho de 2019

Segredos da Mona Lisa revelados







O engenheiro francês Pascal Cotte, fundador da Lumiere Technology, examinou a famosa pintura renascentista de Leonardo Da Vinci, Mona Lisa, com uma máquina de sua invenção, revelando segredos e mistérios amplamente debatidos sobre a obra.

Mona Lisa, também conhecida como A Gioconda, La Joconde em francês, ou ainda Mona Lisa del Giocondo, é provavelmente a obra de arte mais comentada do mundo. 

Atualmente exibida no Museu Louvre, em Paris (França), depois de séculos de existência, a pintura não poderia, naturalmente, estar intocável ou exatamente igual era quando foi criada pelas mãos do gênio multe especialista da Vinci.

Entra em cena Cotte, que criou uma câmara multiespectral de 240 megapixels que utiliza 13 comprimentos de onda de luz, do ultravioleta ao infravermelho, para gerar imagens que ‘descascam’ séculos de alterações e desgastes em pinturas, revelando seu aspecto original.

Usando a câmara em Mona Lisa, o engenheiro foi capaz de lançar luz sobre a forma como o artista trouxe a figura pintada à vida, e como ela parecia à Vinci e seus contemporâneos. Com isso, 25 segredos de ‘Lisa Gherardini, mulher de Francesco del Giocondo’ (o nome oficial da pintura) foram expostos.

As novidades

No original, a pintura parece um pouco diferente do que é agora, explica Cotte. ‘O rosto de Mona Lisa parece um pouco mais largo, o sorriso é diferente e os olhos são diferentes’, diz. ‘O sorriso é mais acentuado, eu diria’.

Um zoom de aproximação ao olho esquerdo de Mona Lisa revela uma pincelada única na região da sobrancelha. O fato do quadro, hoje, não apresentar nenhuma sobrancelha era ilógico, segundo Cotte. A verdade finalmente veio à tona: Mona Lisa tinha, sim, um traço acima dos olhos.

Outro dilema é a posição do braço direito da Mona, que se encontra transpassado pela sua barriga. Esta foi a primeira vez que um pintor posicionou um braço e punho dessa forma. Enquanto os outros artistas nunca entenderam tal raciocínio de da Vinci, ele foi copiado mesmo assim.

O que Cotte descobriu foi um pigmento atrás do pulso direito, que corresponde perfeitamente com o pigmento de uma ‘capa’ pintada sobre o joelho de Mona Lisa. Por causa disso, a posição fazia sentido: o antebraço e punho seguravam um lado de um ‘cobertor’. ‘O pulso da mão direita está erguido sobre a barriga, e isso não parece lógico. Mas se você olhar a imagem profundamente no infravermelho, você entende que é porque ela tem um pano na mão’, conta Cotte.

As imagens de infravermelho também revelaram desenhos preparatórios de da Vinci, que estão por trás de camadas de verniz e pintura, mostrando que o homem do Renascimento também era humano. ‘Se você olhar para a mão esquerda, você vê a primeira posição do dedo que ele desenhou, e depois mudou de ideia’, afirma Cotte. ‘Mesmo Leonardo da Vinci tinha hesitação’.

Cotte também descobriu um laço no vestido de Mona Lisa, e que o cobertor sobre os joelhos de Mona Lisa também cobre sua barriga.

Quanto a alterações, foi descoberta uma alteração na posição do indicador esquerdo e uma no dedo médio. O cotovelo também foi reparado, devido a danos causados por uma pedra atirada na pintura em 1956. Por fim, Cotte notou que um dedo da esquerda não foi completamente terminado.

Cotte também argumenta que, na região da cabeça de Mona, onde há um véu, da Vinci pintou primeiro a paisagem, e só depois usou técnicas de transparência para pintar o véu em cima.

Outra descoberta é que a marca de mancha no canto do olho e do queixo de Mona Lisa são acidentes de verniz, o que contraria afirmações/suposições de que Mona Lisa estava doente no momento da pintura. Mais uma especulação que foi descartada é de que Mona Lisa foi pintada em uma placa de choupo sem cortes.

Cotte explica que olhar para a imagem ampliada em infravermelho de Mona Lisa deixa transparecer sua beleza e mistério. ‘Se você está na frente deste alargamento enorme de Mona Lisa, você entende instantaneamente porque é tão famosa’, conta. ‘É algo que você tem que ver com seus próprios olhos’.



Mona Lisa hoje






Fonte:  Natasha Romanzoti     |   HC Hypescience




(JA, Jul19)

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Com novos espaços, MAM baiano volta ao roteiro turístico do país


Conjunto tombado pelo patrimônio histórico é restaurado e reentregue após anos de reforma




Situado num antigo engenho do século 17, às margens da Baía de Todos-os-Santos, o conjunto arquitetônico Solar do Unhão, que abriga o MAM-BA (Museu de Arte Moderna da Bahia), em Salvador, foi reentregue ao público após cinco anos de reforma.

É de 2013 o projeto de requalificação e restauro do espaço, que é tombado pelo IPAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 1943. Mas as obras só foram concluídas neste mês.




O museu devolveu à cidade espaços antes fechados, como um cinema, agora com 104 poltronas, um café e o Parque das Esculturas. Também foi reinaugurada a prainha. O investimento do governo estadual foi de R$ 15 milhões.

Dia 18 será aberta a licitação para a reforma do píer e do restaurante, ainda fechados, informou o diretor do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) da Secretaria de Cultura do Estado, João Carlos de Oliveira, gestor do MAM.

‘Nesse período de obras, mantivemos as exposições e as oficinas em funcionamento, além das apresentações de jazz no verão, mas tivemos que repensar o uso dos espaços’, disse Oliveira.

No dia 27, ocorrerá a primeira sessão pós-reforma do projeto Jam no MAM que, sempre aos sábados, no fim da tarde, reúne amantes do improviso musical. Além do som, o público curte o cair do sol na baía.




A atual exposição no MAM é ‘Imaginária’, do artista Vik Muniz, na capela do Solar do Unhão. A obra resgata ícones esquecidos da arte sacra a partir de milhares de recortes de catálogos de exposições.



No Parque das Esculturas, o visitante encontra obras de artistas como Bel Borba, Carybé e Mestre Didi.

O acervo próprio do MAM tem Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari e Pierre Verger, entre outros.

A requalificação do conjunto recoloca o MAM no roteiro das grandes mostras internacionais, diz o diretor do Ipac.

O conjunto do Solar do Unhão era um complexo agroindustrial no estilo dos engenhos de açúcar, com casa-grande, capela, senzala, armazéns e cais. Foi erguido em três pavimentos, em alvenaria de pedra, com arcada de tijolos no térreo.

O acesso ao casarão se dá sobre uma ponte de quatro arcos com azulejos portugueses, de ornamentação barroca. A capela Nossa Senhora da Conceição, no estilo rococó tardio, tem fonte, aqueduto e chafariz em arenito.

O conjunto já serviu como fábrica de rapé, armazém de derivados de cacau, trapiche e até quartel, durante a Segunda Guerra, até que virou o MAM, por iniciativa da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi nos anos 1960.





Fonte: Franco Adailton   |   FSP



(JA, Jul19) 

domingo, 14 de julho de 2019

MIS anuncia exposição de Leonardo da Vinci



Novo diretor da instituição também foi divulgado

‘Monalisa’, 1503 -  uma das criações de Leonardo Da Vinci, que fica no Museu do Louvre


Em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes no último dia 5, o governador João Doria e o secretário de Cultura e Economia Criativa Sérgio Sá Leitão anunciaram que o Museu da Imagem e do Som (MIS) contará com um novo posto de diretor geral, que será ocupado por Marcos Mendonça. Ele, entre outros cargos, foi presidente da Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura, durante os seguintes períodos: 2004/2007, 2013/2016 e 2016/2019.

Em sua primeira fala, Mendonça adiantou que a instituição terá um novo espaço, dedicado à projeção imersiva. Instalado em um antiga marcenaria da TV Cultura, no bairro da Água Branca, o lugar deve ser aberto em outubro de 2019 com uma exposição sobre Leonardo Da Vinci (1452-1519). Não há informações ainda sobre o valor do ingresso.

Outro ponto destacado foi o investimento na realização de atividades de formação, o que denota uma vocação profissionalizante nessa nova etapa do museu. ‘Vamos realizar, por exemplo, cursos de roteiro, uma área que tem grande carência no Brasil’, disse Mendonça, que também apontou lacunas da mesma natureza no mercado de produção de animações.

Perguntado se a programação do museu será pensada em ciclos temáticos, a exemplo de outras instituições da cidade, Mendonça afirmou que uma das questões privilegiadas será o cinema nacional: ‘Precisamos elevar o artista brasileiro a outra posição’.
Em tempo, ficará sobre responsabilidade do novo diretor ainda o Paço das Artes, com inauguração em novo local, o Casarão Nhonhô Magalhães, marcada para 25 de janeiro de 2020.

Direção cultural mantida

Cleber Papa segue como diretor cultural do MIS, pois o posto de Mendonça consiste em um novo cargo criado na estrutura da instituição. Enquanto Papa se ocupa da programação, Mendonça buscará recursos financeiros e catalisará o processo de expansão do museu, que inclui um novo espaço expositivo e a realização de mostras em outras cidades.

Papa, antes diretor artístico do Teatro Municipal, foi anunciado como diretor cultural depois da saída da cineasta Isa Castro que, por sua vez, substituiu André Sturm, responsável por fazer saltar a visitação anual do museu de 40 000 pessoas para 400 000.





Fonte: Tatiane de Assis   |   Rev. Veja


(JA, Jul19)



sábado, 13 de julho de 2019

Livro disseca Leonardo Da Vinci, seus métodos e sua aventura criativ



Ensaio de Alfredo Bosi analisa o gênio ainda influente 500 anos após a sua morte


Durante alguns séculos, Leonardo da Vinci sofreu o efeito dos estudos parciais de sua obra. Entre os séculos 16 e 17, foi admirado como artista absoluto e gênio pintor, enquanto no século 19 foi consagrado como cientista e inventor.

'Arte e Conhecimento em Leonardo da Vinci’, livro de Alfredo Bosi publicado pela Edusp, foge a esse dualismo e propõe interrogar a situação ambígua de Da Vinci no Renascimento, considerando o desejo de conhecimento e as fantasias visuais que mobilizou.

Mais conhecido por sua contribuição aos estudos de literatura brasileira, Bosi mantêm há várias décadas um interesse pelas artes italianas, tendo se dedicado também às obras de Pirandello e Leopardi.

O livro sobre Da Vinci responde de certo modo aos debates acompanhados por ele nos anos 1960, na Itália, entre Eugenio Garin e Cesare Luporini, ambos professores da Universidade de Florença, defendendo abordagens divergentes da obra do artista toscano.

Seu argumento principal é que, entre o naturalismo renascentista e o neoplatonismo em voga na Florença do século 15 e ao qual Da Vinci adere, existe uma articulação não contraditória que precisa ser levada em consideração.

Com Da Vinci, a pintura do chamado ‘Quattrocento’ teria se transformado numa espécie de ciência do visível. ‘O desejo do conhecimento acende a inteligência e estimula a fantasia plástica’, diz Bosi, que também fala em ‘olho mental’. No caso do artista italiano, isso seria fruto da articulação entre o observador e a valorização da potência imaginativa.


Desenhos anatômicos de Da Vinci eram de grande precisão

Bosi se interessa então pelos métodos —o exercício do desenho anatômico, desenhos de convulsões naturais, vendavais, tempestades, mas também anotações e pequenas fábulas disseminadas em cadernos e códices— e pelos caminhos da mente nas figuras egressas da ‘bizarra fantasia’ de Leonardo Da Vinci.

Parte do vasto material para revelar uma concepção de natureza dinâmica e complexa que também afeta os usos de luz e sombra em sua pintura e a invenção do ‘sfumato’, que dissolve os limites dos objetos e cria uma atmosfera mais rarefeita e misteriosa.

Desviando-se da análise de viés sociocultural que contextualiza o ambiente renascentista, o ensaio de Bosi trata antes da aventura criativa do pensamento, dando especial atenção a seus escritos, ou fólios, que permitem ampliar o entendimento de seu gesto plástico.

Bosi toma a pintura de Da Vinci como pensamento não verbal, mas também como captação poderosa da mobilidade do mundo que o desenho conseguiria apenas fixar e descrever. O autor mostra que em Da Vinci há uma tensão produtiva entre o estudo científico da natureza e uma resistência à racionalização do sensível que caracterizou a pintura italiana durante o Renascimento.

É uma pena que à discussão travada no livro faltem referências bibliográficas mais atualizadas e abrangentes.

Teria sido interessante ver a perspectiva de Bosi dialogar mais diretamente com aquela de Daniel Arasse.

Ou mesmo com André Chastel, que abordou o trabalho de Da Vinci em termos de uma ‘ciência da pintura’, e via no seu gosto pela sombra e pelo soturno uma heresia no interior da estética florentina, voltada predominantemente para o esplendor da visibilidade.





Arte e Conhecimento em Leonardo da Vinci
Preço R$ 34 (88 págs.)
Autor Alfredo Bosi
Editora Edusp


Fonte:  Laura Erber   |   FSP



(JA, Jul19)




quinta-feira, 11 de julho de 2019

Banksy se equilibra entre genialidade e vandalismo em Lisboa



Mostra não autorizada tem cerca de 70 peças originais, incluindo serigrafias, grafites e vídeos


Obra exposta em ‘Banksy: Genius or Vandal?’, na Cordoaria, em Lisboa

Repleta de sátiras políticas e de críticas ao capitalismo, a arte urbana de Banksy -e seu hábito de espalhar suas obras pelo mundo sem qualquer tipo de licença prévia- é objeto de uma grande exposição que fica em cartaz até outubro em Lisboa.

‘Banksy: Genius or Vandal’ convida o espectador a refletir sobre a tênue fronteira que separa uma intervenção artística genial de um ato de vandalismo.

Não autorizada -e até criticada- pelo artista, a mostra atraiu mais de 600 mil pessoas pelas cidades por onde já passou, entre elas Moscou, São Petersburgo e Madri.

Embora seja um dos nomes mais conhecidos do vasto universo da arte de rua, a identidade de Banksy nunca foi confirmada. A aura de mistério em torno de sua personalidade é também um dos componentes de atração de suas obras.

‘O trabalho de Banksy é um desafio para o sistema, um protesto, uma marca extremamente bem construída, um mistério, uma desobediência à lei. Queremos que cada visitante desta exposição seja capaz de decidir quem realmente é Banksy, é um gênio ou um hooligan? Um artista ou um empreendedor?’, provoca Alexander Nachkebiya, que organiza a mostra.

São cerca de 70 peças originais, incluindo serigrafias, grafites, esboços, fotografias, vídeos e instalações da obra do artista britânico.




A seleção inclui o início de sua carreira, em Bristol, na Inglaterra, passa por intervenções dele na Cisjordânia e pela famosa imagem da menina com balão, que voltou aos holofotes depois de ser destruída de propósito pelo artista em pleno leilão da peça.

A exposição é dividida em alas temáticas, que explicam o contexto por trás de algumas das obras apresentadas.

Há especial destaque para as peças que fazem críticas à sociedade de consumo, como ‘História da Cliente Voadora’, que mostra uma menina despencando de um prédio enquanto empurra um carrinho de compras. Outra, também provocativa, é ‘Sale Ends Today’, com figuras bíblicas idolatrando um cartaz de promoção.

A sátira política, um dos assuntos favoritos de Banksy, ocupa uma boa parte da mostra. A família real britânica, o Parlamento de seu país e as autoridades policiais são algumas das ‘vítimas’ mais recorrentes nas mãos do artista.




Em ‘Monkey Queen’, Banksy retrata a rainha Elisabeth 2ª como uma macaca usando coroa e joias em frente às cores da bandeira britânica. Já em ‘Turf Wars’, a arte se volta contra o ex primeiro ministro Winston Churchill, que aparece com um moicano verde feito de grama.




Banksy costuma usar dois animais como forma de expressar sua desobediência ao sistema. Os macacos e as ratazanas, que ganham feições humanas, relembram o espectador das semelhanças entre o comportamento dos bichos e o de seres humanos.

Já os roedores, com sua capacidade de adaptação e sobrevivência, aparecem normalmente associados a símbolos anárquicos, contra o establishment.




As intervenções de Banksy na região ocupada da Faixa de Gaza também são destaque, com uma área inteira dedicada à arte urbana e ao Walled Off Hotel, alojamento que abriu há dois anos com vista privilegiada do muro que separa Israel dos territórios palestinos.

Questionado no Instagram no ano passado sobre a mostra ‘Genius or Vandal’, Banksy desdenhou. ‘Não cobro para as pessoas verem a minha arte, a não ser que haja uma roda gigante’.

A resposta é uma alusão ao fato de todas as exposições criadas pelo artista terem entrada gratuita, com exceção de ‘Dismaland’, de 2015, em que o britânico e outros artistas, criaram uma espécie de parque de diversões distópico, cheio de críticas sociais e políticas.


Obra de Banksy em Paris Benoit Tesier



‘Bansky: Genius or Vandal?’ 
Quando: Seg., ter., qua., qui., sex. e dom.: 10h às 19h. Sex.: 10h às 20h
Onde: Cordoaria Nacional, av. da Índia, Lisboa
Preço: 13 euros (R$ 55)



Fonte: Giuliana Miranda, Lisboa  |  FSP




(JA, Jul19)