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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Ascensão das joias de inspiração surrealista


Fazem sucesso as peças inspiradas na escola artística do início do século 20 — elas combinam com a busca de uma via de escape para as restrições da pandemia


 

           ESCULTURA - Precisão de ângulos e detalhes nos brincos com corpos femininos dependurados 


O surrealismo, definiu o escritor francês André Breton, 1896-1966, nasceu com o objetivo de mesclar ‘as condições contraditórias de sonho e realidade, em uma supra realidade’.

Partindo dessa premissa, os integrantes do ruidoso movimento artístico, que floresceu na primeira metade do século passado na Europa, esmeraram-se em introduzir figuras triviais do cotidiano, em condições e ambientes inesperados, provocando uma sensação de estranhamento, levada a extremos pelo espanhol Salvador Dalí, 1904-1989; pelo belga René Magritte, 1898-1967; e pelo alemão Max Ernst,  1891-1976; entre outros grandes nomes da época.

Ao questionar os conceitos do que é real, e ampliar seus limites, esse grupo de artistas pretendia criar uma via de escape para as restrições do dia a dia — tudo a ver com sentimentos predominantes na sociedade atual, atropelada pelos rigores da pandemia. Faz sentido, portanto, que agora, um século depois de seu surgimento, o surrealismo venha servindo de inspiração  para coleções de joias assinadas por designers ao redor do mundo — entre elas a italiana Delfina Delettrez, as irmãs americanas Morgan e Jaclyn Solomon, e a carioca Paola Vilas, autora de peças que ilustram esta reportagem.


UM CÃO ANDALUZ – O anel presta homenagem ao filme de dezesseis minutos que Luis Buñuel realizou em 1929, em parceria com Salvador Dalí

 

FEMININO – Criado para exaltar a energia da mulher, o anel em forma de corpo faz conjunto com bracelete e brincos 


Com lojas no Rio e em São Paulo, e tendo as atrizes Paolla Oliveira e Taís Araújo entre as clientes, a joalheira Pao­la explica que sua arte se concentra na expressão feminina — daí a variedade de peças em torno de pequenos corpos esculpidos em detalhes.

‘Sempre pensei no desenvolvimento das minhas obras como uma maneira de celebrar o lúdico e o inconsciente’, diz a joalheira, de 27 anos.

A precisão das formas e do acabamento pode ser observada de todos os ângulos, como no bracelete-estátua, joia elaborada para sua primeira coleção e que se encontra até hoje entre suas preferidas. Os brincos, pulseiras e colares de Pao­la são feitos de prata com banho em ouro 18 quilates, custam entre 700 e 4000 reais, e estão à venda também na França e no Reino Unido.

‘A maioria das minhas clientes  está interessada no mercado da arte e do design, mais do que no setor joalheiro’, diz ela, que não deixou de reeditar em anel o célebre olho, presente em obras de Dalí e Magritte. A imagem foi imortalizada na forma de joia, em um broche desenhado pelo poeta Jean Cocteau, e executado pela estilista Elsa Schiaparelli no auge do movimento surrealista.


SONHO – Os peixes alados representam ‘as possibilidades do inconsciente’


AMULETO – A mão e o olho no centro dos brincos são formas que se repetem nas obras surrealista


Schiaparelli, estilista de sucesso em Paris, transportou para a moda os conceitos e as esquisitices do surrealismo — ficou célebre seu chapéu em formato de sapato. O atual estilista da casa, o americano Daniel Roseberry retomou, em suas duas últimas coleções, a tradição da criadora da marca, tanto nas roupas quanto nos acessórios. A repercussão de seus desfiles deslanchou a proliferação de joias surrealistas que se vê agora.

Formas surreais aparecem nas peças elaboradas pelo designer Prabal Gurung para a japonesa Tasaki, uma das maiores produtoras de pérolas cultivadas do mundo. Gurung, que nasceu em Singapura e foi criado no Nepal, desenvolve com talento uma inusitada parceria da comportada pérola com a transgressão  surrealista — como no anel Danger, em que as esferas brancas são encimadas por ‘dentinhos’ pontiagudos imitando uma planta carnívora.

Até a austríaca Swarovski, rainha das semijoias ultra brilhantes, lançou neste ano a coleção Surreal Dream, com gargantilhas, pulseiras e outros acessórios no formato de olhos entristecidos por uma lágrima de cristal. ‘São peças alternativas para a mulher que não se adapta ao aspecto mais clássico da joalheria’, diz a consultora de estilo Tathiana Santos, professora do Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo.


   

KLEE – A referência para o anel em formato de rosto é o pintor Paul Klee

 

A aplicação de conceitos do surrealismo em brincos, pulseiras e adornos em geral foi parte integrante dos primórdios do movimento.

Além das criações elaboradas pela italiana Schiaparelli, artistas como Dalí e o fotógrafo Man Ray, 1890-1976, se aventuraram na elaboração de ornamentos como broches na forma de lábios cravejados de rubis, dentes de pérola, e brincos enormes.

A reedição da sociedade entre  o surreal e o design agora é produto de uma época em que os indivíduos buscam maneiras de se diferenciar uns dos outros. ‘Nosso tempo favorece tudo que é alternativo e diverso. Há uma celebração da subjetividade e um grande desejo de ser único, justamente a porta de entrada para as referências surrealistas’, diz João Braga, professor de história da moda da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Sem falar na atração que o uso de uma joia incomum exerce nas pessoas que vivem para postar fotos nas redes sociais. Nesse universo, surrealismo na forma de brincos é curtida na certa.


 

 

Fonte: Mariana do Rosário   |  Veja

 

(JA, Out20)


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Man Ray, o fotógrafo que deu status de arte à fotografia



O Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, recebe a primeira retrospectiva brasileira do trabalho do sedutor modernista americano


ESPELHO - Man Ray no célebre autorretrato: o pai das selfies



No estúdio que manteve em Paris nos anos gloriosos da carreira, entre 1921 e 1940, o americano Man Ray promoveu inovações em várias frentes.

Expoente de duas vanguardas ruidosas, o dadaísmo e o surrealismo, ele atacou de início como pintor e escultor. Logo se converteu em desbravador da fotografia de moda, produzindo ensaios até hoje influentes para as revistas Vogue e Harper’s Bazaar.

Foi ainda na fotografia, afinal, que alcançou seu grande feito — nada menos do que elevar essa forma de expressão ao patamar de arte. Para Man Ray, a labuta no estúdio era, digamos, duplamente extenuante: ele gostava de trabalhar deitado na cama — sempre na companhia de belas mulheres.

Daí vem, naturalmente, a sensualidade radiante dos 225 itens de Man Ray em Paris, a primeira mostra devotada ao maior fotógrafo modernista realizada até hoje no país.

Com abertura na última quarta-feira 21, na filial paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil (em dezembro, o acervo aporta em Belo Horizonte), a retrospectiva ilumina um artista que foi discreto perto de seus pares mais famosos nos mesmos movimentos — pois seria difícil competir em egolatria ou capacidade de chamar atenção com o francês Marcel Duchamp e o catalão Salvador Dalí.

Mas, embora trabalhasse quieto, Man Ray era famoso em toda a Paris boêmia por sua facilidade em unir o útil ao agradável. Ele amava retratar o corpo feminino, decupado especialmente em nus radicais (não raro tão despudorados que fariam corar políticos com medo de Bruna Surfistinha).

‘Man Ray tinha a reputação de ser um dom-juan, um grande fornicateur’, diz a curadora francesa Emmanuelle de l’Ecotais. ‘Objeto de desejo e de fantasias, a mulher emerge em suas fotografias sempre num mundo estranho, desmaterializada’, divaga a especialista.

No mundo real, havia bastante matéria envolvida no negócio: as musas de Man Ray eram também suas amantes. As principais beldades foram Kiki (1922-1926), Lee Miller (1929-1932), Meret Oppenheim (1933-1934), Ady (1936-1940) e Juliet (a partir de 1941).

Kiki foi a modelo da célebre e muito imitada Noire et Blanche (Negra e Branca), imagem surrealista que exibe o rosto da modelo em pose sonhadora (sonhos eram uma obsessão surrealista) ao lado de uma máscara africana. Quando Kiki o largou, Man Ray exprimiu sua ira em outro símbolo da fotografia: Lágrimas, em que os olhos de uma manequim surgem em close, com gotas de vidro simulando choro.




Nem só de retratos femininos se fez a obra do dom-juan modernista. Possivelmente, Man Ray foi o inventor da selfie: em imagens precursoras como o autorretrato na imagem em destaque, ele capta a si mesmo diante do espelho. Na entrada da mostra, os espectadores serão convidados a copiar sua pose.

Ainda que abranja toda a sua trajetória, a exposição se detém principalmente nos anos em Paris até 1940, que foram os mais produtivos.

Judeu, Man Ray teve de fugir da Europa na II Guerra, mas voltou mais adiante e viveu lá até a morte, em 1976, aos 86 anos. Nessa fase tardia, já era prisioneiro do sucesso. Diz a curadora:


‘Ele adotou o discurso provocativo de que a fotografia não era arte, enquanto ele era precisamente aquele que tornou a fotografia uma arte’.


Man Ray fez sua fama na cama — mas, ao posar para a posteridade, não se deitou nela.






Fonte:  Marcelo Marthe    |  Rev. Veja 



(JA, Ago19)


terça-feira, 20 de agosto de 2019

Exposição introduz público à obra do fotógrafo e pintor Man Ray


Retrospectiva dedicada pelo CCBB de São Paulo ao fotógrafo surrealista norte-americano.

'Lágrimas', 1932

Com caráter didático, retrospectiva cobre os anos de 1921 a 1940 da produção parisiense do artista americano.

Esta retrospectiva, apresentada pela primeira vez no Brasil, abrange a imensa e multiforme obra de Man Ray. Conhecido principalmente por sua fotografia, mas também criador de objetos, realizador de filmes e faz-tudo genial, Man Ray chega a Paris em 1921, onde permanece até a Segunda Guerra Mundial e para onde retorna definitivamente em 1951. Foi nessa cidade que sua arte original se desenvolveu e mais repercutiu.

A exposição elucida, por meio de cerca de 250 obras, a lenta maturação de Man Ray, bem como apresenta um panorama completo de sua criatividade. Das primeiras obras dadaístas ao retrato e à paisagem, da moda às imagens surrealistas, de seus trabalhos comerciais a uma seleção de seus objetos e filmes, e à sua vontade de revelar outra realidade, reúnem-se nesta exposição toda a complexidade e a riqueza do que ele nos legou.

‘Man Ray em Paris’ reúne fotografias e objetos nunca exibidos no Brasil. Tendo como curadora a francesa Emmanuelle de l’Ecotais, a mostra foi montada de forma didática, de modo a introduzir o público na obra do fotógrafo e pintor.

No dia 21 de agosto, às 19h, a curadora Emmanuelle De l'ecotais conversa com o público sobre a trajetória de Man Ray, com entrada franca mediante retirada de senha a partir de 1 hora antes do início do evento. Sujeito à lotação.

A exposição cobre os anos de 1921 a 1940, período mais intenso do trabalho de Man Ray, pseudônimo de Emanuel Radnitzky, nascido na Filadélfia em 1890, que, na década de 1910, conheceu Duchamp e, encantado com os dadaístas, fixou residência em Paris, onde conviveu com a vanguarda da época, de André Breton, teórico do surrealismo, a Picasso, o maior nome do cubismo. Imagens dele e outros artistas do século 20 estão na mostra.

Quase um século após Man Ray ter registrado imagens de corpos nus, nos anos 1920, suas fotos ainda provocam desconforto, especialmente nesta época de regressão moralista: o cartaz concebido pela curadora francesa Emmanuelle de l’Ecotais para a mostra Man Ray em Paris, que será aberta no dia 21, no CCBB de São Paulo, foi trocado por orientação da produtora Artepadilla.

Esse cartaz, que reproduziria uma foto da série Érotique Voilée, dos anos 1930, com a modelo Meret Oppenheim nua, foi substituído pela imagem Larmes (1932), que agora anuncia a exposição na parede frontal do CCCB, no centro. Não pesou na decisão da produtora brasileira, segundo seu diretor Roberto Padilla, a censura à mostra, ao contrário de Queermuseu, exposição que provocou protestos de grupos conservadores em 2017.


Le Violon d'Ingres, 1924


Padilla esclareceu a troca da foto como estratégica, e não como censura. ‘Não houve cerceamento propriamente, mas cautela, pois a foto poderia dar uma conotação errada à exposição, que não é só de nus’, justificou o produtor. Como se trata de uma mostra abrangente, dedicada a apresentar a obra de Man Ray aos brasileiros, a produtora considerou que uma foto com nu poderia induzir o público a imaginar que se trata de uma exposição de caráter erótico. Não é, de fato, mas poderia ser. Afinal, como indica o título da foto renegada, Érotique Voilée, trata-se de erotismo velado, o que não se aplica às outras imagens da série na mostra do CCCB – a instituição não participou do debate para decidir o cartaz, não censurou obras ou sugeriu faixa etária para ingresso, segundo o produtor.

Seja como for, a obra de Man Ray está repleta de sugestões eróticas, como parte da produção surrealista da época, impulsionada pelas descobertas da psicanálise freudiana, que dava grande importância ao inconsciente e ao sexo.

São 255 fotografias de excepcional qualidade, produzidas por Man Ray em Paris, entre 1921 e 1940, período marcante de sua produção, além de objetos nunca exibidos no Brasil.

Entre eles está o famoso ferro de engomar com tachinhas (Cadeau, 1921), um ready-made de sua primeira exposição individual em Paris cujo título irônico (Presente) subverte o conceito de uma peça que se recebe com satisfação. Outro objeto da mostra, Obstruction (1920/1960), deu um trabalho imenso para a curadora Emmanuelle de l’Ecotais, autora de dois livros sobre Man Ray, e do catálogo raisonné de suas rayografias (fotos obtidas sem recorrer a um aparelho fotográfico, mas por meio de sensibilização à luz de objetos colocados sobre o papel fotográfico).

Cuidadosa, Emmanuelle supervisionou a montagem da dadaísta ‘Obstruction’ peça por peça – são 63 cabides acoplados nessa assemblage que evoca um candelabro, recorrendo ao procedimento dadaísta de trabalhar com objetos do cotidiano (ready-made). Man Ray fez o original em 1920 e produziu uma edição de 15 deles para uma mostra de arte cinética, em 1961. Difícil calcular o preço de objetos como o ferro de engomar ou dessa peça, mas uma fotografia vintage do surrealista pode chegar a ¤ 2,5 milhões.

Das primeiras obras dadaístas de Man Ray às imagens surrealistas, passando por fotos de Paris nos ‘anos loucos’ (1920/30), a retrospectiva foi organizada, segundo a curadora, de modo didático para dar ao público um panorama geral de suas técnicas – ele foi pioneiro em muitas delas, como a solarização – e linguagem. ‘Em cada um dos andares o público vai conhecer seu processo de criação, inclusive seus filmes’.



Autorretrato, Man Ray





Fonte: Antonio Gonçalves Filho, OESP




(JA, Ago19)

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Mais de 7.000 desenhos do artista Edvard Munch estão disponíveis on-line

Museu Munch de Oslo detém boa parte da obra do pintor célebre pelo quadro ‘O Grito’. Instituição está começando a digitalizar o acervo com apoio de fundação
Grito' Cabeça e braços erguidos, trabalho em pincel, giz de cera


O Museu Munch de Oslo, na Noruega, dedicado ao artista norueguês Edvard Munch, 1863-1944, disponibilizou on-line mais de 7.600 desenhos do pintor de ‘O Grito’ em seu site. O acesso às imagens é livre para qualquer uso.

Trata-se de um catálogo raisonné [publicação que cataloga todas as obras conhecidas de um artista] digital dos trabalhos em papel de Munch. Os desenhos datam de 1873, quando ele tinha 10 anos, a 1943, um ano antes de sua morte. 

'Desfile', trabalho em aquarela e lápis feito entre 1877 e 1878


Munch desenhava sem parar e praticamente em qualquer lugar, disse o diretor do museu, Stein Olav Henrichsen, ao site The Art Newspaper.

Entre as obras, há estudos para alguns dos quadros mais conhecidos de Munch, como o próprio ‘O Grito’. Há trabalhos dos cadernos de rascunho do artista em seus anos de formação. Há naturezas mortas, cachorros, paisagens e retratos que permitem acompanhar o amadurecimento do estilo de Munch. 

'Abraço', trabalho feito a lápis entre 1936 e 194
Para Henrichsen, tornar as obras públicas era essencial porque elas permitem um “mergulho profundo no processo criativo do artista”.

Viabilizada pela Bergesen Foundation, organização filantrópica da Noruega, a digitalização das obras deve prosseguir para outros formatos além dos desenhos.


Edvard Munch
Nascido e criado na Noruega, Munch recebeu um breve treinamento formal para a pintura, mas foi predominantemente autodidata. Prolífico, deixou mais de 1.500 quadros, milhares de aquarelas, desenhos, gravura, escultura, trabalhos de gráficos e de cenografia. 
Foi ligado aos movimentos simbolista e surrealista, exibiu suas obras em toda a Europa, influenciou artistas e, com isso, a trajetória do modernismo em países como França, Alemanha e a própria Noruega.
 'Beijo', lápis, 1896



'Na praia', trabalho em aquarela e carvão feito entre 1940 e 1942



'Casa vermelha e abetos', aquarela, de 1942-1943



Ficou famoso logo no início de sua carreira por suas representações da angústia humana, segundo a descrição de uma exposição do artista no Museu Metropolitan, de Nova York. Revisitou com frequência temas de seus primeiros anos de carreira, explorando-os com intensidade e inspiração renovadas. 

‘A fama de Munch recai desproporcionalmente sobre a familiaridade global de uma única imagem’, disse Philip Hook, especialista em arte moderna e Impressionismo da Sotheby’s, multinacional que realiza leilões de arte, entre outros objetos de luxo, ao Art Newspaper. 

'Retrato masculino', lápis, 1935-1940


Para ele, o acesso a trabalhos menos conhecidos do artista é importante para uma compreensão mais aprofundada da obra, e pode também estimular o interesse comercial por ela no mercado de arte.


Texto: Juliana Domingos de Lima    |    =Nexo



(JA, Mai18)

quinta-feira, 10 de maio de 2018

No MAM-SP, exposição mostra Ismael Nery em percurso didático



Mostra conta com mais de 200 quadros do artista plástico que morreu aos 33 anos

Conhecido por representar figuras com traços andróginos e transgressores, Ismael Nery, 1900-1934, tem obras expostas no MAM-SP, desde a última terça (8).

Na exposição ‘Ismael Nery: Feminino e Masculino’, as 210 obras selecionadas pelo curador Paulo Sergio Duarte estão divididas em temas —nus, retratos e autorretratos, danças, cenários e surrealismo.

Nery morreu precocemente —foi vítima de tuberculose aos 33 anos. Duarte diz que, mesmo jovem, o artista passou por todos os movimentos contemporâneos da época —como cubismo, surrealismo e expressionismo.


Segundo o curador, o artista explorava o erotismo em suas pinturas, e seus triângulos amorosos explicitamente sexuais demonstram a ‘contradição entre a ética e moral católica e a prática artística’.  
Obra de Ismael Nery exposta no MAM-SP


Além disso, na visão de Duarte, Nery provocava a sociedade de seu tempo. E cita o exemplo de tela em que retrata uma mulher branca se relacionando com um negro. ‘Se hoje isso choca certas pessoas, imagina naquela época’, diz.


O curador destaca uma curiosidade biográfica. Ele conta que Nery costumava jogar fora suas obras após terminá-las. Era o poeta Murilo Mendes, 1901-1975, amigo do artista, quem as conservava.

Duarte acredita que o longo período, 18 anos, em que Ismael Nery não teve uma exposição desse porte fez com que toda uma geração de jovens artistas e professores não tivessem contato com sua obra.


Por isso, a mostra não é dedicada a especialistas.

Obra de Ismael Nery exposta no MAM-SP


Professor-pesquisador da Universidade Candido Mendes e da Escola de Artes Visuais, ambas no Rio de Janeiro, ele diz que escolheu essa linha curatorial didática porque ‘falta educação no país’.


‘Reina a ignorância no Brasil. Eu dou aula desde 1978 e vejo o declínio da qualidade dos alunos ano a ano. Ao invés de melhorar, eles pioram, hoje os alunos não têm nem o domínio da língua portuguesa’, diz o curador.

O curador calcula que, entre as peças que estarão disponíveis ao público até agosto, apenas 50 provenham de instituições; o restante foi emprestado por coleções particulares.

‘Isso é uma tendência, e é quase uma tradição brasileira. As instituições não têm recursos para adquirir essas obras’, diz.

Em uma parede detrás dos painéis principais da exposição, estão quatro obras. A reserva se deve ao fato de que retratam cenas sexuais e, por isso, não são recomendadas para menores de 12 anos.


O MAM-SP, seguindo orientação de seu departamento jurídico, adotou os avisos após um incidente no ano passado.

Obra de Ismael Nery exposta no MAM-SP


Em setembro, o museu foi alvo uma onda de protestos, após a divulgação de um vídeo feito no local, no qual uma criança interagia com o artista Wagner Schwartz, nu em sua performance ‘La Bête’.


Apesar de ter acatado a orientação, Duarte afirma achar ‘tudo isso uma regressão terrível no Brasil’.

‘Os jovens hoje em dia têm acesso à internet e podem ver na internet coisas muito piores’, diz Duarte, que considera atitudes como esta ‘um retorno à censura’.






Ismael Nery:  Feminino e Masculino

MAM, av. Pedro Álvares Cabral, s/n, (11) 5085-1300;

de ter. a dom., das 10h às 17h30.

Até 9/8.

R$ 7





Texto: FSP, Artes Plásticas  


(JA, Mai18)