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quarta-feira, 10 de junho de 2020

Museus europeus começam a reabrir


Após fim do distanciamento social do coronavírus, instituições de arte vivem sob nova realidade pós-pandemia, e  abrem as portas pela primeira vez

Visitante no Museu do Prado, em Madrid, na Espanha, após espaço reabrir as portas depois do isolamento social causado pelo novo coronavírus


Nesta virada de mês, os principais museus europeus começaram a reabrir como se tivessem recuado dezenas de anos na máquina do tempo.

‘Estamos na situação ideal para experimentar as exposições de maneira calma, relaxada e tranquila, como era possível há décadas e décadas atrás’, resume Eike Schmidt, diretor das Galerias dos Uffizi, que concentram em Florença obras-primas da Idade Média e do Renascimento, como Giotto, Botticelli, Michelangelo e Caravaggio
.
Crise, restrições a viagens e medo de contágio do coronavírus devem afastar turistas internacionais e cortar as visitas nacionais, diz o diretor do museu, que sonha com o fim da era do ‘selfie-to-go’.

Na Espanha, o Prado reabriu no último fim de semana com uma reorganização da coleção para tirar o melhor da necessidade de reduzir o fluxo e reorientar o caminho dos visitantes pelo museu.

Das 1.714 obras da instituição em Madri, 214 foram selecionadas para compor ‘O Reencontro’, com 85 mudando de sala para otimizar a visita de no máximo 1800 pessoas por dia, ou um terço da frequência normal.


Diego Velázquez, 'As Meninas'


Na ‘coleção concentrada’, é possível ver lado a lado os autorretratos de Dürer e Tiziano, ou as representações de ‘Saturno’, de Rubens e Goya; no mesmo espaço estão ‘A Deposição da Cruz", de Rogier van der Weyden, e sua contemporânea ‘Anunciação’, de Fra Angelico, e sete obras de Diego Velázquez se mudaram para a mesma sala da famosa ‘As Meninas’.

A Itália e a Espanha fazem parte dos 32 entre 35 países europeus que já haviam liberado totalmente a reabertura de museus no começo de junho. O Louvre, na França, anunciou há pouco que pretende reabrir em julho
.
Entre os maiores países, a Rússia não marcou data e o Reino Unido vai manter esses espaços fechados ao menos até 4 de julho. Na França, museus pequenos abriram, mas outros estão em compasso de espera. Instituições como a Tate e a National Gallery, em Londres, disseram ser cedo até para falar em planos de reabertura.

Mas o Centro Pompidou, maior museu de arte moderna da Europa, já tem data marcada – de julho, segundo o diretor Bernard Blistène, que planeja inventar “um novo relacionamento com o público”, agora que só pequenos grupos serão permitidos.

Por causa das paralisações, o Beaubourg, como o museu é conhecido, adiou para outubro a exposição que comemoraria o 150º aniversário de Matisse, e rearranjou planos para outras galerias e atividades.

‘Diferente dos outros espaços, o museu induz uma relação particular com o tempo’, diz Blistène, que vê a pré-pandemia como período propício à ‘desaceleração pela qual clamavam os surrealistas, para incentivar todos a pensar’.

‘O espaço do museu terá que ser mais do que nunca uma plataforma de intercâmbio e educação. É isso que me interessa, mais do que sonhar com uma volta ao mundo anterior’, diz o diretor.

Em Berlim, o Instituto KW de Arte Contemporânea reabriu no fim de maio, com a expectativa de receber 40 visitantes por dia, menos de um quarto da frequência anterior. ‘Aqueles que vão ao museu para ver arte amarão o silêncio e o ‘um a um’ com cada obra’, diz Karoline Köber, chefe de comunicação.

Dias antes, a Pinakothek da Alemanha havia aberto o Pinakothek der Moderne, com seus quatro museus de arquitetura, design e arte gráfica. Bernhard Maaz, diretor das coleções de pintura da Bavária, disse esperar uma reconstrução ‘passo a passo’ das atividades.


Pablo Picasso - 'Guernica'


A frequência também ficou mais restrita no Reina Sofía, que abriga o famoso ‘Guernica’, de Pablo Picasso –só um terço dos antigos visitantes poderão entrar nos três espaços do museu.

Prevista para a primeira quinzena de junho, a reabertura será com as exposições organizadas antes do confinamento —‘Musas Insubmissas’, e uma retrospectiva da obra de Ignacio Gómez de Liaño—, agora prorrogadas. Uma mostra do holandês Piet Mondrian foi adiada para novembro.

Segundo a diretora de comunicação do Reina Sofía, Concha Iglesias, o pós-pandemia será um período sem exposições de grandes nomes e longas filas.
‘Esta é a hora de buscar novas colaborações entre as diferentes instituições, entre o público e o privado, e intensificar o trabalho em rede’, diz ela, que antevê visitantes ainda inseguros em relação a espaços fechados.

Abrigado num antigo hospital que atendeu vítimas da Gripe Espanhola, o Reina Sofía quer ‘voltar a cuidar dos visitantes com a maior segurança possível, de uma nova forma’, afirma Iglesias.

A ideia de museus como ‘espaços particularmente adequados para nos abrigarmos, nos momentos de incerteza, em que o futuro nos aflige’, está também no imaginário de Ferran Barenblit, diretor do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona.

Com uma releitura da coleção sob o contexto do coronavírus, ele espera reabrir suas portas na segunda metade de junho. Barenblit elencou para o jornal espanhol El País obras que remetem à pandemia –entre elas, estão ‘A Natureza da Ilusão Visual’, de Juan Muñoz, em que os personagens estão isolados, sem contato, em um mundo irreal, ‘Rizen’, de Tàpies, uma cama de hospital que recebe o visitante, e o mural ‘Todos Juntos Podemos Vencer a Aids’, de Keith Haring, sobre uma epidemia que ainda mata 700 mil pessoas por ano.

Diogo Velázquez  -  'Velha Fritando Ovos',


Além de se prepararem para a nova dinâmica no mundo real e no espaço físico, os museus se deram conta de que há todo um espaço novo a ocupar, segundo Julia Pagel, secretária-geral da Rede de Organizações de Museus Europeus.

Os serviços digitais cresceram em 80% deles, com vídeos, jogos, testes e atividades educacionais, mostra pesquisa feita pela rede com museus de 48 países.

Durante o confinamento, a Uffizi publicou 21 exposições na internet e criou um perfil no TikTok. Em dois meses de fechamento, recebeu quase 4 milhões de visitantes virtuais, número próximo de seu público físico em um ano. Num único dia, 1,4 milhão de pessoas viram dois clipes em chinês.

As visitas online cresceram em 40% dos sites europeus, segundo a Rede de Organizações, com alguns registrando alta de até 150% em abril.

Lançar rapidamente atividades digitais foi também a reação do KW alemão, diz Köber: foram três turnês online, dez filmes, quatro trabalhos em vídeo de artistas expostos pelo museu, quatro transmissões ao vivo de eventos no bar do museu, além de um documentário e mais de 30 mostras de exposições individuais.

Segundo Pagel, da Rede de Organizações, o desafio agora será inovar no uso da tecnologia, para se adaptar a uma nova sociedade. ‘Não basta colocar os quadros na internet. Precisamos inventar novos formatos’.

Ainda de acordo com ela, as consequências do ‘novo normal’ vão afetar quase todos os aspectos dos museus nos próximos meses ou anos, com perda de renda, mudanças no comportamento dos visitantes e novas exigências de saúde que terão impacto nos custos e na organização do trabalho.

Embora boa parte dos grandes museus europeus tenha apoio do estado, 3 em cada 5 dos diretores ouvidos pela Rede de Organizações disseram perder em média € 20,3 mil, cerca de R$ 138 mil, por semana durante a pandemia. Em alguns, até 80% da renda desapareceu.

A conta é alta para instituições maiores e de cidades turísticas. Em um continente com 20867 museus, 5764 deles de arte (segundo o Egmus, grupo europeu de estatísticas sobre museus), passam pelas galerias 655 milhões de visitantes por ano, com uma proporção de estrangeiros que chega a 28% na Holanda, 45% em Portugal e 70% na Bélgica. Em Londres, eles são mais de 60% no Museu Britânico e na Galeria Nacional.

A queda de 50% a 70% no turismo global neste ano, segundo a OCDE, faz escassear não só receitas de ingressos, mas as de produtos licenciados, dos cafés e restaurantes e de aluguel de espaços, como relata Iglesias, do Reina Sofía.

Com a segunda maior coleção de pinturas de Van Gogh no mundo, o Kröller-Müller, que fica num parque em Otterlo, na Holanda, reabriu em 1º de junho sem ao menos 46% de seus visitantes, que vêm do exterior, diz a diretora Lisette Pelsers.

No Reino Unido, preveem queda forte na frequência quase 90% dos 427 diretores e profissionais de museus entrevistados pelo Art Fund, filantrópica que capta recursos para arte; mais da metade, 56%, diz temer pela sobrevivência.

A Royal Academy, por exemplo, que depende de visitantes, doadores e patrocinadores, está perdendo cerca de £ 1 milhão, mais de R$ 6 milhões, por mês, segundo a assessora Annabel Potter. Sem data para reabertura, precisou cancelar exposições de Angelica Kauffman e Cézanne.

A saída, segundo a executiva da Nemo, tem que passar por colaboração transnacional e trabalho em rede. ‘A crise mostrou que os museus, vistos injustamente como paquidermes, podem ser ágeis. Em três semanas a grande maioria deles reorganizou rapidamente suas equipes para chegar ao público de uma nova forma’, afirma.

Seria porém ‘hipócrita e falso’ acreditar que tudo mudará quando o coronavírus for erradicado, diz Blistène, diretor do Beaubourg.

‘Sejamos francos, o impacto dessa pandemia é fazer as pessoas entenderem que o sistema econômico e social em que vivemos, está sem fôlego, inclusive em países economicamente privilegiados como a França’, afirma ele.

Segundo o diretor, o principal efeito do desconfinamento deveria ser perguntar quem vinha frequentando os museus? Quem virá amanhã? E por que outras razões. além do entretenimento?

‘E tentar fornecer respostas’, acrescenta.








Fonte:  Ana Estela de Sousa Pinto  |  FSP




(JA, Jun20)




domingo, 29 de setembro de 2019

Culpa colonial impulsiona revisão histórica em instituições europeias




Museu troca termo 'Era Dourada' por 'Século 17 Holandês' para abarcar lado negativo do período


Ilustração Catarina Pignato


Numa Europa que lida com a ascensão de governos populistas dados à glorificação do passado como forma de reforçar a identidade nacional, um museu holandês provocou grande polêmica ao decidir que a era mais vistosa da história de seu país não deveria mais ser enaltecida.

Há duas semanas, o Museu de Amsterdã determinou que a Era Dourada deverá ser chamada apenas de Século 17 Holandês em suas exposições e coleção permanente.
Em nota, o curador Tom van der Molen, responsável pelo setor na instituição, afirma que ‘a Era Dourada ocupa um lugar importante na historiografia ocidental’, mas que as associações positivas ao termo, ‘como prosperidade, opulência e inocência, não dão conta da realidade histórica’.

‘O termo ignora diversos lados negativos do século 17, como pobreza, guerra, trabalhos forçados e tráfico humano’.

A discussão envolve o Brasil: entre 1630 e 1654 a Companhia das Índias Ocidentais holandesa gerenciou uma grande colônia no Nordeste, centrada em Pernambuco. O domínio coincidiu com o ápice da Era Dourada —termo que segue em uso no outro museu principal da capital holandesa, o Rijksmuseum.

O século 17 viu a miséria citada por Van der Molen, mas também o esplendor do zênite da arte alimentada por patronos enriquecidos pelo comércio ultramarino: gênios como Rembrandt e Johannes Vermeer atuaram naquela época.

A decisão desagradou o governo holandês, de centro-direita. ‘Primeiro tivemos de mudar as placas de rua, aí caíram estátuas e agora toda a Era Dourada vai para o lixo? É covardia reescrever a história’, disse ao jornal De Telegraaf o deputado Zohair el Yassini.

Questionado pela Folha, o principal especialista holandês em questões de restituição colonial, Jos van Beurden, buscou contemporizar.

‘É preciso debater à luz da discussão sobre o passado colonial da Europa, que geralmente acaba numa discussão binária’, afirma. ‘O termo Era Dourada é confortável porque faz pensar mais no nosso passado glorioso do que no seu lado sombrio. Mas o nosso não existe mais, e é preciso discutir para quem o século 17 foi dourado’.

O episódio é apenas o mais recente de uma longa série. Em Portugal, outro país de dimensões irrisórias, que logrou construir um enorme império com as mesmas implicações que os holandeses, discutem - um museu também está no centro de controvérsia.

A Câmara Municipal de Lisboa decidiu no ano passado pela construção de um Museu dos Descobrimentos. A reação foi imediata, com manifesto de intelectuais e historiadores pedindo a reconsideração do nome e da temática —a escravidão, a subjugação dos indígenas no Brasil, e outros tantos temas sensíveis entraram como argumento.

Ao fim, em dezembro os legisladores incluíram no projeto a obrigatoriedade de uma seção dedicada à escravidão.

Em julho, também foram destinados fundos para a criação do primeiro Memorial da Escravatura, que deve ficar pronto em 2020. Houve acirrados debates entre deputados de direita e de esquerda, com os primeiros criticando o que chamam de autoflagelação em detrimento da celebração dos exploradores.

É um equilíbrio delicado, como demonstra o livro ‘Conquistadores’ (Ed. Crítica, 2016), do historiador britânico Roger Crowley: a engenhosidade portuguesa na construção de seu império era, ao mesmo tempo, admirável e abominável.

O mesmo se pode dizer da grande maioria das empreitadas coloniais europeias. A maior de todas, a britânica, também é alvo de escrutínio. Ali, a questão é carregada por tintas do politicamente correto.

Em 2017, por exemplo, foi reaberto após uma reforma o Museu Nacional do Exército, em Londres. Só que as longas exibições cronológicas foram substituídas pelo que um observador poderia chamar de sessão de análise histórica.

Surgiram paredes com advertências contra o militarismo, e até sistemas de votação, no qual o visitante é perguntado se vale a pena colocar o dinheiro no Exército. As coleções de arte decorrentes de séculos de domínio de terras distantes é outra vertente do debate.

São clássicas as recusas do Museu Britânico em devolver os tesouros adquiridos ou roubados de antigas colônias: o Egito, por exemplo, reclama a devolução de artefatos como a Pedra de Rosetta, tablete com textos em grego, demótico e hieróglifos, que tornou possível a tradução da escrita dos antigos egípcios.

Na França, o governo de Emmanuel Macron criou, no ano passado, uma comissão que está catalogando as dezenas de milhares de peças retiradas de antigas colônias africanas.

Para o especialista em restituições Van Beurden, não há uma regra única para lidar com essas demandas. ‘É preciso ver o contexto de cada retirada. Só devolver não remenda o passado’, disse.

A ascensão do politicamente correto também turva aspectos pouco agradáveis do debate, como os riscos que as coleções correm em seus países natais. Por paternalista, o argumento da falta de estrutura é usualmente descartado.

Mas poucos se lembram da grande devolução de obras congolesas pela Bélgica ao regime de Mobutu Sese Seko, no então Zaire, em 1977, quando quase tudo desapareceu para reaparecer no mercado de arte ilegal.

Às vezes, o choque histórico resvala o inusitado. A Marinha Real britânica fez um protesto formal, no começo de 2018, contra a decisão do Museu Marítimo da Escócia de instituir artigos e pronomes neutros para designar embarcações —tratadas como entes femininos em todas as forças navais do mundo, algo que segundo a direção poderia ferir sensibilidades modernas.

Já na mesma Holanda da presente polêmica, o conde Maurício de Nassau teve o busto retirado do museu que leva seu nome, em um prédio que havia erigido, em Haia.





O Mauritshuis, que hospeda a célebre pintura ‘Moça com Brinco de Pérola’, de Vermeer, considera que o passado do antigo dono da casa, como governador colonial no Brasil (1636-44), o tornava indigno da homenagem.

Até o premiê holandês protestou, mas a remoção foi mantida. Para Van Beurden, a solução é a conversa. ‘Acho que todos os interessados deveriam sentar e discutir, certamente haveria uma alternativa inclusiva e até brilhante, como a Era Dourada’, disse.


Europa concentra casos de mudanças e debates

A Era Dourada

Fachada do Rijksmuseum, em Amsterdã

O Museu de Amsterdã baniu o termo para definir o ápice do poder colonial holandês, por considerar que ele ignora consequências como a escravidão.

Descobrimentos?

Lisboa debate se deve criar um Museu dos Descobrimentos, dado o passivo humano da colonização portuguesa

 O patrono malvado

Museu Maurithuis fica na cidade de Haia, Holanda


O museu Maurithuis, em Haia (Holanda), retirou o busto de Maurício de Nassau, antigo dono do prédio, por suas aventuras coloniais no Brasil.
Devolução de artefatos

A França formou comissão para devolver peças de museus a ex-colônias, e há pedidos de retorno de ícones como a Pedra de Rosetta (do Egito, está no Reino Unido) ou o busto de Nefertiti (do Egito, está na Alemanha)


Mulher fotografa obra de Rembrandt exposta no museu Michael Kooren



Fonte: Igor Gielow  |  FSP


(JA, Set19)