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domingo, 27 de fevereiro de 2022

Volpi no Masp - o pintor foi de operário a astro modernista


O artista proletário se tornou um mestre do movimento artístico, sem querer ser de vanguarda — e deixou um legado que vai muito além das bandeirinhas

 

Mistério no Mar - A cativante cena litorânea: figura enigmática que é meio sereia, meio Iemanjá 


Um século atrás, a elite paulistana assistia aturdida às ousadias da Semana de 22 — mas o jovem Alfredo Volpi (1896-1988) não estava nem aí para esse trem que seria conhecido como modernismo. Ele tinha, de fato, mais que fazer: italiano pobre, que viera ainda criança de Lucca, na Toscana, trabalhava na construção civil para garantir o sustento.

Àquela altura, Tarsila do Amaral estudava na Europa com luminares como Fernand Léger; Oswald e Mário de Andrade, bem como Cândido Portinari, frequentavam os salões endinheirados da Pauliceia.

Volpi, em contraste, estudara só até o ginásio. Mais um rosto em meio à massa de imigrantes da metrópole, foi encanador, marceneiro e, finalmente, pintor de paredes. É uma ironia pensar que um dos artistas plásticos mais reconhecíveis e valorizados hoje no país, com suas incontornáveis bandeirinhas, atuasse então como mero preparador das superfícies, nas quais outros pintores decorativos fariam seus trabalhos. Como ele foi de operário dos pincéis, a nome central da arte moderna brasileira, é uma pergunta respondida com louvor pela mostra Volpi Popular — que acaba de estrear no Masp, em São Paulo.


Marca Registrada - As inconfundíveis fachadas e adereços juninos: simplicidade

Volpi nunca se identificou com as vanguardas modernistas, e era avesso a divagações teóricas: homem prático, burilou sua pintura a partir da labuta diária como artesão. ‘Ele era um mestre autodidata e intuitivo. Em vez de se associar a movimentos, preferia trabalhar tranquilo em seu ateliê no bairro do Cambuci, fumando um cigarrinho de palha’, diz o curador-­chefe do Masp, Tomás Toledo.

Por trás da humildade inquebrantável, porém, havia um artista bem-informado sobre as questões da arte de seu tempo. Ainda que seu reconhecimento tenha sido tardio: até os anos 1950, alguns estudiosos esnobavam o caráter supostamente naïf (ou ingênuo) de sua obra. Um dos responsáveis por quebrar esse preconceito, o crítico Mário Pedrosa, notou que Volpi ‘passou, naturalmente, por todas as fases da pintura moderna, do impressionismo ao expressionismo, do fauvismo ao cubismo, até o abstracionismo’. 


Volpi: poucas palavras e muitos cigarrinhos de palha no ateliê


Absorção E Intimismo Em Volpi

A verdade é que Volpi foi muito além da soma desses ‘ismos’: assim como Tarsila e Portinari, ele alcançou a condição rara de artista não apenas inovador, mas popular.

A mostra do Masp, com cerca de 100 itens, investiga a ligação entre a vida do pintor, e um universo temático, que vai da arquitetura do casario simples, às festas e costumes sociais. Inspirações que não extraía das ruas agitadas de São Paulo, mas da mansidão do interior — são constantes em seus quadros cenas de Mogi das Cruzes, cidade paulista onde tinha uma chácara, e Itanhaém, no Litoral Sul do estado.

Volpi viveu alguns anos à beira-mar por recomendação médica: sua esposa, Judite, padecia de uma doença sobre a qual não se sabem detalhes.


Os anjos pintores

Sua união com Judite, aliás, aprofundou a conexão de Volpi com as raízes brasileiras. Entre filhos de sangue, e adotivos, o italiano criou dezenove crianças junto com a esposa negra.

Ele imortalizou Judite em uma tela na qual ela surge nua, de braços abertos. A admiração pelos afrodescendentes o levou a povoar muitas de suas obras com personagens de pele escura — o que configurava uma avançada piscadela para a diversidade no Brasil da primeira metade do século 20. Às vezes, Volpi não tinha pudor em afrontar o tradicionalismo católico: pintou um lindo anjinho, e até uma Madona com Menino Jesus, negros. 


Cores e Formas - Mais uma entre as muitas obras sem título do pintor: a beleza na diluição radical dos objetos


Volpi – Coleção Espaços da Arte Brasileira

Uma das virtudes da retrospectiva do Masp é expor esse Volpi, que vai além das bandeirinhas. Logo na entrada, o espectador é apresentado à sua vasta produção de imagens religiosas. Durante um período da vida, ele produziu gravuras de santos para sobreviver. Não considerava a atividade parte de sua obra.

Mas a linha que dividia o Volpi artesão, do Volpi artista, era tênue: ao mesmo tempo, fez estupendas pinturas do gênero. Ele se devotou também a outras formas de misticismo pop: uma tela em tons de verde e azul exibe uma graciosa figura feminina que é meio sereia, meio — possivelmente — Iemanjá. 


Ousadia - O quadro que mostra a Madona e o Menino Jesus negros: uma avançada piscadela para a diversidade


A dúvida sobre os tipos que povoam sua obra decorre de um dado peculiar: Volpi era um homem de poucas palavras, e não deu nome à muitos quadros, alimentando o mistério sobre seu universo.

Não se sabe ao certo, inclusive, como ele descobriu sua marca maior, as bandeirinhas. Reza uma teoria que, certo dia, teria se encantado ao ver Mogi das Cruzes toda decorada para as festas juninas. Outra vertente sustenta que elas teriam surgido de sua diluição obsessiva das formas arquitetônicas. Impossível elucidar se uma das versões procede — mas é fato que Volpi foi radicalizando o expediente com o tempo. ‘Mais que as paisagens, pessoas e objetos, ele se interessava pela simplificação das formas, e pela exploração das cores e texturas’, diz o curador Toledo.

Eis o feito de Volpi: em uma única e singela bandeirinha, ele sintetiza um imenso legado modernista.




Fonte: Marcelo Marthe | Veja Ed. 2778

 

(JA, Fev22)

 


quinta-feira, 29 de julho de 2021

Relíquias no armário - a redescoberta de obras de mestres da pintura

Esquecidas em closets, sótãos ou depósitos, peças são resgatadas por pesquisadores e agora voltam a ser exibidas ao público 


VAN GOGH - Aquarela que não era exposta desde 1903: deixada em um sótão e vendida como quinquilharia


Mantida por mais de cinquenta anos dentro de um armário, uma tela quadrada com 40 centímetros de lado chamou a atenção do herdeiro que acabara de receber do espólio do pai uma casa no Maine, nos Estados Unidos. A obra em papel trazia no canto inferior direito a assinatura de Pablo Picasso e a data de 1919.

Acredita-se ser um estudo do pintor espanhol para a cortina de palco do espetáculo de balé O Chapéu de Três Pontas, produzido pela companhia francesa Ballets Russes, que estreou naquele mesmo ano em Londres, na Inglaterra. No início de julho, a relíquia esquecida foi a leilão pela LiveAuctioneers, que a vendeu por 150 000 dólares.

Nem o vendedor nem o comprador quiseram se identificar. Segundo o herdeiro, a avó e uma irmã dela estudaram na Europa nos anos 1920. A tia-avó acabou se tornando professora de história inglesa na Universidade Rutgers, em Nova York, e gostava de colecionar livros raros e de arte. ‘A pintura foi descoberta em uma casa de propriedade de minha tia-avó, que foi passada a ela por um parente no fim dos anos 1930’, disse o vendedor em uma declaração. ‘Havia várias pinturas guardadas em um armário durante cinquenta anos (incluindo essa) que foram deixadas por ela’. 


O valor baixo se explica porque a tela ainda não foi autenticada por Claude Ruiz-Picasso, herdeiro do pintor e principal responsável pelo espólio. O comprador tem 120 dias para submeter a obra à avaliação.

A semelhança entre o estudo e a cortina, porém, é impressionante. Com 6 metros de comprimento por 5,8 metros de altura, a peça foi comprada em 1959 por Phyllis Lambert, filha de Samuel Bronfman, fundador do império Seagram, por 50 000 dólares. Durante décadas, ornamentou o restaurante Four Seasons, em Nova York. Em 2015, passou a integrar o acervo da Sociedade Histórica de Nova York, onde está em exposição até hoje.

Histórias como a do Picasso perdido não são raras no mundo da arte.

No ano passado, um colecionador comprou por valores não revelados a aquarela O Prado de Van Gogh com Igreja Nova ao Fundo, e a cedeu em comodato ao Museu de Arte Moderna de Saitama, em Tóquio.

Datada de 1882, a obra ficou esquecida em um sótão durante anos e, mais tarde, chegou a ser vendida como quinquilharia por um carpinteiro.

De volta aos Estados Unidos, a Apolo e Vênus, do mestre holandês Otto van Veen, 1556-1629), foi encontrada no depósito do Hoyt Sherman Place, mansão histórica em Des Moines, em Iowa. A tela, que retrata Vênus como uma pintora em ação, passou por restauração para recuperar suas cores vivas. Avaliada entre 4 milhões e 11 milhões de dólares, ela está em exibição permanente no próprio teatro Hoyt Sherman.

O maior desafio dos pesquisadores é comprovar a autenticidade dos achados artísticos, e evitar a ação de falsificadores.

Na era moderna, análises laboratoriais detectam se o estilo, a técnica e o material utilizado são compatíveis com um determinado pintor, o que aumenta a probabilidade de identificação. Em alguns casos, nem isso é preciso.

No século passado, uma equipe do museu das Capelas dos Medici, em Florença, na Itália, encontrou a entrada da sala secreta de Michelangelo, debaixo de um armário na Basílica de São Lourenço. O lugar dava acesso a um alçapão que conduzia ao aposento, cujas paredes estavam repletas de desenhos do mestre italiano. Não houve dúvidas a respeito da autoria: Michelangelo provavelmente passou dois meses escondido lá, em 1530.

Tirar Picassos, Van Goghs e Michelangelos do armário não é ótimo apenas para os colecionadores e herdeiros que os encontraram, mas também uma dádiva para a humanidade. 





Fonte: Alessandro Giannini | Revista Veja

 

(JA, Jul21)

 


segunda-feira, 24 de maio de 2021

Jean-Baptiste Debret

  

Jean-Baptiste Debret (Paris, França 1768 - idem 1848), foi um Pintor, desenhista, gravador, professor, decorador, cenógrafo.

Frequentou a Academia de Belas Artes, em Paris, entre 1785 e 1789, tendo sido aluno de Jacques-Louis David (1748-1825), seu primo e líder do neoclassicismo francês.

Estudou fortificações na École de Ponts et Chaussée [Escola de Pontes e Rodovias, futura Escola Politécnica], onde se tornou professor de desenho.

Em 1798, auxiliou os arquitetos Percier e Fontaine na decoração de edifícios. Por volta de 1806, trabalhou como pintor na corte de Napoleão (1769-1821). Após a queda do imperador, e com a morte de seu único filho, Debret decide integrar a Missão Artística Francesa, que veio ao Brasil em 1816.

Instalou-se no Rio de Janeiro e, a partir de 1817, ministrou aulas de pintura em seu ateliê, onde teve como aluno Simplício de Sá (1785 - 1839).

Em 1818, colaborou na decoração pública para a aclamação de D. João VI (1767-1826), no Rio de Janeiro.

Por volta de 1825, produziu águas-fortes, que estão na Seção de Estampas da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 


                   Casario, aquarela sobre papel 


De 1826 a 1831, foi professor de pintura histórica na Academia Imperial de Belas Artes - AIBA, atividade que alterna com viagens para várias cidades do país, oportunidades em que retrata tipos humanos, costumes e paisagens locais.

Na AIBA teve como alunos Porto Alegre (1806-1879), e August Müller (1815-~1883).

Em 1829, organizou a Exposição da Classe de Pintura Histórica da Imperial Academia das Bellas Artes, primeira mostra pública de arte no Brasil.

Deixou o Brasil em 1831, e retornou a Paris com o discípulo Porto Alegre.

Entre 1834 e 1839, editou, o livro ‘Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil’, em três volumes, ilustrado com litogravuras que têm como base as aquarelas realizadas com seus estudos e observações.


Sinopse

Jean Baptiste Debret estudou na Academia de Belas Artes, de Paris, entre 1785 e 1789, onde foi aluno do pintor francês Jacques-Louis David (1748-1825), formou-se, portanto, dentro dos ideais neoclássicos.

Pintor de história, trabalhou com arquitetos conceituados na ornamentação de edifícios públicos e particulares.

Em torno de 1806 foi pintor na corte de Napoleão.

Integrou a Missão Artística Francesa, que veio ao Brasil em 1816, cujo primeiro objetivo era promover o ensino artístico no país. Em seu ateliê lecionou pintura e teve como alunos, entre outros, Porto Alegre (1806-1879), August Müller (1815-~1883), e Simplício de Sá (1785-1839).

Realizou em 1818, com o arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850), a ornamentação das ruas da cidade do Rio de Janeiro, para a aclamação de D. João VI (1767-1826).

Na Academia Imperial de Belas Artes - AIBA, a partir de 1826, ensinou pintura histórica. Paralelamente, visitou várias cidades do país, representando suas paisagens e costumes.

Organizou, em 1829, a ‘Exposição da Classe de Pintura de História da Academia’, importante por ser a primeira mostra pública de arte no Brasil, dando origem às Exposições Gerais, com prêmios oficiais.

Trabalhou como pintor da corte, representando acontecimentos ilustres e cenas oficiais. Revelou-se um desenhista atento às questões sociais brasileiras, ilustrando e documentando os acontecimentos da época.

A maioria de suas telas parece ser destinada à gravura. Debret e a corte têm consciência da importância da circulação das gravuras para a divulgação da imagem do Estado. Segundo o historiador Luciano Migliaccio, por esse motivo a pintura de Debret é, em parte, descrição atenta do cerimonial da corte, em formato modesto e apropriado, para fácil compreensão, como ocorre, por exemplo, com os quadros Aclamação de Dom João VI (~1822) e Chegada da Imperatriz Leopoldina (1818).

No quadro Coroação de Dom Pedro I (1822), que teve por modelo a pintura de David, o artista conferiu à obra um caráter cívico, e se preocupou com a necessidade de criação de um imaginário político.

Debret retornou à França em 1831.

Parte das aquarelas feitas no Brasil, litografadas, ilustra a obra ‘Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil’, publicada entre 1834 e 1839.

O livro, em três volumes, trata das florestas e dos selvagens, das atividades agrárias, do trabalho escravo, e dos acontecimentos políticos e culturais.

Destaca-se a preocupação documental do artista, que representa cenas típicas de atividades e costumes do Rio de Janeiro, procurando traçar um painel social da cidade.

Apresenta muitos aspectos relacionados ao trabalho escravo, ora acentuando o lado mais expansivo das relações sociais, ora expondo serviços extenuantes, como os de carregadores e trabalhadores das moendas. Mostra o trabalho dos negros de ganho que percorrem as ruas da cidade, prestando vários tipos de serviços.

O historiador Rodrigo Naves aponta a dificuldade do artista em transpor as ideias neoclássicas para o Brasil, por fatores como o caráter da monarquia instaurada, e a questão da escravidão no país. Para o autor, os desenhos realizados para a Viagem Pitoresca revelam o esforço do artista para lidar com o dilema criado pelo conflito entre sua formação neoclássica e a realidade brasileira.

Nas aquarelas, feitas com agilidade, o artista parece sentir-se mais à vontade, e revela seu domínio técnico: elas apresentam um colorido espontâneo, leve e harmonioso. Segundo Rodrigo Naves, em algumas aquarelas, a forma de representação dos trabalhadores faz com que seus corpos tenham um aspecto vulnerável. Também nas vestimentas ocorre forte ambiguidade: sobrepostas, soltas, meio esgarçadas e rudes, as roupas dos negros não mantêm vínculos com a tradição dos panejamentos.

Na representação dos personagens de Debret, os tecidos transmitem aos corpos sua falta de consistência.

Nas gravuras, as situações dúbias da sociedade revelam-se pela aproximação entre as figuras e seu ambiente. Os contornos são pouco marcados, um meio cinzento aproxima corpos e espaço, como ocorre em Lavadeiras a Beira-Rio (Viagem Pitoresca).

Nas litografias, a sutileza do cinza cria uma espécie de liga que unifica as cenas.

Nas ilustrações da Viagem Pitoresca, por meio da fragilidade das formas e da pressão que os personagens sofrem do espaço, o artista expressa a ambiguidade da sociedade brasileira.

Após o retorno a Paris, o artista retoma o contato com companheiros neoclássicos, volta ao linearismo, às formas incisivas, e à gestualidade acentuada.

 

Retour d'un proprietaire 

 


Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural 


 

(JA, Mai21)

 


quarta-feira, 14 de abril de 2021

Jeanne Hébuterne

A trágica história de amor de dois pintores talentosos

A artista amou Amedeo Modigliani até a morte

 


Jeanne Hébuterne sacrificou seu talento e toda sua vida pelo amor ao conhecido pintor Amedeo Modigliani. Não foi uma história com final feliz. Apesar dos brilhantes dons artísticos de ambos, sua vida foi cheia de vícios, doenças, problemas financeiros... e amor excessivo.

Jeanne Hébuterne, apesar de ser uma prolífica pintora, entrou para a história apenas como esposa do famoso artista Amedeo Modigliani, naquela que é lembrada como uma das mais trágicas histórias de amor do mundo da arte.

Infelizmente, as produções de Jeanne Hèbuterne foram totalmente ofuscadas para ceder à proeminência de seu esposo. Ela, que tinha um talento notável, teve que abandonar seu gênio para homenagear seu companheiro de vida.


 


Sua vida progrediu em uma evolução agonizante que a levou à abnegação e submissão, à destruição pela relação tortuosa e, em última instância, à mitologização de um amor romântico inexistente, cujo fim foi a depressão, a alienação e o suicídio. Uma vida triste e dramática da qual, ainda hoje, devemos aprender.

Quem foi Jeanne? Ela era uma menina que nasceu em 6 de abril de 1898 em Meaux, Seine-et-Marne, na França. Filha de família simples, austera, católica e trabalhadora - seu pai trabalhava como contador em um armarinho no centro comercial da cidade - seus dons apareceram muito cedo.

Seu irmão André, que queria ser pintor, apresentou-a à comunidade artística de Montparnasse onde conheceu alguns artistas com os quais aprendeu, e até posou.

Jeanne era uma jovem gentil, tímida e calma. Adorava música, tocava violino e criava designs de roupas com influências orientais.

 

Retrato de Jeanne por Modigliani

.

"É uma das histórias de amor mais trágicas do mundo da arte.”

 

Dois jovens artistas

Sua pintura, por outro lado, era fresca, colorida e de traços firmes, sendo muito apreciada pelo círculo de artistas da época. Aos 19 anos ingressou na Academia Calarossi, onde conheceu o homem por quem se apaixonou, que na altura tinha 33 anos, e já tinha uma reputação duvidosa de depravado, alcoólatra e extravagante. 


Uma das turmas da Academia Calarossi 

Era Amedeo Modigliani, nascido em 1884 em Livorno, Itália, de onde partiu rumo à boêmia Paris, aos 21 anos. Na capital francesa conviveu com alguns dos pintores mais importantes da época: Picasso, Renoir, Gauguin, Utrillo, Gertrude Stein...

Foi aqui que Amedeo se tornou um artista extravagante, sempre com o lenço de seda ao pescoço. Logo ficou conhecido pelo apelido de Modi, que nada mais era do que um jogo de palavras entre um diminutivo de seu sobrenome e a expressão ‘pintor maldito’, que em francês se diz ‘peintre maudit’.

 

Óleo assinado por Hébuterne 


Modi exerceu um poderoso magnetismo sobre as mulheres, despindo seus corpos para retratá-las e suas almas a serem entregues a ele. Entre suas inúmeras conquistas estão a poetisa russa Anna Ajmátova, Simone Thiroux, Lunia Czechowska, a pintora inglesa Nina Hamnett, a pintora russa Marie Vassilieff ou a escritora inglesa Beatrice Hasting, com quem teve uma relação tempestuosa durante dois anos. 


Um dos retratos pintados pela jovem artista


"A pintura de Jeanne era fresca, colorida e firme nos traços e muito apreciada pelo círculo de artistas da vez.”

 

Mas Hébuterne e Modigliani se conheceram na primavera de 1917, à luz da ilusão de estudar na escola de arte e se tornar grandes artistas.

Os dois se apaixonaram profundamente, e sem esperar muito, no outono de 1918, e depois que sua primeira exposição foi encerrada devido a inúmeros retratos de nus, o casal mudou-se para a tranquilidade de Nice.

O agente de Modigliani esperava que ele pudesse aumentar seu perfil ali, vendendo algumas de suas obras para ricos conhecedores de arte que passaram o inverno na cidade da Riviera Francesa. Tudo isso, apesar das fortes objeções dos pais de Jeanne, que viam no pintor uma influência perigosa para a jovem. Na verdade, sua família decidiu cortar seu subsídio financeiro.

 

Retrato de Modigliani de Jeanne Hébuterne 


Uma grande tragédia

Em Nice, eles tiveram sua primeira filha. Mas os demônios de Modigliani não demoraram a aparecer: ele era alcoólatra e viciado em drogas. Ao regressar a Paris, a situação económica precária que atravessavam, praticamente sufocada por dívidas e vivendo num quarto húmido e frio, tornava tudo muito mais insustentável.

Os chamados ‘amantes de Montparnasse’ tinham pouco para comer. Como se isso não bastasse, Modigliani escondeu sua tuberculose de praticamente todos que conhecia. Essa doença foi a principal causa de morte na França na primeira metade do século 20. Não havia cura, e quem sofria era temido, marginalizado e miserável.

 

Modigliani em seu estúdio 


"Ao voltar para Paris, os chamados ‘Amantes de Montparnasse’, apenas tinham o que comer.”


Em janeiro de 1920, Modi ficou imóvel em sua cama, tentando se agarrar aos seus últimos momentos de vida. Jeanne a seu lado, grávida de oito meses do segundo filho do casal, veio retratá-lo, numa vã tentativa de fazê-lo ficar. Finalmente, Modigliani morreu em 24 de janeiro de 1920 aos 35 anos.


Autorretrato da pintora 


Seu amigo e vizinho, o pintor chileno Manuel Ortiz de Zárate, surpreso por não ter notícias deles em poucos dias, foi quem os descobriu em seu apartamento sombrio, onde os amantes sobreviveram por vários dias com latas de sardinhas e inúmeras garrafas de vinho. Infelizmente para Modi, era tarde demais. Eles o transferiram para o hospital, onde morreu naquela mesma noite devido a uma meningite tuberculosa.


Jeanne revisando um de seus trabalhos 


Jeanne, prestes a trazer seu segundo filho ao mundo, estava vazia, incompleta sem o amor de sua vida. Seus pais a levaram para casa, mas ela sentia que não pertencia mais a este mundo. Na mesma noite em que chegou, enquanto os pais conversavam com o irmão sobre o futuro de Jeanne e dos filhos, ela se jogou pela janela do apartamento do quinto andar. Tinha então 22 anos.

A família dela culpou Modigliani por sua morte e não quis enterrá-la ao lado dele. Mas quase dez anos depois, em 1930, graças aos esforços do irmão mais velho do pintor, a família foi convencida a permitir que os restos mortais de Jeanne ficassem ao lado dos de Modi, no cemitério Père Lachaise.

O epitáfio de Modigliani diz:

   ‘Chamado pela morte quando havia alcançado a glória’

E o de Jeanne:

   ‘Companheira devotada até o sacrifício extremo’

 

O suicídio (presságio de uma pintura a óleo da jovem artista) 


Modigliani foi enterrado quase como um príncipe, após um cortejo fúnebre formado por toda a comunidade de artistas, que acompanharam o caixão pelas ruas de Paris, até chegarem ao cemitério. Por outro lado, ela foi enterrada em segredo, na mais absoluta vergonha, e na mais estrita privacidade, no cemitério de Bagneux.

 

Retrato impactante de Jeanne 


Após a morte de Jeanne, a irmã de Modigliani adotou a única filha que sobreviveu à tragédia, a pequena Jeanne Hébuterne Modigliani, que anos depois publicou uma das biografias mais importantes sobre seu pai, Modigliani: o homem e o mito. Por sua vez, as obras de Jeanne permaneceram no esquecimento, até que um especialista em arte, apoiado por sua filha, decidiu dar-lhes acesso público.

Em 2000, suas pinturas foram apresentadas em Veneza, na Fundação Giorgio Cini.

 

A filha do casal, autora de uma biografia essencial de seu pai 


Jeanne Hèbuterne é mais um exemplo da invisibilidade de uma mulher brilhante e de grande talento, que decidiu sacrificar a sua vida profissional e mesmo pessoal, neste caso até à morte, em busca do protagonismo do seu cônjuge. 

 


Fonte: Mundo Yold

 

(JA, Abr21)

 


sábado, 10 de abril de 2021

Saga de Monet para pintar telas de ninfeias no final da vida

 Um delicioso livro prova que é possível ser revolucionário (e genial) na velhice

Retrato de lago de Giverny feito pelo artista em 1918: a imersão nas cores em meio à guerra 


A situação do francês Claude Monet, 1840-1926, não era nada inspiradora na reta final de 1918. Arrastando-se pelo quarto e último ano, a I Guerra Mundial traumatizava a Europa. Velho, alquebrado e sem ânimo para pintar, Monet chegava perto dos 80 anos vendo os amigos morrer de gripe espanhola. E enfrentava uma tragédia particular: estava ficando cego. ‘Sinto que tudo está desmoronando, a minha vista e tudo o mais, e já não sou capaz de fazer nada que valha a pena’, desabafou na época.

No jardim magnífico que construiu em Giverny, a 64 quilômetros de Paris, o artista em desalento se isolou radicalmente, concentrando forças num único ponto focal: seus lagos de plantas aquáticas. A fixação por aquelas belezas mudaria a história da arte — e é narrada com deliciosa graça em ‘Monet e a Pintura das Ninfeias’, que acaba de sair no país.


Incansável - Monet, em seu paraíso: a cegueira ampliou sua experimentação 


Para o canadense Ross King, afiado autor de ensaios sobre artistas do passado, as conquistas da juventude e da meia-idade de Monet interessam só na medida em que ajudam a compor seus traços essenciais.

O que se flagra no livro não é o iconoclasta que escandalizou a academia francesa em 1867, com as pinceladas insolentes dos impressionistas, mas o Monet de glórias reconhecidas da maturidade, que vendia telas a peso de ouro, e torrava dinheiro com prazeres sem fim. O principal deles era o jardim de Giverny. Monet se mudou para lá aos 42 anos, e empreendeu uma revolução na propriedade. Amante das plantas e do paisagismo, ele metia as mãos na terra ‘serelepe como um jovem’, na descrição de um visitante. Dispendia recursos com uma equipe de oito jardineiros, comprou terrenos no entorno, e fez reformas grandiosas para ampliar seus ateliês, e abrigar a notável coleção de carros — sua outra paixão.

Passear pela saga de construção desse pequeno Jardim do Éden — que em tempos pré-pandêmicos era visitado por 600 000 turistas ao ano — é uma experiência de que o livro se desincumbe em cores vívidas, das visitas de gente ilustre como o líder francês Georges Clemenceau, aos banquetes com assados e vinhos de primeira. Os lagos das ninfeias, plantas exóticas introduzidas no local por Monet, e as pinturas adoradas que as retratam resumem a atmosfera idílica associada à vida do pintor — seu trabalho era tido como um ‘grande antidepressivo’. Mas essa é uma visão superficial desmontada com afinco por King.

 

Capa do livro ‘Monet e as Pinturas das Ninfeias’, de Ross King, Edit. Record 

Por trás da tranquilidade contemplativa das ninfeias, há um turbilhão de tormentos pessoais e labor criativo. Com sua obsessão em retratar as texturas efêmeras da superfície da água, cujos tons variavam conforme a luz, Monet buscava captar o ‘nada insondável’ da existência, enquanto o mundo lá fora se despedaçava na guerra.

Ele iniciou as imensas telas, com até 5 metros de largura, ainda na meia-idade, mas foi na velhice que obteve os resultados mais assombrosos. Conforme ia perdendo a visão, as pinturas foram se dissolvendo em borrões de cores e sombras indefiníveis, antecipando em décadas tendências como o expressionismo abstrato.

Após sua morte, em 1926, aos 86 anos, as telas expostas em museus como o L’Orangerie, em Paris, tiveram anos de ostracismo, em razão da concorrência de novos modismos. Mas, no fim dos anos 50, as ninfeias foram redescobertas, e hoje provocam filas em qualquer lugar do mundo. Com a história de beleza e dor vivida em seu jardim, Monet se somou a mestres, como Michelangelo e Rembrandt, na capacidade de extrair das limitações físicas da idade uma força descomunal e libertadora. O que parecia seu fim, quem diria, era apenas o começo.


 

Fonte: Marcelo Marthe    |   Rev. Veja

 

(JA, Abr21)

 



sábado, 9 de janeiro de 2021

Juarez Machado

 

Juarez Machado e sua obra 'O Circo', no pórtico de entrada do Centreventos Cau Hansen, Joinville-SC


Lançada em 2001, a comédia romântica francesa ‘O Fabuloso Destino de Amélie Poulain’ encantou o público com a história de uma jovem que tenta ajudar as pessoas à sua volta. Além de ter sido indicado a cinco Oscars, entre eles o de melhor filme em língua estrangeira, direção de arte e fotografia, o longa lançou ao estrelato a atriz Audrey Tautou.

Poucos sabem, no entanto, que as cores fortes e vibrantes do longa foram inspiradas no trabalho do pintor brasileiro Juarez Machado, 79 anos, que há 35 vive em Paris.

Em entrevista Machado contou como conheceu o diretor do filme, Jean-Pierre Jeunet. Segundo ele, no início dos anos 2000, o cineasta fez uma visita à sua galeria na capital francesa, pois morava próximo ao local, no bairro de Montmartre, onde se passa ‘Amélie Poulain’. ‘A primeira coisa que ele fez foi comprar um quadro meu, de uma mulher agarrando um homem na escada. Ele adorou a minha paleta, que não tem tantas cores primárias, uso sempre tons mais fechados. Então o Jeunet me pediu livros, imagens, tirou fotos e levou para a equipe dele’, conta o pintor, que é de Joinville-SC, e fazia um quadro de mímicas no ‘Fantástico’, da Globo, nos anos 1970.

‘Na época do filme, eu estava fazendo 60 anos, com uma exposição chamada O Libertino, que reunia 60 pinturas e 40 desenhos com temas eróticos’, explica Machado.

Algumas obras do pintor estão, inclusive, presentes no cenário do filme. ‘Do lado da cama da Amélie, no quarto, há dois quadros meus, de uma mostra que fiz batizada de A Festa Continua’, revela o artista, que gosta de trabalhar com temáticas bem definidas. 


Cena do filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain' (2001). Os dois quadros vistos nas laterais do quarto de Amélie, acima das cabeceiras, são pinturas de autoria de Juarez Machado


O artista e o diretor de ‘Amélie Poulain’ acabaram virando grandes amigos, de ‘trocar figurinhas’ e almoçar juntos com frequência. ‘Depois [em 2004], ele ainda fez outro filme baseado nas minhas cores, chamado Eterno Amor, com a mesma atriz’, lembra Machado.

‘Até hoje nos vemos, lhe dei algumas gravuras, o escritório dele fica na rua atrás da minha. Temos uma amizade muito honesta. Vi todos os filmes dele, e ninguém se aproveitou de ninguém’, aponta. ‘Nossa identidade em comum vem dessa coisa meio surrealista, que mistura humor e surpresa’, destaca o pintor.

Segundo depoimento do diretor, nos extras do DVD do filme, a narrativa gira em torno de uma história positiva, razão pela qual ele queria uma ‘explosão de cores’. Em alguns takes, como em cenas externas do café e dentro do metrô, as imagens foram saturadas para o verde na pós-produção – trabalho minucioso que rendeu ao longa indicações ao Oscar, ao Bafta e ao César, de melhor fotografia. 


 

Além de contrastes, longa usa cores para destacar cenas, como o azul do abajur 


‘Ele [Machado] usa bastante vermelho e verde, mas sempre há, em algum local da pintura, uma outra cor. Geralmente azul, ou amarelo bem brilhante, ou branco. Assim, a obra fica com um visual equilibrado. Nós usamos muito isso’, diz o diretor de fotografia do filme, Bruno Delbonnel, também nos extras do DVD. ‘

Quando [em uma das cenas] ela [Amélie Poulain] está cortando as cartas bem rápido, há um abajur azul [foto acima], e o resto é todo amarelo, verde e vermelho. Não ficaria bom sem o azul. Mas não [aplicamos esse recurso] em toda tomada, senão ficaria previsível’, completa Delbonnel.

No mundo do cinema, Machado ainda conquistou o ator norte-americano Jack Nicholson, e a eterna diva francesa Catherine Deneuve. ‘Ele [Nicholson] me ama de paixão. Comprou dois quadros meus, encomendou mais dois e pediu para entregarmos pessoalmente em Los Angeles. Já a Catherine tem umas quatro obras minhas’, conta o brasileiro.


Bicicletas   

Além das cores, os trabalhos do pintor catarinense são marcados pela presença de figuras humanas, sempre lânguidas e meio andróginas, que parecem estar entre o fim do século 19 e o início do 20. A maioria de seus personagens é retratada em momentos de lazer, na praia, em festas ou andando de bicicleta. 


‘Operários do Itaum’, a primeira obra premiada de Juarez Machado 


A referência às duas rodas vem da infância do artista, pois Joinville foi por muito tempo conhecida como a ‘Cidade das Bicicletas’. Sua primeira tela premiada, inclusive, foi ‘Operários do Itaum’, que mostra dezenas de funcionários de fábricas indo para o trabalho de bicicleta, sob a chuva.

‘Venho de uma cidade industrial que já deteve a marca de duas bicicletas por habitante. Era normal ver até 5 mil pessoas pedalando juntas na entrada e saída das indústrias. Eu já desenhava essas cenas aos 6, 7 anos. Mas, como não queria trabalhar na fábrica, fui estudar artes em Curitiba, aos 18 anos’, lembra o pintor, cujo pai era caixeiro-viajante e a mãe pintava leques de seda

‘Ser artista naquela época era estranho, bobagem, não tive apoio de ninguém, exceto do meu pai, que era um homem com a cabeça mais aberta, tinha noção do mundo além do horizonte’, recorda Machado, que a partir do curso na capital paranaense começou a aparecer na Rede Tupi, fez amizade com personalidades como Ary Fontoura, mudou-se para o Rio de Janeiro, Londres, Nova York e, finalmente, Paris. ‘Essa era a cidade que ditava a moda, era elegante, o francês era a língua da diplomacia. Cresci vendo essa cultura, muito mais a europeia que a americana, que só ganhou força no pós-guerra’, afirma.

O vínculo do pintor com o Brasil, porém, ainda permanece: ‘Fico três ou quatro meses em Paris, depois faço pingue-pongue entre Rio, Joinville, Floripa e Curitiba, durante esse mesmo período. Não tenho mais casas, tenho ateliês’, diz Machado.

Além de manter um estúdio na capital francesa e outro no Rio, o pintor tem telas, desenhos e esculturas em duas galerias de Paris, outra em Béziers, no sul da França, e mais uma em Bruxelas.

‘Viajo com 200 quilos de material e uma cueca no corpo’, brinca. ‘Trago tintas que não existem aqui, bons papéis, quadros, desenhos, livros, pincéis’, enumera o artista, cujos quadros chegam a custar até US$ 50 mil (R$ 150,3 mil), dependendo do tamanho, e não costumam ir a leilão, por receio de que os preços sejam colocados num patamar muito baixo e o autor ‘queime o filme’.


Instituto


Instituto Internacional Juarez Machado, Joinville-SC

Além de dar nome a prédios de Joinville, Florianópolis e Curitiba, e também a um teatro de sua cidade natal, em novembro de 2014, após dois anos de restauro, a casa onde o artista passou a infância e a adolescência virou o Instituto Internacional Juarez Machado, inaugurada com a exposição ‘A Bicicleta na Vida e Obra de Juarez Machado’.  

Fachada do Instituto Internacional 

‘Queriam derrubar, fazer prédio, me dar um apartamento. O que eu ia fazer com isso? Chamei um especialista para deixar o imóvel do jeito que era, com a mesma madeira, azulejo, porta, lâmpada. Também construí um pavilhão de exposições, mas fiz de tudo para não estragar o jardim que era da minha mãe. Protegemos as plantas, e lá estão os antúrios, camélias, jabuticabeira, goiabeira, bananeira’, cita. ‘As pessoas estão adorando, vão lá para namorar, bater papo, ver as obras’.

 

Quadros de Juarez Machado em exposição no Instituto Internacional 

Segundo o pintor, o instituto o ajudou a resolver sua maior angústia, que era encontrar um lugar para estocar seus 3000 quadros e 7000 desenhos. ‘Também tenho esculturas, objetos e quilômetros de cartas trocadas com o Drummond, Millôr [Fernandes], Vinicius [de Moraes], Tom [Jobim], Antônio Houaiss. Tenho desenhos desde os 3 anos de idade. É um patrimônio que acumulei desde os tempos de colégio, quando apanhava dos professores por desenhar na classe, mas já tinha feito a lição em casa, e só queria ganhar tempo para poder produzir mais’, diz Machado.

No instituto, o pintor também expõe obras de outros artistas catarinenses. Entre seus planos para o futuro, estão uma mostra com seus colegas paranaenses, dos tempos do curso em Curitiba, e outra para destacar o trabalho de grafiteiros locais.

‘Esses artistas deixaram de ser pichadores e viraram pintores de parede, no bom sentido. Pintar com bomba e spray é extremamente difícil, é complicado fazer com qualidade. E eles pegaram o jeito’, afirma. ‘Essa é uma arte ainda meio discriminada, que começou na periferia, com o [norte-americano Jean-Michel] Basquiat

Para Machado, um artista só se aposenta quando morre. ‘Achei que eu ia ter uma velhice tranquila para poder brincar com meus netinhos, deitar numa rede, conversar com os amigos, mas cadê tempo? É uma trabalheira danada, é um vício, estou numa competição comigo mesmo. Acordo às 5h e trabalho até as 22h todos os dias, não tem Natal, feriado’, relata o pintor, que tem três filhos e, desde 2005, está casado pela terceira vez.

 

 


Fonte: Luna D'Alama  UOL

 

 

(JA, Jan21)