Artista e designer suíço, introdutor da art
déco no Brasil, ganha exposições na onda de revisão de personagens da Semana de
1922
Ele pintou a fauna e a flora brasileiras, fez telas sobre comunidades indígenas, viajou até o Rio Grande do Sul para retratar os gaúchos, e a estados do Nordeste para representar a tradição do Bumba meu boi. Também se dedicou a desenhar móveis para as casas da elite paulistana, incluindo pormenores como fechaduras de portas e a disposição das plantas no ambiente.
Transitando entre as artes visuais e a arquitetura de
interiores, o suíço John Graz —considerado um dos introdutores do estilo art
déco no país— foi importante figura do meio intelectual paulistano no século 20, tendo publicado na revista Klaxon, e participado da Semana
de Arte Moderna de 1922, com sete telas que pintou em
Genebra, antes de se mudar para o Brasil.
Mesmo assim, seu nome é menos lembrado em comparação a outros
artistas daquele período. Isto agora está mudando, graças à uma revisão dos
participantes da Semana de 1922 -por conta do
centenário do evento, em fevereiro do ano que vem-, atrelada à uma série de
exposições.
Graz ‘vem de uma formação nas artes decorativas, não existe
separação entre artes visuais e arquitetura, mobiliário, mas uma tentativa de
integração dessas várias manifestações artísticas’, diz Fernanda Pitta,
curadora de ‘John Graz: Idílio Tropical e Moderno’, na Pina Estação, ao lado de
Thierry Freitas.
Em 155 obras, sendo 42 recebidas de uma doação do Instituto John Graz, a mostra cobre cinco décadas da produção do artista, evidenciando seu fascínio com os tipos humanos, e as tradições do Brasil. Há um conjunto expressivo de guaches e aquarelas sobre índios, por exemplo, tema que perpassou a maior parte da vida produtiva do artista.
As representações de pessoas com arco e flecha em meio à natureza ou descansando em redes sob a sombra de palmeiras apontam para uma aproximação idílica e um tanto genérica dos povos originários, afirma a curadora, no que ela considera um limite do trabalho de Graz.
Ao que se sabe, ele nunca estudou a fundo as tribos pelas quais tanto se interessava, diz Pitta, diferentemente de sua mulher, Regina Graz, que pesquisou as tecelagens de comunidades do alto Amazonas em busca de padrões para reproduzir em suas tapeçarias —alguns destes tapetes podem ser vistos no site do Museu de Arte Moderna, o MAM, na versão virtual da exposição ‘Desafios da Modernidade – Família Gomide-Graz nas Décadas de 1920 e 1930’.
Embora o forte da mostra na Pina Estação sejam as pinturas, há também gessos, estudos de murais desenhados para interiores de residências e fotografias de ambientes projetados pelo artista, a exemplo do quarto do casal Antonieta e Caio Prado, uma família da elite cafeicultora paulista.
Pitta lembra que Graz trabalhava sob encomenda, transitando
entre estilos distintos. Atuando como designer, realizou mobiliário de
inspiração art nouveau, com formas arredondadas, os preferidos das elites antes
de o modernismo e suas linhas geométricas entrarem em voga, e serem igualmente
abraçados por ele, que então passou a decorar casas do arquiteto ucraniano
Gregori Warchavchik, nome central do movimento moderno brasileiro.
Na Pina Estação, há uma série de fotos em preto e branco de ambientes desenhados por Graz, além de uma cadeira de três pés em madeira nobre e uma poltrona. O forte do seu mobiliário, contudo, está na mostra do MAM, que reuniu seus famosos sofás e poltronas tubulares e algumas luminárias.
Uma das instituições por trás desta grande revisão é o
Instituto John Graz, criado em 2005, em São
Paulo, pela última mulher do artista, Annie. Ela preservou e catalogou o acervo
e os documentos de Graz depois de sua morte, em 1980, até que, mais tarde, a neta, Claudia Taddei, assumiu a frente do
instituto e iniciou o contato com instituições e colecionadores.
‘Nosso desejo é que as pessoas possam voltar a ter uma
compreensão da obra do John como um todo’, afirma Taddei. Seu avô desenhava
ambientes completos, amarrados num conceito único que incluía as pinturas ou
murais e o mobiliário.
O panorama do artista se completa com mais duas mostras. A primeira, no Museu de Arte Contemporânea da USP, o MAC, vai exibir dois estudos de murais que misturam paisagem tropical e elementos urbanos. As peças são parte de uma mostra que celebra a doação, para o museu, da coleção de mobiliário art déco dos colecionadores Fulvia e Adolpho Leirner, que reúne um conjunto de peças da época modernista tão caras à elite paulistana, como cadeiras de Flávio de Carvalho e o mobiliário da Casa Modernista de Warchawchik.
Ana Magalhães, diretora e curadora do MAC, afirma que as artes aplicadas —design, mobiliário e
objetos pensados para a vida cotidiana— ‘nunca foram consideradas como uma
produção da mesma relevância que as artes com A maiúsculo’.
Mas acrescenta que, nas últimas duas décadas, este movimento
vem passando por uma revisão, sobretudo das peças produzidas na primeira metade
do século 20, na qual John Graz e sua mulher, Regina, se incluem. Magalhães dá
como exemplos a mostra dos 100 anos da Bauhaus, no Sesc Pompeia, em 2018, e o livro ‘Coleção Fulvia e Adolpho Leirner’, dos
pesquisadores Ana Paula Cavalcanti Simioni e Luciano Migliaccio.
Por fim, está programada para o ano que vem uma exposição no
Museu da Casa Brasileira focada no trabalho de Graz como designer e arquiteto
de interiores, com peças nunca mostradas em público. Para Taddei, do instituto,
‘mais do que conhecido, Graz era respeitado pela sua inovação e pelo
vanguardismo’.
JOHN GRAZ: IDÍLIO TROPICAL E MODERNO
- Quando - até 31 de janeiro de
2022;
qua a seg, das 10h às 18h
- Onde - Estação Pinacoteca - largo General Osório, 66, São Paulo
- Preço - Grátis
- Link - https://pinacoteca.org.br/programacao/john-graz/
PROJETOS PARA UM COTIDIANO MODERNO NO
BRASIL
- Quando - De 21 de agosto a agosto de 2022
- Onde - MAC-USP - Av. Pedro Álvares Cabral, 1301, Vila Mariana, São Paulo; ter. a qui, das 11h às 19h; sex. a dom., das 11h às 21h
- Preço - Grátis
Fonte: João Perassolo | FSP
(JA, Ago21)