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quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Man Ray, o fotógrafo que deu status de arte à fotografia



O Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, recebe a primeira retrospectiva brasileira do trabalho do sedutor modernista americano


ESPELHO - Man Ray no célebre autorretrato: o pai das selfies



No estúdio que manteve em Paris nos anos gloriosos da carreira, entre 1921 e 1940, o americano Man Ray promoveu inovações em várias frentes.

Expoente de duas vanguardas ruidosas, o dadaísmo e o surrealismo, ele atacou de início como pintor e escultor. Logo se converteu em desbravador da fotografia de moda, produzindo ensaios até hoje influentes para as revistas Vogue e Harper’s Bazaar.

Foi ainda na fotografia, afinal, que alcançou seu grande feito — nada menos do que elevar essa forma de expressão ao patamar de arte. Para Man Ray, a labuta no estúdio era, digamos, duplamente extenuante: ele gostava de trabalhar deitado na cama — sempre na companhia de belas mulheres.

Daí vem, naturalmente, a sensualidade radiante dos 225 itens de Man Ray em Paris, a primeira mostra devotada ao maior fotógrafo modernista realizada até hoje no país.

Com abertura na última quarta-feira 21, na filial paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil (em dezembro, o acervo aporta em Belo Horizonte), a retrospectiva ilumina um artista que foi discreto perto de seus pares mais famosos nos mesmos movimentos — pois seria difícil competir em egolatria ou capacidade de chamar atenção com o francês Marcel Duchamp e o catalão Salvador Dalí.

Mas, embora trabalhasse quieto, Man Ray era famoso em toda a Paris boêmia por sua facilidade em unir o útil ao agradável. Ele amava retratar o corpo feminino, decupado especialmente em nus radicais (não raro tão despudorados que fariam corar políticos com medo de Bruna Surfistinha).

‘Man Ray tinha a reputação de ser um dom-juan, um grande fornicateur’, diz a curadora francesa Emmanuelle de l’Ecotais. ‘Objeto de desejo e de fantasias, a mulher emerge em suas fotografias sempre num mundo estranho, desmaterializada’, divaga a especialista.

No mundo real, havia bastante matéria envolvida no negócio: as musas de Man Ray eram também suas amantes. As principais beldades foram Kiki (1922-1926), Lee Miller (1929-1932), Meret Oppenheim (1933-1934), Ady (1936-1940) e Juliet (a partir de 1941).

Kiki foi a modelo da célebre e muito imitada Noire et Blanche (Negra e Branca), imagem surrealista que exibe o rosto da modelo em pose sonhadora (sonhos eram uma obsessão surrealista) ao lado de uma máscara africana. Quando Kiki o largou, Man Ray exprimiu sua ira em outro símbolo da fotografia: Lágrimas, em que os olhos de uma manequim surgem em close, com gotas de vidro simulando choro.




Nem só de retratos femininos se fez a obra do dom-juan modernista. Possivelmente, Man Ray foi o inventor da selfie: em imagens precursoras como o autorretrato na imagem em destaque, ele capta a si mesmo diante do espelho. Na entrada da mostra, os espectadores serão convidados a copiar sua pose.

Ainda que abranja toda a sua trajetória, a exposição se detém principalmente nos anos em Paris até 1940, que foram os mais produtivos.

Judeu, Man Ray teve de fugir da Europa na II Guerra, mas voltou mais adiante e viveu lá até a morte, em 1976, aos 86 anos. Nessa fase tardia, já era prisioneiro do sucesso. Diz a curadora:


‘Ele adotou o discurso provocativo de que a fotografia não era arte, enquanto ele era precisamente aquele que tornou a fotografia uma arte’.


Man Ray fez sua fama na cama — mas, ao posar para a posteridade, não se deitou nela.






Fonte:  Marcelo Marthe    |  Rev. Veja 



(JA, Ago19)


terça-feira, 20 de agosto de 2019

Exposição introduz público à obra do fotógrafo e pintor Man Ray


Retrospectiva dedicada pelo CCBB de São Paulo ao fotógrafo surrealista norte-americano.

'Lágrimas', 1932

Com caráter didático, retrospectiva cobre os anos de 1921 a 1940 da produção parisiense do artista americano.

Esta retrospectiva, apresentada pela primeira vez no Brasil, abrange a imensa e multiforme obra de Man Ray. Conhecido principalmente por sua fotografia, mas também criador de objetos, realizador de filmes e faz-tudo genial, Man Ray chega a Paris em 1921, onde permanece até a Segunda Guerra Mundial e para onde retorna definitivamente em 1951. Foi nessa cidade que sua arte original se desenvolveu e mais repercutiu.

A exposição elucida, por meio de cerca de 250 obras, a lenta maturação de Man Ray, bem como apresenta um panorama completo de sua criatividade. Das primeiras obras dadaístas ao retrato e à paisagem, da moda às imagens surrealistas, de seus trabalhos comerciais a uma seleção de seus objetos e filmes, e à sua vontade de revelar outra realidade, reúnem-se nesta exposição toda a complexidade e a riqueza do que ele nos legou.

‘Man Ray em Paris’ reúne fotografias e objetos nunca exibidos no Brasil. Tendo como curadora a francesa Emmanuelle de l’Ecotais, a mostra foi montada de forma didática, de modo a introduzir o público na obra do fotógrafo e pintor.

No dia 21 de agosto, às 19h, a curadora Emmanuelle De l'ecotais conversa com o público sobre a trajetória de Man Ray, com entrada franca mediante retirada de senha a partir de 1 hora antes do início do evento. Sujeito à lotação.

A exposição cobre os anos de 1921 a 1940, período mais intenso do trabalho de Man Ray, pseudônimo de Emanuel Radnitzky, nascido na Filadélfia em 1890, que, na década de 1910, conheceu Duchamp e, encantado com os dadaístas, fixou residência em Paris, onde conviveu com a vanguarda da época, de André Breton, teórico do surrealismo, a Picasso, o maior nome do cubismo. Imagens dele e outros artistas do século 20 estão na mostra.

Quase um século após Man Ray ter registrado imagens de corpos nus, nos anos 1920, suas fotos ainda provocam desconforto, especialmente nesta época de regressão moralista: o cartaz concebido pela curadora francesa Emmanuelle de l’Ecotais para a mostra Man Ray em Paris, que será aberta no dia 21, no CCBB de São Paulo, foi trocado por orientação da produtora Artepadilla.

Esse cartaz, que reproduziria uma foto da série Érotique Voilée, dos anos 1930, com a modelo Meret Oppenheim nua, foi substituído pela imagem Larmes (1932), que agora anuncia a exposição na parede frontal do CCCB, no centro. Não pesou na decisão da produtora brasileira, segundo seu diretor Roberto Padilla, a censura à mostra, ao contrário de Queermuseu, exposição que provocou protestos de grupos conservadores em 2017.


Le Violon d'Ingres, 1924


Padilla esclareceu a troca da foto como estratégica, e não como censura. ‘Não houve cerceamento propriamente, mas cautela, pois a foto poderia dar uma conotação errada à exposição, que não é só de nus’, justificou o produtor. Como se trata de uma mostra abrangente, dedicada a apresentar a obra de Man Ray aos brasileiros, a produtora considerou que uma foto com nu poderia induzir o público a imaginar que se trata de uma exposição de caráter erótico. Não é, de fato, mas poderia ser. Afinal, como indica o título da foto renegada, Érotique Voilée, trata-se de erotismo velado, o que não se aplica às outras imagens da série na mostra do CCCB – a instituição não participou do debate para decidir o cartaz, não censurou obras ou sugeriu faixa etária para ingresso, segundo o produtor.

Seja como for, a obra de Man Ray está repleta de sugestões eróticas, como parte da produção surrealista da época, impulsionada pelas descobertas da psicanálise freudiana, que dava grande importância ao inconsciente e ao sexo.

São 255 fotografias de excepcional qualidade, produzidas por Man Ray em Paris, entre 1921 e 1940, período marcante de sua produção, além de objetos nunca exibidos no Brasil.

Entre eles está o famoso ferro de engomar com tachinhas (Cadeau, 1921), um ready-made de sua primeira exposição individual em Paris cujo título irônico (Presente) subverte o conceito de uma peça que se recebe com satisfação. Outro objeto da mostra, Obstruction (1920/1960), deu um trabalho imenso para a curadora Emmanuelle de l’Ecotais, autora de dois livros sobre Man Ray, e do catálogo raisonné de suas rayografias (fotos obtidas sem recorrer a um aparelho fotográfico, mas por meio de sensibilização à luz de objetos colocados sobre o papel fotográfico).

Cuidadosa, Emmanuelle supervisionou a montagem da dadaísta ‘Obstruction’ peça por peça – são 63 cabides acoplados nessa assemblage que evoca um candelabro, recorrendo ao procedimento dadaísta de trabalhar com objetos do cotidiano (ready-made). Man Ray fez o original em 1920 e produziu uma edição de 15 deles para uma mostra de arte cinética, em 1961. Difícil calcular o preço de objetos como o ferro de engomar ou dessa peça, mas uma fotografia vintage do surrealista pode chegar a ¤ 2,5 milhões.

Das primeiras obras dadaístas de Man Ray às imagens surrealistas, passando por fotos de Paris nos ‘anos loucos’ (1920/30), a retrospectiva foi organizada, segundo a curadora, de modo didático para dar ao público um panorama geral de suas técnicas – ele foi pioneiro em muitas delas, como a solarização – e linguagem. ‘Em cada um dos andares o público vai conhecer seu processo de criação, inclusive seus filmes’.



Autorretrato, Man Ray





Fonte: Antonio Gonçalves Filho, OESP




(JA, Ago19)