Arte de Fazer Rir
São cada vez mais raros os humoristas que exercem sua nobre função com graça genuína, que é fruto não de uma ‘forçação de barra’ para ser engraçado. Em tempos de you tubers, standups de todos os tipos e gêneros, sobra muito pouco espaço para aquele humor espontâneo, ainda mais em tempos no que o politicamente correto dita as regras do que é considerado engraçado ou não.
Esse que tinha o humor na
pele, num simples gestual, se estivesse encarnado, no dia 4 de maio
passado teria completado 91 anos de idade, e era de uma geração de humoristas
desbravadores, que não precisava fazer
muito esforço para ser engraçado. Todo esforço para ser engraçado revela uma
graça artificial, e esse aniversariante, no palco, comprovava isso.
Ronald Golias, o rei do caco,
do improviso, do humor do caos, e da simplicidade. Bastava dar um tema, e dali,
espontaneamente, como um grande contador de causo, Golias sacava brilhantes
histórias repletas de muito humor, e nos fazia enxergar graça em fatos
cotidianos, aparentemente insossos, mas que, com seu imenso talento, conseguia
suavizar tais fatos.
Nascido na cidade de São
Carlos , interior de São Paulo, Golias era neto de italianos, nascido em uma
família humilde. Ronald Golias era filho de Conceição D'Aparecida Rayol Golias
e Arlindo Golias. O pai de Golias, fã do artista Ronald Colman, resolveu chamar
o filho de Ronald. Sua estreia nos palcos foi aos 8 anos de idade,
como artista amador, na Escola Dante Alighieri de São Carlos.
Golias não gostava de ser
chamado de são-carlense, ele se intitulava carlopolitano, que também é
gentílico latino de quem nasce em São Carlos.
Mudou-se para a cidade de São
Paulo em 1940. Trabalhando como alfaiate e funileiro, começou a praticar
natação no Clube Regatas Tietê, onde posteriormente entraria para o grupo Acqua
Loucos, um dos precursores em espetáculos aquáticos no Brasil. Por sugestão de
Golias, as apresentações passaram a ter uma parte com diálogos; suas
performances com a trupe acabaram por levá-lo a participar do programa Calouros
em Cena, da Rádio Cultura.
Na década de 1950, com o fim
dos programas produzidos pela emissora, Golias passou a integrar a equipe de
artistas da Rádio Nacional. Foi então que conheceu Manuel de Nóbrega, que, em 1957, o convidou
a participar do humorístico ‘A Praça da Alegria’, que estreara naquele mesmo
ano pela TV Paulista.
Golias despontou para a fama
a partir de seu trabalho na Praça. Interpretando o inquieto Pacífico (do bordão ‘Ô Cride, fala pra mãe...’), ele acabou se tornando uma das estrelas da ainda
incipiente televisão brasileira. ‘Cride’, no caso, era seu amigo de São Carlos,
Euclides Gomes dos Santos, que declarou que Golias criou a frase imitando o
modo como era chamado por sua mãe para voltar para casa.
Com o sucesso na TV, ele foi
convencido por Herbert Richers a entrar para o cinema. A iniciativa a princípio
foi complicada; com agenda ocupada na televisão, o humorista enfrentou
dificuldades em conciliar as gravações. Seu primeiro filme foi a comédia ‘Um
Marido Barra-Limpa’, 1957, de Luís Sérgio Person que, contudo, acabou
finalizado por outro diretor, e lançado apenas em 1967.
Participou também de ‘Os Três
Cangaceiros’, 1961, de Victor Lima, quando contracenou com Ankito e
Grande Otelo. Entre seus últimos trabalhos cinematográficos estão ‘O Dono da
Bola’, 1961, e ‘Golias contra o Homem das Bolinhas’, 1969.
Golias dedicou-se a maior
parte de sua carreira para a televisão. Trouxe consigo das telas o personagem
Carlos Bronco Dinossauro, que acabaria se tornando um dos destaques da Família
Trapo, programa exibido pela TV Record, entre 1967 e 1971, cujos cenários foram concebidos por Antonio Rudolf. Contracenando com Jô Soares,
Ricardo Corte-Real, Cidinha Campos, Renata Fronzi, e Otelo Zeloni, Golias
consagrou-se definitivamente como um dos mais célebres humoristas do Brasil.
Após o término da Família
Trapo em 1971, Golias protagonizou ainda na Record o seriado
‘Bronco Total’, entre 1972 e 1973. Nesta série, contracenou com Carlos Alberto de
Nóbrega.
Em 1979, Golias
protagonizou na Globo o seriado ‘Superbronco’. Adaptação da série ‘Mork &
Mindy’ (protagonizada por Robin Williams), da rede americana ABC. O programa foi cancelado,
após apenas 29 episódios, apesar de constar entre os dez programas de
maior audiência da televisão brasileira, naquele ano.
Na década de 1980 foi para a
Bandeirantes, onde estrelou o humorístico ‘Bronco’.
Em junho de 1990, passou a
integrar o elenco fixo de ‘A Praça é Nossa’, no SBT, onde permaneceu até 2005, interpretando
personagens como ‘O Profeta, Bronco’, ‘Pacífico’ e ‘Professor Bartolomeu’.
Nesse meio tempo, foi protagonista na mesma emissora dos humorísticos ‘A
Escolinha do Golias’ (com Nair Bello), ‘SBT Palace Hotel’, 2002, e ‘Meu Cunhado’ (com Moacyr Franco).
Na época da estreia de ‘Meu
Cunhado’, em abril de 2004, Golias fez uma cirurgia para a implantação de um marca-passo.
No mês seguinte voltou a ser internado em razão de um coágulo no cérebro. Seu
estado de saúde a partir de então passou a se agravar.
Em 8 de setembro de 2005, Golias foi
internado no Hospital São Luiz, em São Paulo. Com quadro de infecção pulmonar,
ele morreu dia 27 de setembro, em decorrência de uma infecção
generalizada. Foi sepultado no Cemitério do Morumbi.
Nesses 15 anos de sua
passagem para outro plano, pudemos ter a exata dimensão da sua grandeza.
Golias, era um homem fora do palco extremamente simplório, de vida pacata e
muito discreta. Costumava carregar seus documentos e dinheiro num saco plástico,
que levava para cima e para baixo, e era muito observador e intuitivo. Seu
grande trunfo do humor inigualável, foi, principalmente o genial improviso, que
permitia que não precisasse de nenhum ‘escada’ - jargão do humor que define
aquele que prepara a piada, para realizar seu trabalho com brilho.
Golias foi casado com Lucia,
e teve apenas uma filha, Paula, nascida em 1967.
Foi, sem dúvida, criador de
uma vertente de humor que ainda busca herdeiros. Deixa saudade. Um humorista
não morre; simplesmente vai alegrar outros planos. Que Golias exale sua alegria
em outras dimensões.
‘O Cride’, fala pra mãe!
Fonte: Marcos Rudolf
, Memórias Paulistanas | WP e Dvs
(JA, Mai20)