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sábado, 9 de novembro de 2019

Diário Holandês



Poucos dias e centenas de imagens de Vermeer, Escher, Rembrandt e Elsken




Amsterdã, 27 de outubro - Com poucos dias de atraso, deu para comemorar o 350º aniversário da morte de Rembrandt no Rijksmuseum, onde está o núcleo da sua obra. De quebra, acompanhou-se ao vivo a restauração do seu quadro mais famoso, ‘A Ronda Noturna’, de 1642.

Ao usar computadores, estetoscópios eletrônicos, infraluz, raios laser e tudo o que há em matéria de parafernália tecnológica, além de solventes e tintas especialmente inventadas, a restauração escancara o erro risível do título da tela: essa ronda noturna ocorre de dia.

Vinda do canto superior esquerdo, a luz do sol se derrama sobre a mão estendida do chefe dos milicianos, projetando sua sombra na túnica do lugar-tenente da tropa. Posterior à morte de Rembrandt, o título errôneo evidencia a força do seu claro-escuro, que não tem nada de realista.

Atenção: esses milicianos não estão numa live, à la Bolsonaro, apesar de o quadro mostrar um disparo de arcabuz. Para construir sua imagem pública, cada um dos 18 burgueses pagou um dinheirão (100 florins) para serem pintados por Rembrandt, que lhes conferiu dignidade.




28 de outubro - Leonardo? Picasso? Esquece: o pintor mais popular do mundo é Van Gogh. Ao contrário do que ocorre com ‘Mona Lisa’ e ‘Guernica’, não há um quadro que seja imediata e unanimemente associado a ele. Um dos ‘Girassóis’, algum ‘Autorretrato’?

Sua extraordinária exuberância faz com que o Museu Van Gogh seja o lugar ideal para apreciá-lo. Acompanha-se sua maturação e versatilidade; vai-se do rude ‘Comedores de Batata’ aos requintes do impressionismo e da arte japonesa; da pobreza à solidão e à prolífica loucura final.




Além de ‘Campo de Trigo sob Nuvens de Tempestade’, o que mais impressiona é a carta na qual descreve ‘A Rua’: ‘A casa e seus arredores sob um sol sulfúrico e um céu de cobalto puro’. Sendo que, no quadro, o sol não pinta, é enxofre na fachada da casa com janelas esmeralda.




Roterdã, 29 de outubro - ‘Lust for Life’, no Nederlands Fotomuseum, expõe um panorama pulsante do fotojornalismo: imagens dos anos 1960 de Ed van der Elsken. Como nelas há nudez inocente, vapor barato, suor, protesto, estupor e alegria. ‘Tesão pela Vida’ é o título ideal.




30 de outubro - Por ser um grande porto, Roterdã foi posta abaixo pelos bombardeios nazistas. Ou seja, para a arquitetura contemporânea, é uma cidade de tirar o fôlego. Estão ali as casas-cubo, a ponte Erasmus, o Markthal, a Estação Central e De Rotterdam, de Koolhaas.




Haia, 31 de outubro -  O Museu Escher dirime eventuais preconceitos. Escher não era um ilustrador de truques ópticos. Era geômetra, pensador, matemático, artesão e inventor de mão cheia. Mas fica a dúvida: fazia arte?




Haia, de novembro - Mauritshuis —Casa de Maurício— é uma mansão construída no auge do Século de Ouro holandês, o 17, pelo príncipe Maurício de Nassau-Siegen.

Como se endividou para construí-la, Maurício aceitou o convite da Companhia das Índias Ocidentais para ocupar terras no Novo Mundo e guerrear contra portugueses e espanhóis. Imagens daquela paisagem remota estão numa salinha com meia dúzia de pinturas de Eckhout e Rugendas.

Poucos a visitam e ninguém presta atenção à acanhada placa na qual, canhestramente, a Mauritshuis meio que pede desculpas pela tortura, escravidão e morte de milhares de pessoas. Mas nunca que a hipocrisia irá redimir as vítimas do capitalismo mercantil.




A Casa de Maurício abriga ‘Diana e suas Ninfas’, ‘Menina com um Brinco de Pérola’ e o quadro que Proust achava “o mais bonito do mundo”, o único do qual Joyce tinha uma reprodução, ‘Vista de Delft’. São três das 30 telas da obra mínima e detalhista de Vermeer (que os holandeses pronunciam ‘vermír’).

Pintor de interiores, seus quadros tão-somente aludiam ao mundo. A luz que entra pela janela; os mapas e globos terrestres; as cartas mandadas por gente que estava longe; o chapéu de pele de castor, bicho que só existia no Novo Mundo —e portanto fora obtido em meio à empreitada colonial.

‘Vista de Delft’ é seu único trabalho que contempla o mundo lá fora, a cidade onde nasceu e morreu. Como mostra o relógio na torre da igreja, são 7h da manhã. Atracados na margem, barcos parecem prontos para zarpar rumo a mares longínquos. Para o Brasil inexistente?




Delft, 2 de novembro -  Enterrado na Igreja Velha, Vermeer jaz sob uma placa de mármore pregada no chão. Ao sair, no poente, uma impressão de paz paira no ar. O indivíduo se amolda ao mundo. Viver é bom.




Fonte: Mario Sergio Conti, Jornalista, é autor de ‘Notícias do Planalto’  |   FSP



(JA, Nov19)



terça-feira, 22 de outubro de 2019

Van Gogh - Cunhada o salvou do esquecimento



Hans Luijten, curador do museu Van Gogh de Amsterdã, publica uma extensa biografia, fruto de sua investigação sobre Jo Van Gogh-Bonger, cunhada do artista e viúva de seu irmão Theo, que conseguiu vender 192 de seus quadros, e dedicou a vida à difusão de sua obra.  


Johanna van Gogh-Bonger com seu filho

No sofá da vergonha histórica, no qual sistematicamente as mulheres são relegadas ao esquecimento, o que só atualmente percebemos ser indevido, existe uma lacuna importante para Johanna van Gogh-Bonger (Amsterdã, 1862).

Tradicionalmente relegada ao papel secundário de ‘cunhada’ ou ‘esposa de’, a figura de Jo é talvez a peça mais importante para entender a ressonância do sobrenome Van Gogh na história universal da arte.



Isso é pelo menos entendido por Hans Luijten, curador permanente do Museu Van Gogh na capital holandesa e autor de ‘Tudo para Vincent’, uma extensa biografia, resultado de cinco anos de pesquisa sobre a mulher que colocou no mercado o autor de ‘Caveira com um cigarro’.

‘Ela trabalhou estrategicamente para poder colocar as pinturas de Van Gogh, procurando os melhores intermediários em toda a Holanda e parte da França. Da mesma forma, ela entrou em contato com todos os escritores e críticos de arte, com influência para falar sobre Vincent, nos jornais e revistas da época’, explica esse professor de literatura renascentista que vem pesquisando a cerca de um quarto século o grande mistério do pintor de Brabant-Holanda. Seu trabalho, baseado na análise detalhada de três décadas de diários da esposa de Theo van Gogh, e que já foi publicado em holandês, será traduzido para o inglês antes do final do ano.

De acordo com Luijten, a importância de Jo com o legado de Van Gogh é explicada por dois grandes marcos. Primeiro, a exposição que organizou ao lado do Museu Stedelijk, em Amsterdã, em 1905, 15 anos após a morte de Vincent e 14 após a morte de seu marido. Nele, além de expor os trabalhos mais expressivos do pintor nos meses que esteve em Arles, ela ficou encarregada de estabelecer contato com os negociantes de arte mais ricos e importantes da época. Este passo, essencial para que as pinturas se tornassem famosas em todo o Velho Continente, pode ser o mais importante, mas é menos conhecido, do que sua grande contribuição ao misticismo torturado de Van Gogh: a publicação, em 1914, do primeiro volume da correspondência que o artista manteve com seu irmão.

Através de mais de 800 cartas, Johanna organizou, traduziu para o inglês, e tornou públicas as conversas fraternas, no período de agosto de 1872 a julho de 1890, alguns meses antes da morte do pintor. A importância dos documentos, que Theo legou à esposa, não apenas ajuda a entender o complicado processo criativo de Vincent, mas também se tornou imediatamente o principal guia de estudo do criador de ‘Noite Estrelada’.



Jo Van Gogh-Bonger vendeu 'Os Girassóis’ por 15.000 florins (uns seis milhões  de euros).


Embora, no início da Primeira Guerra Mundial ,a arte de Van Gogh já estivesse em voga, ‘as cartas fizeram o resto, porque o escritor e o pintor andam de mãos dadas’, diz Luijten, que descarta o motivo monetário entre as motivações de Johanna. ‘É comum associar sua situação de viuvez ao desespero econômico, mas a determinação de Jo em tornar conhecida a arte de Vincent van Gogh tem mais a ver com as ideias de modernidade e transcendência que seu marido transmitiu’, diz o especialista, ao recordar as críticas infames recebidas pelas primeiras exposições do artista: ‘Eles a culparam por atribuir a Vincent o status de Deus da arte’.

Além dos números, que falam de uma mulher capaz de vender 192 pinturas, e algumas, como girassóis, por 15.000 florins holandeses da época (cerca de seis milhões de euros corrigidos pela inflação), a biografia de Luijten descobre a ativa Jo, que, nem mesmo durante os anos em que esteve casada, ou no papel de viúva, se sentiu impedida de se envolver socialmente. Isto é explicado, em grande parte, por seu treinamento musical inicial, ao nascer em uma família dedicada ao piano, e também por sua extraordinária capacidade de idiomas, o que a levou a viver em Londres durante a juventude.

Na capital do Império Britânico, ela teve seu primeiro contato com a arte, desde que visitou a Galeria Nacional e o Museu Britânico em inúmeras ocasiões, onde trabalhou por vários meses como tradutora eventual para alemão, francês e holandês. Lá, ela conheceu muitos dos proprietários da galeria, os quais mais tarde a ajudariam a aumentar o legado de Vincent, como também um grupo de mulheres de sua idade, que a envolveram nos incipientes movimentos de sufrágio da época.

Obviamente contagiada, a jovem Jo, que cruzara o Canal da Mancha, assumiu os preceitos da esquerda internacionalista, e os importou para seu próprio país. Além de reivindicar na rua o direito ao voto das mulheres, o que pode se materializar na Holanda assim que a Grande Guerra terminou, a viúva de Theo se juntou ao então ao recém-nascido Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores (germe do atual do Trabalho), e lutou em um braço político moderado do movimento trabalhista. De fato, e de acordo com seu biógrafo, Jo foi assistir a uma reunião com Leon Trotsky, e ofereceu seminários em sua própria casa ‘sobre os direitos das mulheres, e sobre como aspirar a uma vida melhor’, reconhecida como fundadora da seção de  propaganda feminina.

Em relação à sua estadia em Londres, Luijten acrescenta que ‘foi fundamental para o desenvolvimento de sua consciência social’. Seu maior esforço, como escreveu, foi ‘viver sempre de maneira nobre’. Na Inglaterra, Jo também entrou em contato com as artes cênicas e a poesia e, assim, investigou a figura do poeta Percy Bysshe Shelley, sobre quem escreveu uma dissertação analisando suas famosas Ozymandias.

Depois de voltar a Amsterdã, casar-se com Theo e enviuvar, a vida não parou para Jo. Em 1901, dez anos depois de enterrar o mais velho dos irmãos Van Gogh, ela se casou com o artista Johan Cohen Gosschalk.

Infelizmente, ele morreu alguns anos depois e, após mudar o túmulo de Theo de Utrecht para Auvers-sur-Oise,  para descansar ao lado de  Vincent, ela partiu para Nova York.




Em 1925, aos 62 anos, cercada pelo filho e quatro netos, Johanna van Gogh-Bonger morreu com o grande objetivo de sua vida cumprido, ao ver o trabalho de Vincent van Gogh reconhecido em todo o mundo, e sem se desfazer da pintura que considerava a mais valiosa: ‘Amendoeira em  Flor’, óleo sobre tela que o artista pintou em 1890 para comemorar o nascimento do filho dela, seu sobrinho.


Fonte: Matías G. Rebolledo   |   El Mundo



(JA, Out19) 


terça-feira, 12 de março de 2019

Rembrandt volta aos holofotes com celebrações dos 350 anos de sua morte



Mostras em diversas cidades da Holanda permitem ao visitante ver a quase totalidade de sua obra 






Quando morreu em 1669, o pintor Rembrandt estava falido e solitário. Nada semelhante ao sucesso que alcançara cerca de 40 anos antes, quando se instalou em Amsterdã como jovem talento, logo considerado o melhor retratista dos Países Baixos, requisitado para pintar os ricos e poderosos.

Naquela época, amealhou grande fortuna, morava e trabalhava em uma mansão luxuosa na área nobre da principal metrópole holandesa e produziu compulsivamente desenhos, gravuras e pinturas a óleo, sempre testando e aprimorando técnicas.

Ao final da vida, porém, seu estilo saiu de moda, as encomendas diminuíram e a vida pessoal foi abalada pela morte da mulher, breves romances conturbados e a morte do filho mais velho. Ele faliu, perdeu a casa e improvisou tramoias para esconder dos credores as parcas rendas que conseguia com a pintura, que jamais abandonou.

Nascido em Leiden, ao sul de Amsterdã, em 1606, Rembrandt Harmenszoon van Rijn terminou a vida aos 63 anos em um hospital para indigentes, e foi enterrado sem identificação.

Mas os séculos posteriores foram gentis com sua memória. Ele passou a ser considerado a principal referência do renascentismo do norte europeu, menos influenciado pelo estilo mais luminoso e colorido que predominava no sul, como foram seus contemporâneos Rubens e Vermeer, por exemplo.

A Holanda comemora no ano de Rembrandt os 350 anos de sua morte, com mostras ao longo de 2019 em pelo menos 19 museus de nove cidades.

Na maior dessas exposições, aberta em fevereiro, o Rijksmuseum apresenta todo o seu acervo de obras de Rembrandt, considerado o maior do mundo em uma só instituição -22 pinturas, 60 desenhos e cerca de 300 gravuras.

O evento oferece uma oportunidade única para conhecer ao mesmo tempo e em um só lugar essa grande porção da vasta obra do artista, uma vez que os desenhos e gravuras são raramente expostos por serem sensíveis à luz.




Entre as obras estão diversas das principais telas fundamentais do pintor, incluindo a ‘Ronda Noturna’, pintada de 1639 a 1642, considerada a sua maior criação. Ela foi produzida por encomenda da Guarda Civil de Amsterdã para ser instalada em sua sede e tem 3,80 m de altura por 4,54 m de largura.

No século 18, o quadro foi cortado para caber em uma parede da prefeitura, onde ficou instalado por mais de cem anos, antes de ser levado para o Rijksmuseum, em 1885.




Também está na exposição ‘A Noiva Judia’ (1667), com a qual Vincent van Gogh, também holandês, teria dito que daria dez anos de vida para conviver por dez dias.




Um outro casal emociona os visitantes —os retratos de Marten Soolmans e a mulher, Oopjen Coppit, foram pintados na época de seu casamento, em 1634, e adquiridos há três anos pelo Rijksmuseum e pelo Louvre, em sociedade, por € 160 milhões (cerca de R$ 670 milhões), pagos à família Rothschild.

Os quadros, de 2,10 m de altura cada um, mostram os dois em tamanho natural, vestidos com as melhores roupas e tecidos da época. Depois desta exposição, os quadros devem seguir para o Louvre e rodar o mundo, como prevê o acordo de aquisição conjunta.

Também a Casa de Rembrandt, ou Rembrandthuis, que funciona na mansão em que o artista viveu nos tempos áureos, no centro de Amsterdã, reconstruída e transformada em museu há uns cem anos, apresenta uma mostra especial, chamada ‘A Rede Social de Rembrandt’, explorando as imagens que ele produziu dos que o cercavam.




Em Haia, o museu Casa de Maurício de Nassau, a Mauritshuis, também apresenta todo o seu acervo de Rembrandt. O museu é mais famoso por ser a morada do quadro ‘Moça com Brinco de Pérola’, de Vermeer, mas tem um conjunto importante de 19 pinturas de Rembrandt. O maior destaque é a tela ‘A Lição de Anatomia do Dr. Tulp’, de 1632.




Em um ensaio sobre o quadro ‘As Meninas’ (1656), de Velázquez, que serve de abertura ao livro ‘As Palavras e as Coisas’, o filósofo Michel Foucault mostra como o pintor espanhol seiscentista se põe pioneiramente como objeto central de sua obra-prima. Ele está no centro do quadro, no mesmo plano da filha do rei da Espanha e suas damas de companhia, que deveriam ser o centro das atenções.

‘Pinto, logo existo’, parece afirmar pictoricamente o artista mais ou menos na mesma época em que o francês René Descartes proclamava seu ‘penso, logo existo’. Aquele momento do Renascentismo, revela Foucault, marca a afirmação do homem como centro do universo, tomando o lugar antes reservado ao Deus onipotente e onipresente que havia marcado o pensamento humano até então.

A rara oportunidade de avaliar a quase totalidade da obra de Rembrandt permite constatar como, décadas antes de Velázquez, o holandês havia se colocado como pintor no centro do palco da própria obra. As dezenas de autorretratos (ou selfies como se diria hoje) e a aparição meio escondida ao fundo da ‘Ronda Noturna’ não eram manifestações de narcisismo, mas uma narrativa de sua trajetória e da técnica artística.

Rembrandt pintava a existência do artista como um pioneiro manifesto renascentista.
As mostras do ano de Rembrandt em curso na Holanda podem fazer o que pareceria impossível —pôr o pintor seiscentista em uma posição ainda mais destacada no panorama da história da arte.




Fonte: Leão Serva   |   FSP


(JA, Mar19)

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

'Mata Hari - o Mito e a Donzela'



“Mostra busca desmistificar figura de Mata Hari, 100 anos após sua morte. Mata Hari. A menção ao nome evoca uma história de aventuras da cortesã e dançarina exótica que se converteu em espiã na Primeira Guerra Mundial (1914-18), sendo executada há cem anos por seus serviços ao Império Alemão.
Certo? Nem tanto. Como a bibliografia biográfica recente explorou e uma nova exposição condensa, a personagem estava mais para uma vítima de seus erros.
‘Os elementos do mito, a espiã, a dançarina, são o que a maioria das pessoas acha que sabe. Mas ela era bem mais que isso: uma criança que teve muitas experiências negativas, uma mãe que perdeu o filho e teve de fazer várias escolhas difíceis’, afirma, por e-mail, Yves Rocourt.
Ele é o curador da mostra ‘Mata Hari - O Mito e a Donzela’, aberta em no dia 14 de outubro de 2017,  no Museu da Frísia, em Leeuwarden (Holanda), cidade natal de Margaretha Geertruida Zelle —a Mata Hari.
A exposição recolhe reminiscências de sua infância na cidade, onde nasceu em 1876, filha de um lojista, e de sua trajetória posterior.
Como conta uma de suas mais argutas biógrafas, a americana Pat Shipman, ela era tratada como uma ‘princesa’, condicionada a buscar atenção o tempo todo. Sofreu a falência e o divórcio dos pais, além da morte da mãe quando tinha 15 anos.
Aos 16, teve seu primeiro caso rumoroso, com o diretor da escola local, 51. Dado o ambiente patriarcal da época, previsivelmente, ela pagou o preço do escândalo e foi expulsa da escola.

CASAMENTO
Zelle encontrou por meio de anúncios de jornal o capitão Rudolph McLeod, 22 anos mais velho e um alcoólatra violento. Casaram-se e foram morar na Indonésia. A jovem não gostou da vida de casada e colecionou casos.
Acabou tendo dois filhos, Norman e Nonnie. O primeiro morreu aos dois anos, talvez por overdose do mercúrio usado para tratar a sífilis congênita que herdou do pai.
O fato arrasou a união, não menos porque Zelle acusou McLeod pela doença do filho. Eles voltaram para a Holanda e se separaram, e o ex-militar publicou em jornais aviso para que ninguém vendesse a crédito à jovem de hábitos perdulários.
Sozinha e quebrada, teve de entregar a filha a Rudolph. Restava usar os talentos que tinha à mão. Em 1903, a Meca da luxúria europeia era Paris. Dançando e se prostituindo, criou a Mata Hari, cujo nome significa ‘aurora’ em algum dialeto indonésio.
Ela adicionou ao strip-tease que fazia toques de misticismo oriental, inventando histórias sobre como havia sido criada em um templo na selva em Java, e virou sucesso em toda a Europa.
De apresentações privadas a casos cada vez mais numerosos com ricaços, Mata Hari construiu sua fama. Usualmente nua ao fim das danças, nunca retirava o sutiã ornamentado: considerava seus seios muito pequenos.
A carreira foi errática, contudo. Em maio de 1914, ela conseguiu um bom contrato em Berlim. Três meses depois, a guerra estourou e ela teve de voltar à Holanda, logo ocupada pela Alemanha.

A SERVIÇO DE BERLIM
Miserável, foi visitada por um diplomata alemão, que lhe ofereceu dinheiro para virar espiã de Berlim —o que ela aceitou sem pensar, mas, segundo seus biógrafos, sem executar a função de fato.
Seja como for, passou a ser seguida por serviços de espionagem dos Aliados quando voltou a Paris. ‘Expomos relatórios dos agentes que a seguiam’, diz Rocourt.
Mata Hari retomou sua carreira nos palcos e camas da cidade. Em 1916, tudo mudou. Ela se apaixonou por um capitão russo, Vadim, 18 anos mais novo. O militar estava estacionado com os franceses na região de Vittel, perto do front, e ela precisava de um passe para visitá-lo.
Encontrou ajuda com Georges Ladoux, chefe da inteligência militar francesa. Ele concordou em lhe dar o passe em troca de espionagem.
Na volta a Paris, ela foi enviada para seduzir o governador militar alemão da Bélgica. Não deu certo, e ela acabou na Espanha, onde buscou mostrar serviço nos braços de um oficial alemão.
Quando Mata Hari apresentou um relatório sobre manobras secretas para Ladoux, a situação se voltou contra ela.
Segundo afirma Shipman, ela foi vítima de uma caça às bruxas misógina ao estilo medieval, tendo a fama jogada contra si. Rocourt prefere não usar termos como feminista ou libertária para defini-la. ‘Era um produto de seu tempo. Evito rótulos modernos’.
Em fevereiro de 1917, ela foi presa num processo que a Justiça francesa admitiu ser falho 30 anos depois. Em 15 de outubro, vestida elegantemente, acabou fuzilada num bosque perto de Paris, após jogar um beijo para o padre e outro para seu advogado. ‘A criação do mito começou com ela’, sustenta o curador.
Coube a Hollywood eternizar a figura, a partir do papel de Greta Garbo em ‘Mata Hari’ (1931). Desde então, houve cerca de 50 filmes e séries de TV sobre a espiã ou baseados livremente em sua vida.
Não só. Em 2016, foram lançados um livro com correspondências inéditas e um romance de Paulo Coelho (‘A Espiã’) sobre ela. Morta há cem anos, a Mata Hari ficcional segue bem viva no imaginário ocidental.”

Texto: Igor Gielow | FSP
Imagens: 

  1. Estátua de Mata Hari no bairro em que ela nasceu em Leeuwarden, no norte da Holanda, em 1876
  2. Exposição sobre a vida de Mata Hari foi aberta neste mês no Museu da Frísia, em Leeuwarden (Holanda)

         
 (JA, Out17)