Com baixa inclusão digital e longe de centros de consumo, comunidades ficam sem renda
A pandemia arrebentou o negócio de
Maria Aparecida das Graças Oliveira. Tecelã de Turmalina-MG, no Vale do Jequitinhonha, ela viu as vendas secarem após o
cancelamento das feiras nacionais de artesanato, principal meio de escoar sua
produção.
Na associação local de artesãs que
ajudou a fundar há 28 anos, viu muitas colegas na mesma
situação. ‘A gente não parou de trabalhar, só parou de vender’, diz. ‘Está todo
mundo desmotivado. A gente viajava o mundo levando produtos; hoje, a gente está
parada e não sabe até quando’.
A loja mantida pelas associadas ficou
fechada durante quatro meses, por não ter como pagar as despesas fixas. Hoje,
está aberta por meio período, mas os itens de cama mesa e banho que elas
produzem quase não são vendidos. Com a perspectiva de suspensão do auxílio
emergencial do governo -para muitas tecelãs, a única renda fixa nos últimos
nove meses-, 2021 promete ser ainda mais duro.
‘A tendência é que as vendas piorem, com
a segunda onda. A situação das famílias vai complicar. A gente não tem
planejamento para resolver isso, não’.
Para muitos outros artesãos, a
insegurança financeira foi regra em 2020.
Levantamento do Itaú Cultural feito a partir de dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostra o artesanato como o segundo setor da economia
criativa mais afetado pela pandemia, tanto em números absolutos como
proporcionalmente.
No primeiro e segundo semestres,
atividades artesanais perderam 49,6% de seus
postos de trabalho (atrás
do mercado editorial, que perdeu 76,8%), o que corresponde a 132,8
mil empregos (atrás da
moda, com 259 mil).
Sônia Carvalho, presidente da ONG Artesol, aponta uma conjunção de fatores para
explicar esse impacto.
Para além da suspensão das feiras, o
varejo, que antes comprava até 20% da produção
dos artesãos, cortou gastos e deixou de buscar esses produtos. Houve artesãos
que ficaram sem matéria-prima, já que muitas fábricas pararam e, quando
voltaram, privilegiaram o fornecimento a clientes maiores. Por fim, todo o país
perdeu poder de compra.
‘Nesse momento, ninguém está
procurando comprar uma cesta ou toalha de mesa. Ninguém está preocupado em
comprar nada supérfluo’.
Pesaram ainda a localização dessas
comunidades tradicionais de artesãos (a maior parte está nas áreas rurais das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, enquanto o mercado consumidor se concentra no Sudeste
e nas grandes capitais)
e sua baixa inclusão digital.
Carvalho estima que, por esses dois motivos,
os artesãos mais prejudicados tenham sido os indígenas. Na região Norte, que
tem a maior população indígena do país, o artesanato corresponde a 38,6% da receita bruta da indústria criativa, a proporção
mais alta no Brasil.
‘O ano foi péssimo em termos de
mercado, mas pelo menos os artesãos puderam sobreviver com o auxílio que o
governo deu’, diz. Uma pesquisa conduzida pela Artesol mostrou que entre 40 e 50% dos artesãos tradicionais receberam
o benefício.
Nas contas de Carmem Pereira, outra
tecelã de Turmalina-MG, a proporção de artesãs que pediram
o auxílio na sua comunidade foi de 80%. ‘O
governo não pode deixar o barco à deriva. Até que as coisas voltem à
normalidade, há uma necessidade de os governantes continuarem pegando pela mão.
Sozinho a gente não dá conta’, diz.
Além do auxílio, Carmen conseguiu
captar recursos pela Lei Aldir Blanc, e se beneficiou de políticas públicas
locais, como o projeto Arte Salva, do governo mineiro, que distribuiu cestas
básicas para artesãos.
Nos últimos meses, projetos sociais
da Universidade Federal de Minas Gerais e do CAV (Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica) também têm ajudado as comunidades.
A Lei Aldir Blanc foi acionada por
muitas artesãs, mas contemplou uma minoria. Isso porque ela exige a Carteira do
Artesão, documento emitido pelo governo que, num setor marcado pela
informalidade, pouca gente tem.
Na ausência de apoio garantido do
Estado, restam as saídas individuais. Carmen, que já revendia cosméticos para
complementar a renda, fez desse seu ganho principal. Como são produtos de
primeira ordem, desodorantes e sabonetes, não pararam de vender.
Já as artesãs que trabalham com barro
na região tiveram a sorte, em março, de fechar parceria com a empresa Camicado
para produzir uma linha de moringas, vasos e outros objetos domésticos. ‘Foi
uma salvação, porque a maioria dos maridos das artesãs ficaram parados’, diz a
artesã Terezinha Santos.
Com a crise, ela também passou a
vender mais pela internet, mas reclama que, além das taxas cobradas pelos sites
de vendas, o envio dos produtos por correio é caro e inseguro. ‘Para
transportar as peças, a gente acaba pagando mais. Às vezes a gente manda,
quebra, aí precisa repor. Complicou um pouco’.
O coordenador-geral de Artesanato e
Empreendedorismo do Ministério da Economia, Fábio Silva, admite que ‘foi um ano
diferente para todos". Responsável pelo PAP (Programa do Artesanato Brasileiro), que realiza as quatro maiores
feiras do país, ele defende a continuidade dos eventos presenciais.
‘Uma peça de artesanato tem uma
história, uma cultura, o artesão tem um porquê daquela produção’, afirma. ‘A
história passada para o comprador, na feira, gera valorização muito maior do
que para quem compra pela internet’.
Em 2020, apenas uma dessas feiras foi realizada, na primeira semana de dezembro.
Feita em Belo Horizonte, teve tamanho reduzido (apenas dez estados) e, segundo Silva, foi ‘tranquila, segura e com nível
considerável de venda’. (Segundo
Cida Oliveira, ninguém da sua comunidade teve coragem de ir)
A pretensão, segundo Silva, é ampliar
a parceria do órgão com o Sebrae para investir na capacitação digital dos
artesãos, fazer um catálogo de produtos no site do governo e criar uma loja do
programa no Mercado Livre. Ele ainda planeja lançar um aplicativo com
orientações sobre exportação para os artesãos.
Para o artesão José Luís Ferreira, de
Santos-SP, a priorização das vendas online na pauta do governo pode ser boa
notícia —ele pensou em fazer uma loja digital para vender suas caixas de
madeira, mas desistiu por ter ‘limitações com informática’. Ele, afirma, no
entanto, que o artesanato já vinha passando por depreciação mesmo antes do
vírus. ‘Ninguém dá muito valor, entendeu? E o material ficou muito caro, então
não tem retorno’.
Fonte: Laura Castanho | FSP
(JA, Dez20)