segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Arte de Paul Gauguin

 

I. Paul Gauguin

Eugène-Henri-Paul Gauguin foi um pintor francês cujo trabalho, junto com Van Gogh e Paul Cézanne, se caracterizou como pós-impressionismo. Gauguin nasceu em Paris, 7 de junho de 1848 e faleceu nas Ilhas Marquesas em 8 de maio de 1903.

Apesar de ter nascido em Paris, Gauguin se mudou com três anos para Lima, Peru, onde viveu até os sete anos. Seu Pai era um jornalista republicano, e sua mãe, Aline Chazal, era descendente de espanhóis, proprietários de terras  na América do Sul.

Com a chegada de Napoleão III ao poder, e com medo da perseguição, a família embarcou, em 1851, com destino ao Peru, onde seu pai pretendia trabalhar. Entretanto, durante a terrível viagem de navio, o pai teve complicações de saúde, e faleceu. Assim, o futuro pintor desembarcou em Lima, apenas com sua mãe e irmã.

Quando voltou para seu país natal, em 1855, Gauguin estudou em Orléans e, aos 17 anos, ingressou na marinha mercante, e correu o mundo. Trabalhou em seguida numa corretora de valores parisiense e, em 1873, casou-se com a dinamarquesa Mette Sophie Gad, com quem teve cinco filhos.

 

                                                                  Autorretrato, 1875 a 1877 

II. Vida Adulta e início de carreira

Aos 25 anos, após a quebra da Bolsa de Paris, tomou a decisão mais importante de sua vida: dedicar-se totalmente à pintura.

Começou, assim, uma vida de viagens e boemia, que resultou numa produção artística singular e determinante das vanguardas do século 20.

Ao contrário de muitos pintores, não se incorporou ao movimento impressionista da época. Expôs, pela primeira vez, em 1876. Mas não seria uma vida fácil, tendo atravessado dificuldades econômicas, problemas conjugais, privações, e doenças.

 

III. Camile Pissarro e os impressionistas, 1884 - 1886

De janeiro a novembro de 1884, mudou-se para Rouen, onde Camille Pissarro, que o havia guiado na sua abordagem ao Impressionismo, também vivia. Durante esses 10 meses em Rouen, ele produziu cerca de quarenta pinturas, principalmente vistas sobre a cidade e seus arredores.

Isso não era o suficiente para viver, e ele se mudou com sua esposa e filhos para casa dos parentes dela em Copenhagen.

A convivência  com os sogros não funcionou. Seu negócio não foi bem.

Então, em 1885, ele retornou a Paris para pintar em tempo integral, deixando sua esposa e filhos da Dinamarca e, sem meios de lhes sustentar, sentia-se dilacerado por isso. Ele participou, entre 1879-1886, das últimos cinco exposições do Grupo de impressionistas.

 

                                   ‘As lavadeiras em Pont Aven’, 1886, Musée d'Orsay, Paris 

IV. Cloisonnisme / simbolismo /sintetismo - Pont Aven, 1886

Em 1886 , a conselho de Armand Marie Felix Jobbé Duval, Gauguin fez sua primeira estada em Pont-Aven, na Bretanha, onde se encontrou com Émile Bernard, defensor do Cloisonnisme. De volta a Paris, em novembro do mesmo ano, ele conheceu pela primeira vez Vincent van Gogh.

Em abril de 1887, ele partiu com o pintor Charles Laval para o Panamá , onde eles foram trabalhar na perfuração do canal . Eles enfrentaram condições de vida particularmente difíceis, e decidiram sair, uma vez que tinham dinheiro suficiente para ir a Martinica, lugar que Gauguin tinha descoberto quando era um marinheiro.

Ele permaneceu na  Martinica, em Anse Turim Carbet, a  dois quilómetros de São Pedro, em condições precárias, de junho a outubro 1887. Lá, existe hoje, um museu   dedicado a Gauguin. Excitado pela luz e pelas paisagens, pintou doze pinturas durante sua estadia. Lá, ele teve uma filha natural. 


As ceifeiras, Emile Bernard, 1888, Met New York

Cloisonnisme

O cloisonnisme é um estilo da pintura pós-impressionista, caracterizado por cores lisas, delimitadas por contornos escuros. O termo foi utilizado pelo crítico Édouard Dujardin por ocasião do Salão dos Independentes, em Março de 1888.

Os artistas Émile Bernard, Louis Anquetin, Paul Gauguin, Paul Sérusier, e outros, começaram a pintar com este estilo no final do século 19.

O nome remete para a técnica de cloisonné, onde arames (cloisons ou ‘compartimentos’) são soldados ao corpo da peça, enchidos com pó de vidro e, em seguida, colocados no meio de chamas - a altas temperaturas, numa técnica semelhante à do vitral. Muitos daqueles pintores descrevem os seus trabalhos como sintetismo, um movimento com algumas semelhanças.


V. Episódio de Arles, 1888

Gauguin reuniu-se a Vincent van Gogh, que o havia convidado  para vir para Arles, no sul da França, em 1888, graças ao irmão deste, Theodorus van Gogh (negociante de arte).

 

                                Autorretrato ‘Os Miseráveis’, 1888, Museu Van Gogh, Amsterdã 

Gauguin que estava na Bretanha, e se julgava um bandido em uma sociedade que o impedia de renovar o impressionismo, pintou um autorretrato, com Émile Bernard ao fundo, que intitulou de ‘Os Miseráveis’. Antes de se reunir a Van Gogh, ele enviou esse quadro de presente para o pintor, onde escreveu: ‘Então, aqui vai a minha imagem pessoal, mas  também um retrato de todos nós, pobres vítimas dessa sociedade, de quem nos vingamos fazendo o bem’.

Reunidos por um interesse comum na cor, os dois pintores entraram em conflito pessoal e artístico. Van Gogh não gostou quando Gauguin pintou o quadro ‘Van Gogh pintando girassóis’, o qual ele se vê e exclama: ‘Este sou eu, mas louco’. A coabitação deteriorou-se, e terminou no famoso episódio da orelha cortada de Van Gogh, em 23 de dezembro de 1888.


VI. Sintetismo em Pont-Aven, 1888 - 1890

De retorno à França, ele vive em Paris, antes de partir, no começo de 1888, para a Bretanha, onde ele é o centro de um grupo de pintores experimentais conhecidos como a escola de Pont-Aven. Em uma carta de 1888 escrita à Emile Schuffenecker, Paul Gauguin exprime seu credo que será o cerne das crenças artísticas que se seguirão.

‘Um conselho, não copie muito da natureza, a arte é uma abstração, pegue da natureza, sonhando antes e pensando mais na criação do que no resultado.  Esta é a única maneira de subir a Deus, fazendo como nosso Mestre Divino, criando’.

Sob a influência do pintor Émile Bernard , seu estilo evolui, torna-se mais natural e sintético. Ele encontra inspiração na arte exótica, vitrais medievais e gravuras japonesas. Naquele ano ele pintou A Visão depois do Sermão, que irá influenciar Pablo Picasso, Henri Matisse e Edvard Munch.

Escola de Pont-Aven

Os trabalhos são caracterizados pelo uso marcante de cores puras e uma temática simbolista: o uso livre  da cor (pode pintar a grama de vermelha se quiser), o que se aplica em grandes manchas e cores especiais. Eles usam cloisonnism. O resultado é, geralmente, uma obra de arte altamente decorativa. Existe uma vontade de sintetizar as formas: síntese entre o estilo impressionista e simbolista - por isso podem ser considerados simbolistas, pelo seu espírito.

Paul Gauguin acabou se tornando um dos expoentes da escola de Pont-Aven e, reunindo vários artistas em torno dele. Ele ficou nessa região no períodos 1886, 1888 -1890, e 1894. 


             ‘La ronde de las petites bretones’ (a dança das pequenas bretãs), 1888, National Gallery, WashingtonDC 


VII. Vida na Polinésia, 1891 - 1902

Em 1891, arruinado, Gauguin mora uns tempos em Paris, e depois, inspirado pela obra de Jacques-Antoine Moerenhout, ele embarca para a Polinésia, graças à venda de uma de suas obras que tinha recebido dois artigos entusiasmados de Octave Mirbeau.

Ele se instalou em Taiti onde ele esperava poder fugir da civilização ocidental, e tudo que seria artificial e convencional. Ele passa toda a sua vida em regiões tropicais, primeiro Taiti e depois a ilha de Hiva Ao, no arquipélago de Marquises. Ela volta a cidade somente uma vez.

As características essenciais de sua pintura (que são a utilização de grandes superfícies de cores vivas) não mudam muito. Ele presta atenção especial na expressividade das cores, na procura da perspectiva correta, e na utilização de formas sólidas e volumosas.

 Ele faz também algumas esculturas em madeira, mas sobretudo pinta seus mais belos quadros nessa fase.

Duas Mulheres do Taiti

‘Como combinar forma sólida e padrão plano? - isso parece o problema que os pós-impressionistas costumavam se colocar. Nestas pinturas, Gauguin, que frequentemente usa a composição do friso fluente para esse mesmo fim, juntou a solidez e a superfície por outros meios.

A visão de cima encurta as figuras e elimina o horizonte, trazendo assim o plano de fundo. As próprias figuras, perto dos olhos, criam um padrão de formas curvas que contrasta com as linhas retas e simples da costa além. Sendo tão perto, preenchendo tanto da área, ambos estão na superfície, e em profundidade, ambos planos e modelados.

A fusão dos dois é especialmente clara na mulher à esquerda, cujo perfil e braço fazem um contorno vertical contínuo, pois a perna e a saia estendidas fazem uma horizontal, ambas também funcionando como diagonais recuadas, enquanto ao mesmo tempo o pé equilibra a Mão próxima no canto. Assim, as grandes áreas de cores, unidas por grandes contornos que, por sobreposição, criam um padrão abstrato, também são usados ​​para modelar e dar peso aos corpos’. 


                                       'Duas Mulheres do Taiti', 1892, Galeria Neue Mester, Dresden 

Em 1891 Gauguin pintou ‘Duas mulheres do Taiti na praia’ que está no Museu d'Orsay. Um pouco depois, em 1892 ele pintou um segundo quadro ‘Duas mulheres do Tahiti’, trocando apenas a figura da moça da direita. Esse quadro está exposto em Dresden.

Mulher com uma Flor

‘Melancólica e sensual, esta bela polinésia toca o espectador pela vibração de suas cores vivas e pelos contornos intensos. Embora a pose seja tradicional, o artista evitou as regras usuais da arte ocidental.

As formas são simples, as cores são chocantes, e não há profundidade de perspectiva.

Em seu livro ‘Noa Noa’, sobre sua vida naquele lugar, escreveu: ‘Fugi de tudo o que é artificial e convencional. Aqui penetro na Verdade, integro-me na natureza’.

 

‘Vahine no te tiare’ (La femme a la fleur), 1891 


O terreno da frente e do meio estão construídos em áreas de verde, amarelo e azul. Uma moça tradicionalmente vestida, estabelece o limite entre a parte da frente e de trás. A flor branca atrás de sua orelha esquerda indica que ela procura um marido. Atrás dela, uma segunda figura está vestida em estilo ocidental cobrindo até o pescoço representando uma ameaça ou aviso.

A historiadora de arte Nancy Mowll Mathews escreveu que Gauguin ‘retratava os nativos [tahitianos] como vivendo apenas para cantar e fazer amor. Foi assim que ganhou dinheiro com seus amigos, e aumentou o interesse do público na sua aventura. Mas, é claro, ele sabia que na verdade, o Taiti era uma ilha,  com uma comunidade internacional, ocidentalizada'.


‘Nafea faa ipoipo’ (Quando te casarás?), 1892 - KurnsterMuseum, Basel 


Em fevereiro de 2015, a pintura Nafea Faa Ipoipo, que pertencia  ao colecionador suíço Rudolf Stechelin, foi adquirida pela Autoridade de Museus do Qatar por 300 milhões de dólares estadunidenses (263 milhões de euros), e converteu-se assim na obra de arte mais cara da história.

Why are you Angry?

‘A estrutura e o ritmo de composição das pinturas de Gauguin tendem em duas direções. Por um lado, ele emprega a curva de fluido, reforçando as linhas de figuras dobradas, com áreas de fundo com contornos contínuos semelhantes. Por outro lado, ele usa uma forma semelhante a um friso, construída em torno de horizontes rítmicos e verticais.

Nesta imagem estão as verticais repetidas das casas, das árvores e das figuras, Dando origem a linhas tão relacionadas que levam o olho através da tela, dando-lhe amplitude. E também estão as horizontais, que começam na parte inferior direita, e retém a distância. Os pés, o olhar, toda a pose da figura do primeiro plano, os remendos verdes na terra vermelha, a superfície amarela da parede da casa, e a casa menor à distância, estabelecem planos, a intervalos que medem um espaço profundo.

Ao contrário de muitas pinturas de Gauguin, onde o espaço é negado, ou apenas sugerido, essa imagem, com seu contraste de sólido e vazio, a apresentação consciente de um continuo espacial, que liga e separa os elementos dentro dele, é uma concepção clássica de que ambos, Paul Cezanne e Seurat, teriam entendido. 


Why are you angry ?,  1892, Art Institute of Chicago 


VIII. Últimos tempos de Gauguin - Ilha de Iva Oa, Marquises

Durante a sua vida, Gauguin admirou Degas, como ele próprio escreveu, em janeiro e fevereiro de 1903 (apenas alguns meses após a execução desta imagem).

Nesse mesmo manuscrito, Gauguin também escreveu: ‘Estude a silhueta de cada objeto, a distinção do esboço é o atributo da mão que não está enfraquecida por qualquer hesitação da vontade’. Foi, de fato, por tal incisividade de visão (bem como de sagacidade e vontade tão própria) que ele admirava Degas.

Esta imagem, pintada naquela margem de Atuana, que ele podia ver de sua última casa nativa, parece criada a partir de uma reminiscência das pinturas de Degas, e exemplifica o poder que Gauguin manteve até o fim. Pois, embora sua configuração seja tão diferente das elegantes cenas de Degas na trilha de ‘Longchamps’, por exemplo, seu espaço, o isolamento das figuras, a sua clareza de contorno - que faz de cada cavalo uma forma fechada, e a sensação de intervalo rítmico, tudo é semelhante.

‘Eu desejei estabelecer o direito de ousar qualquer coisa...’.

’O público não me deve nada, uma vez que minha conquista na pintura é apenas relativamente boa, mas os pintores - que hoje lucram com essa liberdade – eles sim me devem algo’. 


                             Cavaleiros na praia, 1902, Starvros Niarchos Collection, Greece 


‘Gauguin morreu em 8 de maio de 1903, em sua residência. Ele tinha dado a seu lar o nome de ‘Casa de Contentamento’, e mandara entalhar acima da porta as frases: ‘Seja misterioso’ e ‘Ame e será feliz’. Era o seu adeus ao mundo’.



IX. Influência na pintura de Gauguin, e os desenvolvimentos a partir dela.

Quando Paul Gauguin encontrou Emile Bernard, em Pont-Aven pela primeira vez, ele já tinha 42 anos, e Bernard somente 18 anos.

Bernard já tinha criado a técnica nova: le cloisonisme. Os pintores da academia Julian (Denis, Serusier, Scuffenecker, Laval) se inspiraram ainda no grupo dos Nabis.

Emile Bernard é visto como o fundador da escola de Pont-Aven.

Gauguin conservou antes de sua partida para o Taiti uma relação amigável com ele e sua irmã Madeleine.

Gauguin seguiu as experiências de Emile sobre a cor, e a função da luz e da sombra. O conjunto de sua obra influenciou a evolução da pintura da época, notadamente o fauvismo do século 20.


 



Referências: História das Artes  |   WP  | Valiletaratura  |

 

(JA, Ago20)

 


sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Masp e MAM se rendem ao virtual

Exposições de Hélio Oiticica e Antônio Dias estavam em montagem quando coronavírus fechou museus em São Paulo

Na semana em que começou a quarentena em São Paulo, dois dos principais museus da cidade de São Paulo, o Masp e o MAM,  planejavam abrir mostras cercadas de expectativa.

 

                                        Museu de Arte  de São Paulo – av. Paulista

A do Masp era ‘Hélio Oiticica: A Dança na Minha Experiência’, que articula o tema da programação deste ano, a dança, e o incontornável artista carioca, um dos maiores nomes do neoconcretismo.

A do MAM, a primeira retrospectiva do paraibano Antonio Dias desde a sua morte, há dois anos, com o subtítulo de ‘Derrotas e Vitórias’.


Museu de Arte Moderna de São Paulo – Parque do Ibirapuera


Quase seis meses depois, elas enfim podem ser vistas pelo público, em prévias virtuais —os museus ainda não têm data para retomar as atividades, embora a prefeitura paulistana estime que isso possa acontecer entre o final de setembro e o início de outubro.

No caso do Masp, esse aperitivo consiste numa seleção de imagens das obras e da exposição montada no subsolo, e de um vídeo de uma visita guiada por ali com o curador-chefe da instituição, Tomás Toledo. Ainda foi lançado um catálogo caprichado, à venda no site do museu.


      Réplicas de parangolés que podem ser vestidos pelo público na mostra 'Hélio Oiticia - A Dança na Minha            Experiência', no Masp 


Toledo afirma que a proposta da exposição era partir dos parangolés - icônicas capas criadas por Oiticica para serem vestidas pelo público -, mas sem se limitar a isso.

Desse modo, ali estão reunidos vários dos ‘Metaesquemas’ do artista, em que formas geométricas e traços coloridos parecem bailar sobre o papel. Também estão lá seus ‘Núcleos’, ‘Penetráveis’ e ‘Bólides’, peças que traduzem as preocupações cromáticas e geométricas para um espaço tridimensional e que marcam o início da busca de Oiticica pela aproximação com o corpo do visitante.

Os últimos, caixinhas com pigmentos e outros materiais que originalmente podiam ser manuseadas pelo público, inauguram o momento em que o carioca começa a tratar de temas políticos e sociais na sua obra. ‘São trabalhos que trazem a rua para dentro de si’, diz Toledo.

Ele lembra o ‘Bólide’ em homenagem ao bandido carioca Cara de Cavalo, executado à queima-roupa pela polícia nos anos 1960. Ou aquele que, abrigando um espelho, reflete os passantes e o local onde estão.

 


É, porém, um outro ‘Bólide’ da mostra que talvez melhor resuma a busca do artista no momento anterior à invenção dos parangolés, diz o curador. É uma caixa cheia de água, que tem no fundo a inscrição ‘mergulho no corpo’.

Já a mostra do MAM reúne trabalhos encontrados no próprio ateliê de Dias, no Rio de Janeiro, cidade onde ele viveu seus últimos oito anos. O peso deles, aliado ao fato de que o artista chegou a comprar alguns dos itens de outros colecionadores, podem indicar como Dias enxergava suas criações, diz Felipe Chaimovich, à frente da mostra. ‘É um museu que ele fez da própria obra’.

Da seleção original de quase 70 peças, porém, só dez estão na prévia que o museu inaugurou no ‘Google Arts and Culture’. A maioria delas é acompanhada de trechos de entrevistas de Dias que, na exposição original, estariam decalcadas nas paredes. ‘Quis muito dar voz ao artista, já que era a coleção dele’, justifica Chaimovich.

 

                                'Nota Sobre a Morte Imprevista', de Antônio Dias, de 1965


A mostra online constrói, assim, uma espécie de panorâmica da trajetória do artista, passando das referências aos quadrinhos de obras como a seminal ‘Nota sobre a Morte Imprevista’, da época da ditadura, até chegar à sua produção dos anos 2000 com ‘Seu Marido’, figura saltitante que, coberta por franjas amarelas, lembraria um personagem infantil, não fosse a aparência fálica.


                              'Eu Marido', obra de Antonio Dias, 2002, em colaboração com a Coopa-Roca RJ 


Segundo Chaimovich, são trabalhos marcados por uma certa incompletude, não só em termos de composição como num sentido ético. ‘Sempre há algo que falta, e de certa maneira essa falta costura toda a obra. É um artista que lidou com a ideia da finitude humana’, afirma o curador.

Mesmo que a reunião de obras do ‘Google Arts and Culture’ seja uma boa porta de entrada para o trabalho de Dias, a transposição para a tela do computador deixa alguns prejuízos.

Exibida numa fotografia, imóvel, ‘Seu Marido’ perde parte do humor e da surpresa. A série de vídeos ‘The Illustration of Art/Gimmick’, em geral mostrada em três televisores, foi reduzida a um único frame.

Isso sem falar nos trabalhos que usam pigmentos minerais, que, na visão de Dias, operavam como condutores de energia. ‘A representação virtual é sem dúvida didática, mas, para o próprio artista, o sentido de várias de suas obras é físico’, diz Chaimovich.

Na mostra de Oiticica, a maior perda será da mostra física. As réplicas de parangolés que o museu produziu para serem usadas pelos visitantes, a princípio, não poderão ser manuseadas, por causa do risco de transmissão do coronavírus, conta Toledo.

 

HÉLIO OITICICA: A DANÇA NA MINHA EXPERIÊNCIA

Onde Site do Masp

Link   https://masp.org.br/exposicoes/helio-oiticica-a-danca-na-minha-experiencia

 

ANTONIO DIAS: DERROTAS E VITÓRIAS

Onde Página do MAM-SP na plataforma ‘Google Arts and Culture’

Link https://artsandculture.google.com/partner/museu-de-arte-moderna-de-sao-paulo

 

Curadoria Felipe Chaimovich

 



Fonte: Clara Balbi   |   FSP

 

(JA, Ago20)

 


terça-feira, 18 de agosto de 2020

Morre o designer Jorge Zalszupin, gênio do mobiliário modernista

 Fundador da L'Atelier chegou ao Brasil após fugir das perseguições nazistas da Segunda Guerra Mundial

 


Morreu o arquiteto e designer Jorge Zalszupin, aos 98 anos, nesta segunda-feira (17). A informação foi anunciada pela sua filha Verônica, numa publicação no Instagram. A causa da morte ainda não foi revelada.

Zalszupin foi o fundador de uma das maiores marcas do design moderno brasileiro, a L'Atelier. Criada em 1959, a empresa ganhou destaque pelos móveis modernistas, marcados pelo uso escultural de madeiras brasileiras e pela influência de traços do mobiliário escandinavo.

O artista judeu nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 1922, onde viveu até os 18 anos, quando se viu obrigado a deixar o país, após sua mãe ser levada a um campo de concentração nazista.

Zalszupin concluiu os estudos em arquitetura na Romênia e viveu ali até o ano de 1947. Dois anos depois, chegou ao Brasil, onde anos mais tarde viria a se naturalizar.

Carrinho de chá inspirado em carrinhos de bebê da Polônia


No início da década de 1950, Zalszupin começou a projetar prédios modernos e luxuosos na capital paulista e a criar alguns dos móveis mais importantes do design brasileiro. Muitas das peças foram marcadas pelo uso de madeira, desenhos curvados e delgados. O carrinho de chá, inspirado em carrinhos de bebê da Polônia, retrata bem isso.

O uso do jacarandá é uma marca constante em suas obras. Encantado pela resistência da madeira, ele dizia que ela ‘quebrava os dentes da serra’, de tão dura, segundo a especialista em design Adélia Borges.


Detalhe de móvel criado por Jorge Zalszupin


‘O jacarandá permitia estruturas muito finas, pés muito delgados’, diz Borges. ‘Quando essa madeira começou a se esgotar, ele passou a explorar a perobinha-do-campo’.

Depois de trabalhar na firma de arquitetura Branco & Preto, em São Paulo, ele investiu numa marca própria, na qual passou a criar obras sem vinculação à demanda de clientes. Em 1960, quando já atuava na L'Atelier, Zalszupin deu origem a um de seus mais icônicos móveis, a poltrona Dinamarquesa.


Poltrona Dinamarquesa


Assim como muitas de suas criações, a poltrona, que é considerada um clássico, compõe a decoração das salas do Judiciário brasileiro.

 

Jorge Zalszupin


Em 1970, Zalszupin vendeu a L'Atelier ao grupo Forsa, e se tornou o diretor de pesquisa e desenvolvimento de produtos de todas as empresas da firma.

‘Os móveis do Jorge são atemporais e primam pela elegância. Ele sempre foi versátil, indo da madeira ao ferro, passando pelo plástico. Nos últimos dez anos, desde que começamos a reeditar os móveis da L'Atelier, houve um aumento expressivo da procura pelas peças dele. E a demanda só cresce’, afirmou a empresária paulistana Etel Carmona, dona da loja Etel, em entrevista de 2006.

Segundo Giancarlo Latorraca, arquiteto e diretor técnico do Museu da Casa Brasileira, o polonês se destacou principalmente pela fusão dos seus conhecimentos de origem com aqueles da cultura e práticas brasileiras, lembrando que suas produções indicam passos originais da representação moderna.


Móvel criado por Jorge Zalszupin


Zalszupin também foi um dos pioneiros a usar pedaços de madeira para compor peças, em vez de uma única madeira uniformizada.

Segundo Borges, grande parte das obras elegantes do polonês foram destinadas à elite, o que ofuscou uma de suas facetas - a tentativa de democratizar o acesso ao design. Ela lembra que além da L'Atelier, o arquiteto criou outras fábricas, como é o caso da Hevea, que produzia peças de plástico como o icônico balde de gelo Eva, e da Labo, de material de informática.


Poltrona presidencial


‘Ele é o último mestre do design brasileiro que nos deixa’, disse Borges. ‘E influenciou muitos jovens designers, sobretudo Marcelo de Rezende, Oswaldo Mellone e Paulo Sérgio Pedreira, que são industriais’.

Zalszupin deixa duas filhas, Verônica e Marina, uma neta, Adriana, e uma bisneta, Olivia. O enterro será na segunda, restrito aos familiares.


 


 

Fonte: Marina Lourenço   |   FSP

 

(JA, Ago20)