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quarta-feira, 18 de agosto de 2021

John Graz

Artista e designer suíço, introdutor da art déco no Brasil, ganha exposições na onda de revisão de personagens da Semana de 1922 



John Gras em seu Atelier, Genebra, Suíça, 1918


Ele pintou a fauna e a flora brasileiras, fez telas sobre comunidades indígenas, viajou até o Rio Grande do Sul para retratar os gaúchos, e a estados do Nordeste para representar a tradição do Bumba meu boi. Também se dedicou a desenhar móveis para as casas da elite paulistana, incluindo pormenores como fechaduras de portas e a disposição das plantas no ambiente.

Transitando entre as artes visuais e a arquitetura de interiores, o suíço John Graz —considerado um dos introdutores do estilo art déco no país— foi importante figura do meio intelectual paulistano no século 20, tendo publicado na revista Klaxon, e participado da Semana de Arte Moderna de 1922, com sete telas que pintou em Genebra, antes de se mudar para o Brasil.

Mesmo assim, seu nome é menos lembrado em comparação a outros artistas daquele período. Isto agora está mudando, graças à uma revisão dos participantes da Semana de 1922 -por conta do centenário do evento, em fevereiro do ano que vem-, atrelada à uma série de exposições.


Fogueira, década de 1930

Uma grande mostra aberta há pouco na Pina Estação, em São Paulo, e outras exposições na cidade, neste e no próximo ano, procuram dar conta da totalidade do trabalho de Graz, trazendo a público uma grande investigação de sua obra e diversas peças nunca vistas em público.

Graz ‘vem de uma formação nas artes decorativas, não existe separação entre artes visuais e arquitetura, mobiliário, mas uma tentativa de integração dessas várias manifestações artísticas’, diz Fernanda Pitta, curadora de ‘John Graz: Idílio Tropical e Moderno’, na Pina Estação, ao lado de Thierry Freitas.

Em 155 obras, sendo 42 recebidas de uma doação do Instituto John Graz, a mostra cobre cinco décadas da produção do artista, evidenciando seu fascínio com os tipos humanos, e as tradições do Brasil. Há um conjunto expressivo de guaches e aquarelas sobre índios, por exemplo, tema que perpassou a maior parte da vida produtiva do artista. 


Índios, Regina Gomide Graz, década de 30


As representações de pessoas com arco e flecha em meio à natureza ou descansando em redes sob a sombra de palmeiras apontam para uma aproximação idílica e um tanto genérica dos povos originários, afirma a curadora, no que ela considera um limite do trabalho de Graz.

Ao que se sabe, ele nunca estudou a fundo as tribos pelas quais tanto se interessava, diz Pitta, diferentemente de sua mulher, Regina Graz, que pesquisou as tecelagens de comunidades do alto Amazonas em busca de padrões para reproduzir em suas tapeçarias —alguns destes tapetes podem ser vistos no site do Museu de Arte Moderna, o MAM, na versão virtual da exposição ‘Desafios da Modernidade – Família Gomide-Graz nas Décadas de 1920 e 1930’. 


Gesso sem título, década de 1920


Embora o forte da mostra na Pina Estação sejam as pinturas, há também gessos, estudos de murais desenhados para interiores de residências e fotografias de ambientes projetados pelo artista, a exemplo do quarto do casal Antonieta e Caio Prado, uma família da elite cafeicultora paulista.

Pitta lembra que Graz trabalhava sob encomenda, transitando entre estilos distintos. Atuando como designer, realizou mobiliário de inspiração art nouveau, com formas arredondadas, os preferidos das elites antes de o modernismo e suas linhas geométricas entrarem em voga, e serem igualmente abraçados por ele, que então passou a decorar casas do arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik, nome central do movimento moderno brasileiro.


Cadeira projetada pelo artista década de 1960 reeditada 2010


Na Pina Estação, há uma série de fotos em preto e branco de ambientes desenhados por Graz, além de uma cadeira de três pés em madeira nobre e uma poltrona. O forte do seu mobiliário, contudo, está na mostra do MAM, que reuniu seus famosos sofás e poltronas tubulares e algumas luminárias.

Uma das instituições por trás desta grande revisão é o Instituto John Graz, criado em 2005, em São Paulo, pela última mulher do artista, Annie. Ela preservou e catalogou o acervo e os documentos de Graz depois de sua morte, em 1980, até que, mais tarde, a neta, Claudia Taddei, assumiu a frente do instituto e iniciou o contato com instituições e colecionadores.

‘Nosso desejo é que as pessoas possam voltar a ter uma compreensão da obra do John como um todo’, afirma Taddei. Seu avô desenhava ambientes completos, amarrados num conceito único que incluía as pinturas ou murais e o mobiliário.


Despedida, 1930, de Antônio Gomide


O panorama do artista se completa com mais duas mostras. A primeira, no Museu de Arte Contemporânea da USP, o MAC, vai exibir dois estudos de murais que misturam paisagem tropical e elementos urbanos. As peças são parte de uma mostra que celebra a doação, para o museu, da coleção de mobiliário art déco dos colecionadores Fulvia e Adolpho Leirner, que reúne um conjunto de peças da época modernista tão caras à elite paulistana, como cadeiras de Flávio de Carvalho e o mobiliário da Casa Modernista de Warchawchik.

Ana Magalhães, diretora e curadora do MAC, afirma que as artes aplicadas —design, mobiliário e objetos pensados para a vida cotidiana— ‘nunca foram consideradas como uma produção da mesma relevância que as artes com A maiúsculo’.

Mas acrescenta que, nas últimas duas décadas, este movimento vem passando por uma revisão, sobretudo das peças produzidas na primeira metade do século 20, na qual John Graz e sua mulher, Regina, se incluem. Magalhães dá como exemplos a mostra dos 100 anos da Bauhaus, no Sesc Pompeia, em 2018, e o livro ‘Coleção Fulvia e Adolpho Leirner’, dos pesquisadores Ana Paula Cavalcanti Simioni e Luciano Migliaccio.

Por fim, está programada para o ano que vem uma exposição no Museu da Casa Brasileira focada no trabalho de Graz como designer e arquiteto de interiores, com peças nunca mostradas em público. Para Taddei, do instituto, ‘mais do que conhecido, Graz era respeitado pela sua inovação e pelo vanguardismo’.

 

JOHN GRAZ: IDÍLIO TROPICAL E MODERNO

PROJETOS PARA UM COTIDIANO MODERNO NO BRASIL

  • Quando - De 21 de agosto a agosto de 2022
  • Onde - MAC-USP - Av. Pedro Álvares Cabral, 1301, Vila Mariana, São Paulo; ter. a qui, das 11h às 19h; sex. a dom., das 11h às 21h
  • Preço - Grátis

 

 

 

Fonte: João Perassolo | FSP

 

(JA, Ago21)

 


quinta-feira, 22 de julho de 2021

Murais de Di Cavalcanti fogem das musas sensuais, atacam elite e celebram povo

 Instituto Tomie Ohtake reúne 23 obras políticas do artista e discute aproximação das obras com os muralistas mexicanos

 

‘Trabalhadores’ – painel de Di Cavalcanti, 1952 


Emiliano Di Cavalcanti é vastamente conhecido por suas pinturas de um Brasil considerado popular e miscigenado, mas o curador Ivo Mesquita defende que o artista ainda não recebeu reconhecimento pelo período em que fez algumas de suas maiores produções, e talvez as mais políticas de sua carreira —a de painéis e murais.

 

Brasil em 4 Fases II, 1965


O painel ‘Brasil em Quatro Fases’, por exemplo, narra a formação de um país que passa por florestas exuberantes, por um sol a pino, e por trabalhadores que ocupam as ruas e as sacadas da cidade de um Brasil que rumava para a modernidade.

A história formada por essa obra se amarra, no entanto, com um último pedaço do painel de cores escuras, com cidadãos que dançam nas sombras —e que se relaciona com quando foi feito, 1965, um ano após a ditadura militar começar no Brasil.

É essa e outras obras, predominantes na produção dos anos 1950 do artista brasileiro, que são retomadas em ‘Di Cavalcanti, Muralista’, que fica até outubro deste ano no Instituto Tomie Ohtake, com 23 trabalhos produzidos a partir da década de 1920.

‘O Di se tornou o pintor das mulatas, do samba, que virou um estereótipo dele’, afirma Mesquita. Não se vê esse outro lado dele que, para mim, é sua grande obra. Ele era um muralista’.

Acontece que não é possível transpor vários de seus murais mais importantes para dentro do museu. A solução para aproximar o público dessas obras, então, foi trazer pinturas de grandes dimensões, que anunciam técnicas e temas que Di usou em seus murais, apresentar uma linha do tempo com imagens desses murais mais emblemáticos que estão pelo Brasil, e exibir outros dois painéis, como ‘Trabalhadores’ e o próprio ‘Brasil em Quatro Fases’.

Distante dos cavaletes, o público é apresentado para um Di que trabalha com uma tinta mais lavada, mesmo com um traço firme. Há também composições de um fundo decorativo, quase bordado, como em ‘Feira Nordestina’, que Mesquita aponta uma influência de Delacroix. 


Feira Nordestina, de 1951, de Di Cavalcanti 


O curador também busca debater a aproximação que se faz entre o muralismo do Di Cavalcanti e dos muralistas mexicanos, como Diego Rivera —mais do que uma influência do outro país, Mesquita defende que se trata de uma produção feita na mesma época, no espírito do tempo.

‘Sempre me perguntei onde o Di conheceu o muralismo, porque nos anos 1920 não tinha mural, e em 1922 ele começa a pintar os primeiros. Ele só vai ao México em 1949’, diz Mesquita, que considera que o artista teve contato com painéis primeiro no Rio de Janeiro.

‘Essa talvez tenha sido a grande linguagem dele. Mesmo que pinte, por exemplo, painéis com mulatas, o que predomina neles é o trabalho, que é o tema dos muralistas’.

Essa atitude carregada de um certo vanguardismo que a exposição levanta, se dá em torno principalmente do mural que o artista fez para o teatro João Caetano, no Rio de Janeiro —na mostra, há uma reprodução grande dele, ainda que não em tamanho real, numa tentativa de reproduzir parte do impacto que a obra causa.

O que faz do díptico ‘Samba e Carnaval’ uma obra tão solar no posicionamento de Di Cavalcanti que a mostra propõe é, primeiro, ela ter sido feita em 1929 e ser considerada o primeiro mural modernista brasileiro —ou seja, uma produção que acontece anos antes de Portinari, conhecido como grande muralista, fincar sua produção como tal.

A segunda razão é, de novo, política. ‘É a primeira vez que nós temos uma representação do povo brasileiro, da rua, do subúrbio, do morro por um artista modernista’, afirma Mesquita. O ineditismo era tanto que há registros de uma elite que se dizia desconfortável com aquele povo num salão de um teatro, considerado tão elegante e refinado.

Mesmo que não esteja na mostra propriamente, a linha do tempo resgata a memória de murais de Di Cavalcanti que apontam para um certo humor do artista, que também era cartunista.

Uma tapeçaria que está na biblioteca do Palácio da Alvorada, por exemplo, foi chamada ‘Múmias’, numa referência um tanto irônica aos que habitam o prédio. Já no painel que ele faz para o Congresso Nacional, com os candangos, reina uma sobriedade ordenada da força de trabalhadores que ergueram a capital do país.

‘Era um trabalho que envolvia muitas pessoas, mas acredito que era até disso que ele gostava’, afirma o curador sobre Di, que era declaradamente de esquerda. ‘Era a produção de uma arte para as ruas e sobre as ruas’.

 


 

DI CAVALCANTI, MURALISTA

  • Quando - Até 17/10. Ter. a dom.: 12h às 17h
  • Onde - No Instituto Tomie Ohtake - av. Faria Lima 201 (entrada pela r. Coropés, 88), Pinheiros, São Paulo
  • Preço - Gratuito

 

Fonte: Carolina Moraes | FSP

 

(JA, Jul21)

 


 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Bailarinas de Degas no Masp fogem da delicadeza e mostram sua face mais crua

Conjunto de 73 bronzes do impressionista francês ganha novas leituras ao ser retratado pela artista Sofia Borges


 


Uma fotografia cobre, de fora a fora, a parede que abre a exposição do impressionista francês Edgar Degas em cartaz no Masp agora. Nela, uma menina aparece de olhos fechados, o rosto coberto de dourado. Sua expressão flutua entre a vulnerabilidade absoluta, e a concentração de alguém que tenta, com todos os músculos do corpo, manter a mesma posição.

Quem vê a imagem talvez não perceba que ela pertence à escultura mais célebre de Degas, ‘Bailarina de 14 Anos’, associada, como tantas outras obras do artista, à delicadeza, à feminilidade.

Mas o retrato cru, algo grotesco, que a artista Sofia Borges fez da escultura talvez seja mais fiel à realidade das bailarinas do século 19 do que aquela do nosso imaginário, diz Fernando Oliva, à frente da exposição ao lado de Adriano Pedrosa, o diretor artístico do museu.

Afinal, afirma Oliva, na época de Degas as bailarinas eram meninas pobres, muitas delas filhas de mães solteiras. Ficavam íntimas da dor desde cedo, entrando nas companhias aos seis anos de idade.

Pior, viviam num limiar perigosamente próximo da prostituição, uma vez que dependiam do patrocínio de frequentadores da Opéra para se manter. Historiadores suspeitam, inclusive, que este tenha sido o destino da modelo de ‘Bailarina de 14 Anos’, Marie van Goethem. 



Escultura 'Bailarina de 14 Anos', do impressionista francês Edgar Degas 


Esse contexto fez com que a primeira exibição pública da escultura, num salão oficial em 1881, fosse desastrosa. Oliva diz que a opção de Degas por retratar uma menina pobre, da periferia parisiense, foi recebida com choque pelo público, aristocrata como ele.

O escândalo foi tal que Degas nunca mais expôs outra peça do tipo. Todas as outras 72 esculturas que compõem a mostra agora foram fundidas em bronze depois da sua morte, a partir de moldes de cera encontrados no seu ateliê.

As peças integram o acervo do Masp, todas compradas nos anos 1950. Só três outras instituições no mundo têm séries completas como esta —o D'Orsay, em Paris; o Metropolitan, em Nova York, e a Glyptoteket, em Copenhague.

Oliva afirma que a mostra, com outros dois trabalhos de tinta pastel e uma pintura do acervo, reuniria outras 14 telas a óleo do artista, emprestadas por museus internacionais. Mas a pandemia impediu o trânsito delas.

Mesmo assim, o conjunto de esculturas, exposto pela última vez no museu há quase 15 anos, impressiona. Em bronze e medindo em média 50 centímetros, elas foram agrupadas em estantes de acordo com temas —há bailarinas rodopiando, cavalos trotando, mulheres lavando, passando, colhendo frutas e performando rituais de toalete que tinham acabado de surgir.

Oliva afirma que Degas era atraído por essas ações porque elas não só permitiam estudar o movimento, como também observar as mudanças sociais em curso na época, ‘mesmo que não fosse um ativista’.

É esse olhar social sobre o impressionista francês, aliás, que o museu pretende lançar com a exposição de agora –em parte no catálogo, com lançamento em breve, que analisa aspectos controversos da produção do artista, em geral negligenciados, e em parte por meio das fotografias de Borges, exibidas nos cavaletes de vidro projetados por Lina Bo Bardi, e intercaladas entre as estantes de esculturas.


 

'Dança Escultórica 6', foto  Sofia Borges da série 'Ensaio para Degas', 2020 


Nelas, as bailarinas de Degas aparecem iluminadas por luzes duras —na realidade, as próprias lâmpadas do museu—, suas peles marcadas por sulcos. Algumas alongam braços, pernas, costas, seus pedestais de bronze cortados da composição de modo a ‘registrar sua potência dançante’, segundo Borges. Já a ‘Bailarina de 14 Anos’ aparece cercada de sombras e vultos, efeito dos reflexos no seu invólucro de vidro.

O interesse museológico de Borges, fotógrafa premiada, e uma das curadoras-artistas da última Bienal de São Paulo, vem de longe. Por sete anos, ela explorou com suas lentes detalhes de pinturas, objetos arqueológicos, animais empalhados, buscando entender uma relação entre matéria, representação e imagem que, ela argumenta, é ainda mais complexa nessas instituições.

‘Ali, um vaso representa o seu próprio tempo, o artista que o fez, a distância entre ele e o tempo de hoje, um povo inteiro. Ele parece ter uma espessura de significado, diferente da de um vaso da minha casa.’

Nos últimos tempos, porém, ela passou a nutrir um interesse pelo gesto —e, portanto, a dança.

Oliva, o curador, conta que percebia que Borges usava a câmera para olhar para os bronzes de Degas. A fotógrafa assente.


‘Não olho a coisa, mas a imagem da coisa.’




Fonte: Clara Balbi   |  FSP


 

(JA, Dez20)


sexta-feira, 13 de março de 2020

O mergulho no Cosmos, de Sandra Cinto, no Itaú Cultural




‘O mais importante e bonito do mundo é isso. Que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam’.   (Guimarães Rosa)


Nós somos poeira de estrela, todos nós somos Luz, 2020


Sandra Cinto nos propõe um mergulho no cosmos, em todos os nossos silêncios, inquietudes e no nosso eu mais íntimo. Convida-nos a desafinar e a acontecer. Para ela, que começou desenhando céus bem pequenos no início da carreira, levá-lo agora à grande escala é poder colocar o espectador nessa nuvem, nesse sagrado.

 ‘Poder, com a arte, criar outros espaços para o outro e conectar o espectador com um outro eu, é mágico’, pontua ela, enquanto devaneamos sobre esse vazio que é cheio de possibilidades, na montagem de sua primeira panorâmica de 30 anos de carreira –  Sandra Cinto: das Ideias na Cabeça aos Olhos no céu.


Construção, 2006


Todo o percurso é cheio de possibilidades e percorre as camadas vivas da artista, como uma grande dança composta por desenhos, pinturas, objetos, fotografias, documentos e vídeos. 

Como uma proposta curatorial de Paulo Herkenhoff, a mostra é  dividida em três tempos denominados com diferentes fases da água: Chuva, Garoa e Neblina.  Na chuva, o semear, na Garoa, o materializar e na Neblina, o representar o cosmos. 

Com seus tons transitórios entre azuis e cinzas, as nuvens tempestuosas reverenciam as ondas rebeldes anunciando a imensidão da natureza, salpicadas por uma poeira cósmica dourada.


Noites de esperança, 2006


‘As águas violentas, as águas do mar, com suas ondas na fúria e numa raiva animal, pisoteiam corpos como uma raiva humana’, disse Gaston Bachelard em seu livro ‘Água e os sonhos’. Nas paisagens de Cinto, feitas para nos perdermos nelas e em nós mesmos, somos pisoteados entre o respiro e a apreensão da beleza.


Sem título, 2013


Telas em branco como partituras prestes a acontecer são preenchidas de forma lenta e monótona, pelo desenhar de Sandra, por paisagens profundas. Uma linha atrás da outra, como um processo meditativo, sem pressa, com suas próprias referências ao budismo.

Para ela, essa exposição é um congraçamento de seus afetos. É dela e de todas as pessoas (e coisas) que permearam seu pensar, seu criar e seu ser. Em ‘Chuva’, no primeiro andar, ela nos presenteia com seus blocos de nota e todo seu processo criativo e faz uma homenagem à educação (tão fundamental nesses tempos sombrios). Afinal, em seu DNA, ela carrega o ensinar e compartilhar o que vê, sabe e aprende junto de sua carreira artística. Coloca a escola como um grande sol que ilumina e a Universidade como um telescópio invisível ‘A escola é o lugar mais lindo na vida de uma pessoa’, afirma. Convidar outros artistas para habitarem essa chuva com ela é um jeito de mostrar que não estamos sozinhos e somos melhores quando estamos juntos, segundo a artista.


Sem título, 2013


Junto com seu parceiro de vida, o também artista Albano Afonso, ela dirige o Ateliê Fidalga, espaço que usa o modelo horizontal de aprendizado, onde todo mundo aprende e ensina ao mesmo tempo, há 22 anos. Aliás, enquanto conversávamos no andar ‘Neblina’, de sua exposição, Albano era quem estava na redoma de um azul profundo do universo com uma caneta branca na mão pontilhando estrelas no céu de Cinto (ok, posso dizer que também pontilhei algumas). A ideia é mesmo ser uma obra colaborativa, me contou.


Nós somos poeira de estrela, todos nós somos Luz, 2020


No segundo andar, Garoa, ocupado por seus delicados desenhos iniciais e primeiras pinturas de céus nuvens e faróis, o espectador se deleita no traço fino da artista, como uma grande coreografia que ocupa todo o espaço. As  referências musicais, presentes em muitas de suas obras, aparecem em partituras desenhadas em uma sala acústica abrigando instrumentos sem corda, propondo o silêncio.

Não importa em qual parte da exposição você esteja, será regado(a) de afetos. ‘Não há educação sem amor. Não há arte sem amor. Hoje, falar do amor é um jeito de produzir um antídoto a tudo que estamos vivendo’, afirma Cinto.



Partitura (Instalação), 2014


Os silêncios, as pausas e os hiatos são notórios nessa panorâmica. Tudo se percebe, se sente, se atravessa. Todas suas obras são imersivas e monumentais, mas com um caráter introspectivo impressionante.

Suas obras carregam o microcosmos no macrocosmos. São pequenos universos dentro de toda grandiosidade. A experiência de ver uma de suas obras tem dois (ou mais) momentos. Enxergar o todo ou se aproximar e observar os pequenos mundos que acontecem em cada uma delas. Poder estar atento a isso e encontrar uma redoma que te permita esse respiro é o mais precioso da arte. Um hiato no ruído do que nos rodeia e da sociedade em que habitamos. É o que ela propõe junto ao cosmos.





Sandra Cinto: das ideias na cabeça aos olhos no céu

Abertura: 11 de março, 20h
Visitação: 12 de março a 3 de maio
Avenida Paulista, 149




Fonte:  Cassiana Der Haroutiounian  |  FSP



(JA, Mar20)



quinta-feira, 5 de março de 2020

Exposição revela como Rino Levi fez São Paulo se transmutar em metrópole


Mostra no Itaú Cultural dedicada ao arquiteto, pioneiro do modernismo, tem 200 objetos e até realidade virtual




Cinemas monumentais, com mais de 3000 lugares. Apartamentos de quase 400 metros quadrados e janelas do chão ao teto. Fachadas com afrescos de Di Cavalcanti e painéis de Burle Marx.

A São Paulo idealizada pelo arquiteto Rino Levi na primeira metade do século 20 era bem diferente daquela erguida hoje, em que poucas janelas permitem ver o horizonte —e emolduram algo que não o muro do prédio vizinho.

Ainda assim, suas criações ajudaram a formar a cidade que conhecemos. É o que mostra a ‘Ocupação Rino Levi’, que acaba de entrar em cartaz no Itaú Cultural.
Com cerca de 200 itens, entre fotografias, plantas, croquis e anotações, a maioria do acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a FAU, ela ilustra o papel do arquiteto na transformação de São Paulo em metrópole.

Ou melhor, os papéis. Levi não só pensou edifícios para atender serviços e formas de lazer nascentes na época, como criou prédios emblemáticos, que ainda hoje hipnotizam os pedestres nas calçadas —um deles, hoje sede do Itaú, fica a dez quadras da mostra.

A maioria dessas criações foi produzida sob encomenda para a iniciativa privada.


Arquiteto Rino Levi



Um dos organizadores da exposição, a professora Joana Mello, da FAU, explica que isso, aliado ao fato de que Levi não era de esquerda, como a maioria dos arquitetos modernos, levou seu nome a ser esquecido na ditadura militar. O resgate de sua obra só aconteceu na redemocratização, a partir da década de 1980.

A despeito das divergências políticas, Levi tem muitas semelhanças com seus contemporâneos, uma lista que engloba Gregori Warchavchik, Lina Bo Bardi e Vilanova Artigas.

Como eles, o arquiteto prefere linhas que se integram à paisagem. Seus trabalhos usam elementos que filtram a luz e facilitam a circulação de ar, como cobogós e brise-soleils. E, tal qual seus pares, ele acredita no que Mello chama de ‘síntese das artes’, a fusão da arquitetura com o paisagismo e as artes visuais.

A funcionalidade é outro princípio que ele partilha com os demais modernos. Os hospitais que criou, como o Antônio Camargo, do Instituto Central do Câncer, e a maternidade do hospital da USP, são estruturados para dificultar a disseminação de doenças. Suas cozinhas têm janelas sobre a pia e acima dos armários, para aproveitar a luz natural e ventilar o espaço.

Até os painéis que decoravam o interior do UFA Palácio, cinema na avenida São João depois rebatizado Art Palácio, tinham fins acústicos, conta Mello. A solução foi tão bem-sucedida que Levi emendou projetos de outros três cinemas, o Piratininga, o Ipiranga e o Universo. O último pode ser visitado numa experiência em realidade virtual.


Interior do cinema Ufa Palácio, na avenida São João, é retratado em fotografia exibida na Ocupação Rino Levi, no Itaú Cultural


Talvez mais do que seus pares, porém, Levi elevava a natureza a protagonista das suas obras. Nas residências de Castor Delgado Perez, hoje a galeria de arte Luciana Brito, e de Olivo Gomes, em São José dos Campos, no interior paulista, grandes vidraças trazem para dentro o verde dos arredores.

Afinal, a convivência com as plantas ‘dignifica e eleva espiritualmente o homem’, escreveu o arquiteto. Talvez por isso, uma de suas parcerias mais duradouras foi com o paisagista Burle Marx. Era comum que ele acompanhasse o amigo em expedições botânicas pelo país. Foi numa dessas viagens, à procura de bromélias, que ele morreu, aos 63 anos, em 1965.



Centro Cívico de Santo André


A exposição termina com o projeto de Levi para o Plano Piloto de Brasília. Em sua visão, em vez das construções baixas do vencedor Lucio Costa, estariam prédios exíguos de 300 metros de altura —a mesma medida da torre Eiffel. Cada um deles abrigaria corredores com lojas e serviços.

‘Levi estava preocupado em desenhar uma cidade, e o Lucio, uma capital’, diz Mello.


Ocupação Rino Levi
Itaú Cultural, Av. Paulista, 149, São Paulo-SP
Ter. a Sex., das 90h às 20h. Sab. E dom., das 11h às 20h
Até 12/04
Livre
Grátis




Fonte:  Clara Balbi  |  FSP



(JA, Mar20)