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domingo, 27 de fevereiro de 2022

Volpi no Masp - o pintor foi de operário a astro modernista


O artista proletário se tornou um mestre do movimento artístico, sem querer ser de vanguarda — e deixou um legado que vai muito além das bandeirinhas

 

Mistério no Mar - A cativante cena litorânea: figura enigmática que é meio sereia, meio Iemanjá 


Um século atrás, a elite paulistana assistia aturdida às ousadias da Semana de 22 — mas o jovem Alfredo Volpi (1896-1988) não estava nem aí para esse trem que seria conhecido como modernismo. Ele tinha, de fato, mais que fazer: italiano pobre, que viera ainda criança de Lucca, na Toscana, trabalhava na construção civil para garantir o sustento.

Àquela altura, Tarsila do Amaral estudava na Europa com luminares como Fernand Léger; Oswald e Mário de Andrade, bem como Cândido Portinari, frequentavam os salões endinheirados da Pauliceia.

Volpi, em contraste, estudara só até o ginásio. Mais um rosto em meio à massa de imigrantes da metrópole, foi encanador, marceneiro e, finalmente, pintor de paredes. É uma ironia pensar que um dos artistas plásticos mais reconhecíveis e valorizados hoje no país, com suas incontornáveis bandeirinhas, atuasse então como mero preparador das superfícies, nas quais outros pintores decorativos fariam seus trabalhos. Como ele foi de operário dos pincéis, a nome central da arte moderna brasileira, é uma pergunta respondida com louvor pela mostra Volpi Popular — que acaba de estrear no Masp, em São Paulo.


Marca Registrada - As inconfundíveis fachadas e adereços juninos: simplicidade

Volpi nunca se identificou com as vanguardas modernistas, e era avesso a divagações teóricas: homem prático, burilou sua pintura a partir da labuta diária como artesão. ‘Ele era um mestre autodidata e intuitivo. Em vez de se associar a movimentos, preferia trabalhar tranquilo em seu ateliê no bairro do Cambuci, fumando um cigarrinho de palha’, diz o curador-­chefe do Masp, Tomás Toledo.

Por trás da humildade inquebrantável, porém, havia um artista bem-informado sobre as questões da arte de seu tempo. Ainda que seu reconhecimento tenha sido tardio: até os anos 1950, alguns estudiosos esnobavam o caráter supostamente naïf (ou ingênuo) de sua obra. Um dos responsáveis por quebrar esse preconceito, o crítico Mário Pedrosa, notou que Volpi ‘passou, naturalmente, por todas as fases da pintura moderna, do impressionismo ao expressionismo, do fauvismo ao cubismo, até o abstracionismo’. 


Volpi: poucas palavras e muitos cigarrinhos de palha no ateliê


Absorção E Intimismo Em Volpi

A verdade é que Volpi foi muito além da soma desses ‘ismos’: assim como Tarsila e Portinari, ele alcançou a condição rara de artista não apenas inovador, mas popular.

A mostra do Masp, com cerca de 100 itens, investiga a ligação entre a vida do pintor, e um universo temático, que vai da arquitetura do casario simples, às festas e costumes sociais. Inspirações que não extraía das ruas agitadas de São Paulo, mas da mansidão do interior — são constantes em seus quadros cenas de Mogi das Cruzes, cidade paulista onde tinha uma chácara, e Itanhaém, no Litoral Sul do estado.

Volpi viveu alguns anos à beira-mar por recomendação médica: sua esposa, Judite, padecia de uma doença sobre a qual não se sabem detalhes.


Os anjos pintores

Sua união com Judite, aliás, aprofundou a conexão de Volpi com as raízes brasileiras. Entre filhos de sangue, e adotivos, o italiano criou dezenove crianças junto com a esposa negra.

Ele imortalizou Judite em uma tela na qual ela surge nua, de braços abertos. A admiração pelos afrodescendentes o levou a povoar muitas de suas obras com personagens de pele escura — o que configurava uma avançada piscadela para a diversidade no Brasil da primeira metade do século 20. Às vezes, Volpi não tinha pudor em afrontar o tradicionalismo católico: pintou um lindo anjinho, e até uma Madona com Menino Jesus, negros. 


Cores e Formas - Mais uma entre as muitas obras sem título do pintor: a beleza na diluição radical dos objetos


Volpi – Coleção Espaços da Arte Brasileira

Uma das virtudes da retrospectiva do Masp é expor esse Volpi, que vai além das bandeirinhas. Logo na entrada, o espectador é apresentado à sua vasta produção de imagens religiosas. Durante um período da vida, ele produziu gravuras de santos para sobreviver. Não considerava a atividade parte de sua obra.

Mas a linha que dividia o Volpi artesão, do Volpi artista, era tênue: ao mesmo tempo, fez estupendas pinturas do gênero. Ele se devotou também a outras formas de misticismo pop: uma tela em tons de verde e azul exibe uma graciosa figura feminina que é meio sereia, meio — possivelmente — Iemanjá. 


Ousadia - O quadro que mostra a Madona e o Menino Jesus negros: uma avançada piscadela para a diversidade


A dúvida sobre os tipos que povoam sua obra decorre de um dado peculiar: Volpi era um homem de poucas palavras, e não deu nome à muitos quadros, alimentando o mistério sobre seu universo.

Não se sabe ao certo, inclusive, como ele descobriu sua marca maior, as bandeirinhas. Reza uma teoria que, certo dia, teria se encantado ao ver Mogi das Cruzes toda decorada para as festas juninas. Outra vertente sustenta que elas teriam surgido de sua diluição obsessiva das formas arquitetônicas. Impossível elucidar se uma das versões procede — mas é fato que Volpi foi radicalizando o expediente com o tempo. ‘Mais que as paisagens, pessoas e objetos, ele se interessava pela simplificação das formas, e pela exploração das cores e texturas’, diz o curador Toledo.

Eis o feito de Volpi: em uma única e singela bandeirinha, ele sintetiza um imenso legado modernista.




Fonte: Marcelo Marthe | Veja Ed. 2778

 

(JA, Fev22)

 


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Morto há 30 anos, Volpi ganha mostra no museu nacional de Mônaco


‘Esses dez minutos finais são os mais importantes para a exposição’, dizia o curador Cristiano Raimondi antes da abertura de uma retrospectiva de Alfredo Volpi, 1896-1988, na semana retrasada. Intitulada ‘La Poétique de la Couleur’ - a poética da cor, a mostra foi idealizada e concluída em apenas 90 dias no Museu Nacional de Mônaco.
A pressão aumenta quando uma das convidadas é a princesa Caroline de Hanover, de Mônaco, filha da atriz Grace Kelly, 1929-1982. A monarca, que costuma ler contos de Clarice Lispector aos netos, foi uma das primeiras a apreciar a exposição.
Conhecido entre os brasileiros pelas famosas pinturas que retratam bandeirinhas e fachadas de casas do Cambuci, o bairro do centro paulistano onde o artista passou quase toda a sua vida, Volpi ainda não é tão conhecido em terras europeias como, por exemplo, Tarsila do Amaral, grande influência do pintor, assim como o francês Matisse e o italiano Morandi.
Essa mostra, no ano que se completam 30 anos da sua morte, marca o início de uma nova era para Volpi: é a primeira vez que a carreira do artista é exposta em uma instituição pública fora do Brasil.
Para Pedro Mastrobuono, diretor do Instituto Volpi, que conviveu com o artista e lembra dele ‘andando de chinelo de madeira fumando seu cigarrinho de palha’, a falta de popularidade do artista Brasil afora ‘traduz muito sua personalidade, de um homem simples que não gostava de bajulação, não era representado por galeristas nem gostava de falar de si’.
Mas, somente no último ano, obras de Volpi foram exibidas na galeria nova-iorquina Barbara Goldstone e, além de Mônaco, uma mostra com fins comerciais foi aberta, na sexta (16), na galeria S2 da Sotheby's, em Londres, organizada pela galerista paulistana Luisa Strina.
RETROSPECTIVA
 De origem humilde, Volpi iniciou o contato com a arte como pintor decorativo de casarões. Foi dali que, em 1914, começou a pintar em telas.
As obras dos anos 1920 e 1930, época em que seus quadros ainda mostravam certo classicismo, não estão na mostra monegasca. Segundo Cristiano Raimondi, essa foi uma escolha sua para tornar a exposição mais didática e interessante aos locais.
Com mais de 80 trabalhos, de coleções particulares e financiada pela galeria Almeida e Dale, a exposição mostra a carreira do colorista das décadas de 1940 a 1970.
Pinturas que retratam paisagens rurais e urbanas estão na primeira parte da exposição. Nessa época, as telas eram predominantemente feitas à base de tinta a óleo, que mais tarde seria substituída pela têmpera.
Elas são seguidos pelas criações do período ‘concreto’ de Volpi, feitas nos anos 1950 após a sua participação na primeira Bienal de São Paulo.
Analisando algumas obras da exposição, como uma em que um padre é retratado, Mastrobuono relembra que Volpi não gostava de classificações nem era adepto de algum movimento artístico.
‘Se isso é uma obra concreta, esse padre teria dificuldades de locomoção, além de um pé 42 e outro 37’, brinca o diretor do instituto sobre a não simetria utilizada pelo artista em seus trabalhos.
A exposição segue com obras dos anos 1960 e 1970, reunindo pinturas das famosas bandeirinhas intercaladas por mastros que trazem à sua obra cores e ritmo.


PAIXÃO BRASILEIRA
Essa não é a primeira vez que o curador Cristiano Raimondi leva um artista brasileiro a Mônaco. Em 2015, as criações do fotógrafo Hercule-Florence foram expostas no principado francês. A partir disso, ele teve o primeiro contato com o trabalho de Volpi.
‘Na verdade, eu não gosto de pinturas, sou apaixonado por fotografia’, contou Raimoni durante um jantar em Mônaco. Mas, segundo ele, logo que viu as obras de Volpi ficou fascinado pelas cores e formas com que ele trabalha.
Foi por meio de Raimondi e após o contato com o franco-brasileiro Florence que a diretora do museu, Marie-Claude Beaud, conheceu melhor a carreira de Volpi.
Segundo o curador, outras instituições na Europa --cujos nomes ele preferiu não citar-- já demonstraram interesse em receber mostra, mas o martelo ainda não foi batido com nenhuma delas.
A retrospectiva ‘La Poétique de la Couleur’ fica em cartaz no Museu Nacional de Mônaco até o dia 20 de maio, com ingressos a 6 euros.


Texto: Isabella Menon, Mônaco   |   FSP



(JA, Fev18)