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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Van Gogh - Cunhada o salvou do esquecimento



Hans Luijten, curador do museu Van Gogh de Amsterdã, publica uma extensa biografia, fruto de sua investigação sobre Jo Van Gogh-Bonger, cunhada do artista e viúva de seu irmão Theo, que conseguiu vender 192 de seus quadros, e dedicou a vida à difusão de sua obra.  


Johanna van Gogh-Bonger com seu filho

No sofá da vergonha histórica, no qual sistematicamente as mulheres são relegadas ao esquecimento, o que só atualmente percebemos ser indevido, existe uma lacuna importante para Johanna van Gogh-Bonger (Amsterdã, 1862).

Tradicionalmente relegada ao papel secundário de ‘cunhada’ ou ‘esposa de’, a figura de Jo é talvez a peça mais importante para entender a ressonância do sobrenome Van Gogh na história universal da arte.



Isso é pelo menos entendido por Hans Luijten, curador permanente do Museu Van Gogh na capital holandesa e autor de ‘Tudo para Vincent’, uma extensa biografia, resultado de cinco anos de pesquisa sobre a mulher que colocou no mercado o autor de ‘Caveira com um cigarro’.

‘Ela trabalhou estrategicamente para poder colocar as pinturas de Van Gogh, procurando os melhores intermediários em toda a Holanda e parte da França. Da mesma forma, ela entrou em contato com todos os escritores e críticos de arte, com influência para falar sobre Vincent, nos jornais e revistas da época’, explica esse professor de literatura renascentista que vem pesquisando a cerca de um quarto século o grande mistério do pintor de Brabant-Holanda. Seu trabalho, baseado na análise detalhada de três décadas de diários da esposa de Theo van Gogh, e que já foi publicado em holandês, será traduzido para o inglês antes do final do ano.

De acordo com Luijten, a importância de Jo com o legado de Van Gogh é explicada por dois grandes marcos. Primeiro, a exposição que organizou ao lado do Museu Stedelijk, em Amsterdã, em 1905, 15 anos após a morte de Vincent e 14 após a morte de seu marido. Nele, além de expor os trabalhos mais expressivos do pintor nos meses que esteve em Arles, ela ficou encarregada de estabelecer contato com os negociantes de arte mais ricos e importantes da época. Este passo, essencial para que as pinturas se tornassem famosas em todo o Velho Continente, pode ser o mais importante, mas é menos conhecido, do que sua grande contribuição ao misticismo torturado de Van Gogh: a publicação, em 1914, do primeiro volume da correspondência que o artista manteve com seu irmão.

Através de mais de 800 cartas, Johanna organizou, traduziu para o inglês, e tornou públicas as conversas fraternas, no período de agosto de 1872 a julho de 1890, alguns meses antes da morte do pintor. A importância dos documentos, que Theo legou à esposa, não apenas ajuda a entender o complicado processo criativo de Vincent, mas também se tornou imediatamente o principal guia de estudo do criador de ‘Noite Estrelada’.



Jo Van Gogh-Bonger vendeu 'Os Girassóis’ por 15.000 florins (uns seis milhões  de euros).


Embora, no início da Primeira Guerra Mundial ,a arte de Van Gogh já estivesse em voga, ‘as cartas fizeram o resto, porque o escritor e o pintor andam de mãos dadas’, diz Luijten, que descarta o motivo monetário entre as motivações de Johanna. ‘É comum associar sua situação de viuvez ao desespero econômico, mas a determinação de Jo em tornar conhecida a arte de Vincent van Gogh tem mais a ver com as ideias de modernidade e transcendência que seu marido transmitiu’, diz o especialista, ao recordar as críticas infames recebidas pelas primeiras exposições do artista: ‘Eles a culparam por atribuir a Vincent o status de Deus da arte’.

Além dos números, que falam de uma mulher capaz de vender 192 pinturas, e algumas, como girassóis, por 15.000 florins holandeses da época (cerca de seis milhões de euros corrigidos pela inflação), a biografia de Luijten descobre a ativa Jo, que, nem mesmo durante os anos em que esteve casada, ou no papel de viúva, se sentiu impedida de se envolver socialmente. Isto é explicado, em grande parte, por seu treinamento musical inicial, ao nascer em uma família dedicada ao piano, e também por sua extraordinária capacidade de idiomas, o que a levou a viver em Londres durante a juventude.

Na capital do Império Britânico, ela teve seu primeiro contato com a arte, desde que visitou a Galeria Nacional e o Museu Britânico em inúmeras ocasiões, onde trabalhou por vários meses como tradutora eventual para alemão, francês e holandês. Lá, ela conheceu muitos dos proprietários da galeria, os quais mais tarde a ajudariam a aumentar o legado de Vincent, como também um grupo de mulheres de sua idade, que a envolveram nos incipientes movimentos de sufrágio da época.

Obviamente contagiada, a jovem Jo, que cruzara o Canal da Mancha, assumiu os preceitos da esquerda internacionalista, e os importou para seu próprio país. Além de reivindicar na rua o direito ao voto das mulheres, o que pode se materializar na Holanda assim que a Grande Guerra terminou, a viúva de Theo se juntou ao então ao recém-nascido Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores (germe do atual do Trabalho), e lutou em um braço político moderado do movimento trabalhista. De fato, e de acordo com seu biógrafo, Jo foi assistir a uma reunião com Leon Trotsky, e ofereceu seminários em sua própria casa ‘sobre os direitos das mulheres, e sobre como aspirar a uma vida melhor’, reconhecida como fundadora da seção de  propaganda feminina.

Em relação à sua estadia em Londres, Luijten acrescenta que ‘foi fundamental para o desenvolvimento de sua consciência social’. Seu maior esforço, como escreveu, foi ‘viver sempre de maneira nobre’. Na Inglaterra, Jo também entrou em contato com as artes cênicas e a poesia e, assim, investigou a figura do poeta Percy Bysshe Shelley, sobre quem escreveu uma dissertação analisando suas famosas Ozymandias.

Depois de voltar a Amsterdã, casar-se com Theo e enviuvar, a vida não parou para Jo. Em 1901, dez anos depois de enterrar o mais velho dos irmãos Van Gogh, ela se casou com o artista Johan Cohen Gosschalk.

Infelizmente, ele morreu alguns anos depois e, após mudar o túmulo de Theo de Utrecht para Auvers-sur-Oise,  para descansar ao lado de  Vincent, ela partiu para Nova York.




Em 1925, aos 62 anos, cercada pelo filho e quatro netos, Johanna van Gogh-Bonger morreu com o grande objetivo de sua vida cumprido, ao ver o trabalho de Vincent van Gogh reconhecido em todo o mundo, e sem se desfazer da pintura que considerava a mais valiosa: ‘Amendoeira em  Flor’, óleo sobre tela que o artista pintou em 1890 para comemorar o nascimento do filho dela, seu sobrinho.


Fonte: Matías G. Rebolledo   |   El Mundo



(JA, Out19) 


segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Moda investe na arte para manter sua relevância, e os acervos, de pé


União entre Museu Van Gogh e grife Vans consagra tipo de mecenato que, comum no exterior, afunda no Brasil
Quanto custa restaurar a tela ‘Vaso com Doze Girassóis’ (1888), de Van Gogh? E quanto dinheiro se despeja para manter holofotes sobre uma marca, nascida nos pés dos skatistas californianos, que enfrenta a concorrência de jovens gigantes da moda urbana, como a Supreme? ‘Muito’ seria eufemismo.
Essa equação milionária consagrou nas vitrines brasileiras, na semana passada, um tipo de mecenato no qual museus de todo o mundo se fiam desde a virada do século, a fim de custear a conservação de suas relíquias e, também, para manter o apoio à produção de jovens artistas.
A grife Vans se uniu ao Museu Van Gogh, de Amsterdã, para lançar uma coleção que reproduz, em moletons, camisetas e seus famosos ‘slip on’  —tênis baixos com solado de borracha—, quadros e cartas importantes da trajetória do pintor impressionista.


Moleton base quadro 'Caveira2, 1887-1888 de Vincent Van Gogh

As pinceladas irregulares dos girassóis e de telas como ‘Amendoeira em Flor’ (1890) e ‘Vinha Velha com Mulher Camponesa’ (1890) são de domínio público, mas a marca preferiu oficializar a parceria e reverter os lucros para o museu. Não é bom-mocismo.
Ao vincular o nome da marca ao do pintor, a grife agrega à coleção um ‘conceito de exclusividade que as artes visuais propiciam’, segundo define a diretora global se calçados da Vans, Diandre Fuentes.
‘A história de resiliência de Van Gogh [que morreu pobre e não conseguia viver de seu trabalho] pode ser inspiradora para os jovens’, afirma.
À frente do projeto está o diretor do museu, Axel Rüger, celebridade no meio artístico e responsável por abrir o legado do pintor holandês para os cineastas Dorota Kobiela e Hugh Welchman, indicados ao Oscar deste ano pela animação ‘Com Amor, Van Gogh’.

Cena do Filme 'Com Amor Van Gogh'

‘Para nós, que vivemos de incentivos para manter atividades, parcerias são vitais. Do ponto de vista do legado, curadores precisam manter vivo o interesse das novas gerações acerca da história dos artistas clássicos’, diz Rüger à Folha.
Não foi aleatória a seleção de obras, muitas desconhecidas do grande público. ‘A coleção tem um papel educativo, porque não estamos falando de ‘Noite Estrelada’, mas de obras pouco exploradas’, explica Rüger.
No site da marca estão esgotados os ‘slip on’ que reproduzem versões de ‘Caveira’ e a carta enviada pelo artista ao irmão. Ainda há bonés (R$ 190) e tênis que estampam ‘Vinha Velha’ a R$ 400, e ‘Autorretrato’, vendido a R$ 350.
A relação entre arte e moda tem se feito cada vez mais presente, com grifes investindo em espaços próprios, assinados por arquitetos como Frank Gehry, que desenhou o prédio da Fundação Louis Vuitton, em Paris, ou Rem Koolhaas, que concebeu o da Fundação Prada, em Milão.
Esses centros culturais abrigam a produção de artistas contemporâneos e apoiam a exibição de jovens criadores, outro mantra associado a esse tipo de gestão cultural promovida pelas marcas.
Em parceria com a Fundação Guggenheim, de Nova York, a alemã Hugo Boss premia com R$ 450.000 o artista vencedor do Art Prize.
Do outro lado do Atlântico, a suíça Rolex mantém, além do patrocínio à Bienal de Arquitetura de Veneza, uma lista de protegidos, jovens que viajam para participar de residências com artistas famosos.
Durante a Bienal de São Paulo, em setembro, a marca alemã Montblanc entregará à brasileira Mônica Nador cerca de R$ 74.000. O nome da artista figura na lista de 17 beneficiados pelo Prêmio Montblanc de Cultura.
Nador criou o ‘Jardim Miriam Arte Clube’, no bairro da zona sul de São Paulo, que organiza eventos culturais para pessoas do entorno.
A ajuda da Montblanc é um dos poucos exemplos de integração entre a cultura brasileira e a carteira da moda.
Houve ainda o incentivo da Louis Vuitton à programação do MAC de Niterói, em 2016, como contrapartida a um desfile da grife, e o patrocínio de R$ 300 mil da suíça Jaeger-LeCoultre à Osesp, em 2013. Mas são esparsos exemplos de mostras, restaurações ou prêmios promovidos por etiquetas nacionais ou estrangeiras.

Roupa produzida pelo pintor paulistano Hercules Barsótti, exposta no Masp

O Masp tentou recriar a exposição Masp Rhodia, que convidou nos anos 1960 estilistas a transformarem em roupas obras de arte, nos moldes da parceria entre a Vans e o Museu Van Gogh.
Não conseguiu, como adiantou em dezembro último, devido ao posicionamento político do patrocinador, o empresário Flávio Rocha, da rede de lojas Riachuelo.
À época, artistas como Iran do Espírito Santo, e Caetano de Almeida, fizeram parte da debandada em massa do projeto após Rocha anunciar apoio a movimentos ligados à direita como o MBL e ao PRB (Partido Republicano Brasileiro).
Diretora do museu, Juliana Sá não desistiu da mostra e diz que ela sairá do papel.
‘É um caminho sem volta. O melhor exemplo do potencial de financiamento privado à arte é o baile anual do Metropolitan. As marcas perceberam que, entre patrocinar um time de futebol e um museu, há uma grande diferença de valor agregado’.
                                                  
 Fonte: Pedro Diniz   |   FSP

(JA, Ago18)