segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Hilma af Klint - Mundos Possíveis



A Pinacoteca de São Paulo, museu da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, abre dia 03 de março ‘Hilma af Klint: mundos possíveis’, sua primeira exposição do calendário de 2018 e um dos grandes destaques do ano. Com patrocínio de Banco Bradesco e Ultra, chega pela primeira vez na América Latina

Uma mostra individual da pintora sueca Hilma af Klint (1862-1944), cujo trabalho vem sendo reconhecido como pioneiro no campo da arte abstrata e que passou despercebido durante grande parte do século XX.

Hilma af Klint frequentou a Real Academia de Belas Artes, principal centro de educação artística da capital sueca, mas logo se distanciou do seu treino acadêmico para pintar mundos invisíveis, influenciada por movimentos espirituais como a Rosa-cruz, a Teosofia e, mais tarde, a Antroposofia. Ela integrou o ‘As cinco’, grupo artístico composto por artistas mulheres que acreditavam ser conduzidas por espíritos elevados que desejavam se comunicar por meio de imagens e já experimentavam desde o final do século 19 a escrita e o desenho automático, antecipando as estratégias surrealistas em mais de 30 anos.

A exposição inclui 130 obras. Destaque para a série intitulada ‘As dez maiores’, realizada em 1907 e considerada hoje uma das primeiras e maiores obras de arte abstrata no mundo ocidental, já que antecede as composições não figurativas de artistas contemporâneos a Hilma af Klint como Kandinsky, Mondrian e Malevich. Além deste conjunto, a exposição em São Paulo contará com algumas séries de obras que nunca foram apresentadas ao público.

A mostra da Pinacoteca tem curadoria de Jochen Volz, diretor geral da instituição, em parceria com Daniel Birnbaum, diretor do Moderna Museet, e é uma colaboração com a Hilma af Klint Foundation. ‘O trabalho de Hilma af Klint dialoga de certa forma com o sincretismo e a pluralidade de cosmovisões tão presente na cultura do Brasil. A serialidade encontrada em sua obra também aparece na arte brasileira, em especial no concretismo e neoconcretismo’, explica Volz.

O trabalho de Hilma af Klint foi exposto pela primeira vez em 1986 na mostra ‘The Spiritual in Art: Abstract Paintings 1890–1985’, realizada no Los Angeles County Museum of Art. Mas apenas a grande retrospectiva organizada pelo Moderna Museet de Estocolmo em 2013 e, consequentemente, a sua itinerância pela Alemanha, Espanha, Dinamarca, Noruega e Estônia permitiu que o trabalho de Hilma af Klint fosse reconhecido internacionalmente pelo grande público. Desde então, suas obras participam de exposições realizadas na Europa e Estados Unidos.

A Pinacoteca prepara um catálogo bilíngue (português-inglês) que reunirá três textos inéditos escritos pelos autores Jochen Volz, Daniela Castro, curadora independente, e Daniel Birnbaum. O livro trará ainda reproduções das obras expostas e uma cronologia escrita por Luciana Ventre, pesquisadora brasileira que lança nos próximos meses uma biografia de Hilma af Klint.

‘Hilma af Klint: Mundos Possíveis’ permanece em cartaz até 16 de julho de 2018, no primeiro andar da Pina Luz – Praça da Luz, 02. A visitação é aberta de quarta a segunda-feira, das 10h00 às 17h30 – com permanência até às 18h00 – os ingressos custam R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia). Crianças com menos de 10 anos e adultos com mais de 60 não pagam. Aos sábados, a entrada é gratuita para todos os visitantes. A Pina Luz fica próxima à estação Luz da CPTM.

A exposição tem patrocínio do Banco Bradesco e do Ultra e conta com o apoio da Embaixada da Suécia no Brasil e da Câmara de Comércio Sueco-Brasileira.




Texto:  Evento Central



(JA, Fev18)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Brasileiros se firmam em feira espanhola


Em Madri, artistas nacionais fazem mostra paralela à Arco, tradicional evento e porta de entrada no mercado europeu

           Detalhe de ‘Impressões’ (2018), obra que a artista Carla Chaim apresenta na exposição                ‘Ação e Reação’


A Casa do Brasil foi tomada.
Essa construção modernista em Madri, propriedade do governo, foi ocupada nos últimos dias por artistas brasileiros, entre eles Carla Chaim, Ding Musa e Nino Cais. Eles afastaram os móveis, arrancaram um mural e instalaram suas próprias obras.
O coletivo inaugura a exposição gratuita ‘Ação e Reação’, na sexta (23), em paralelo à Arco, a tradicional feira espanhola de arte. O projeto é organizado pela embaixada do Brasil e financiado pelo Ministério das Relações Exteriores, com apoio institucional do Ministério da Cultura.
A Arco é uma importante porta de entrada para artistas brasileiros no mercado europeu. Na edição de 2017, as galerias nacionais presentes fecharam negócios de R$ 4,8 milhões. Mas esta é a primeira vez que o governo aproveita o evento para incentivar a produção nacional dessa maneira. O cantor Arnaldo Antunes se apresentará na abertura.
A exposição serve de ensaio para um possível próximo passo, um projeto da embaixada de inaugurar uma residência artística na Casa do Brasil, onde o Estado gerencia 125 quartos mobiliados.
A instituição foi criada em 1962 num terreno cedido pela Espanha para uso perpétuo. Hoje serve de escola de português e residência universitária, com desconto a hóspedes brasileiros. A casa se financia com seus próprios projetos e não recebe verba adicional.
Horizontal
Sete artistas estarão presentes na abertura: Carla Chaim, Carlos Nunes, Ding Musa, Marlon de Azambuja, Nino Cais, Sara Ramo e Victor Leguy. Há também uma obra de André Komatsu, que não pôde viajar a Madri. Além deles, outros 18 brasileiros expõem com vídeos.
A curadoria foi coletiva, com as decisões tomadas em grupo —quando visitamos o local, durante os preparativos, os criadores ajudavam nas montagens uns dos outros. ‘É muito importante que seja horizontal, uma intersecção entre os artistas’, diz Chaim. ‘É um projeto mais sobre o coletivo, sobre a ocupação do espaço, e não faz sentido falar em projetos individuais’, afirma Musa.
            Montagem da exposição, com os móveis do saguão da casa empilhados pelos artistas

Foi coletiva, por exemplo, a decisão de remover os móveis do saguão e empilhá-los em um depósito. Os objetos, ordenados de modo a lembrar o Congresso Nacional, tornaram-se uma obra, ainda sem um título (‘ocupação?’, cogita Musa, quando fala à reportagem). ‘É uma intervenção mediada pela situação política brasileira’, afirma.
Os escândalos de Brasília, entre acusações de golpe e investigações de corrupção, reaparecem de alguma forma na exposição. Mesmo o fato de a mostra ser financiada pelo governo impactou a maneira de pensar o espaço. 'Essa é uma verba pública e existe uma responsabilidade social de como gastamos ela', diz Musa.
Herança 
Outro projeto que evoca o Brasil são as diminutas esculturas de Chaim, objetos geométricos que lembram a linha horizontal da arquitetura paulistana. Ela teve a ideia do trabalho ao chegar à construção e ver o ambiente disponível —uma mesa diante de uma parede de vidro, através da qual se vê uma avenida.
As obras dela e de outros artistas também foram afetadas pelo vaivém de alunos de português da instituição. ‘Sentimos a dinâmica do lugar, com as pessoas nos perguntando sobre os nossos trabalhos’, diz Victor
Leguy. ‘Essa foi uma maneira de criarmos uma ponte para esse mundo que é às vezes hermético’.
‘É um projeto muito físico, propondo outra experiência, mudando as salas, movendo os móveis, quase uma declaração de intenção’, diz Azambuja. ‘É da natureza do artista enfrentar um espaço’.
Azambuja pintou de cinza uma planta do tipo hera-do-diabo e posicionou seu vaso no saguão. A instalação, que ele já fez em outras ocasiões, prevê que as folhas do vegetal caiam com o tempo —a mostra fica aberta por três meses— e percam assim a tinta.
Com isso, ele tenta representar sua própria ideia de herança cultural. ‘É um objeto, algo físico que seus pais lhe deixaram. Mas, apesar do que esperam de você, sua vida encontra outro caminho’.
O artista é representado pela galeria Marilia Razuk, presente na Arco. A Raquel Arnaud que representa  Chaim, Carlos Nunes e  Ding  Musa—, a Vermelho e a Casa Triângulo também estão na feira. Brasileiros expõem, ainda, pelas espanholas Ponce+Robles e Max Estrella.

Texto: Diogo Bercito, Madri   |   FSP


(JA, Fev18)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Morto há 30 anos, Volpi ganha mostra no museu nacional de Mônaco


‘Esses dez minutos finais são os mais importantes para a exposição’, dizia o curador Cristiano Raimondi antes da abertura de uma retrospectiva de Alfredo Volpi, 1896-1988, na semana retrasada. Intitulada ‘La Poétique de la Couleur’ - a poética da cor, a mostra foi idealizada e concluída em apenas 90 dias no Museu Nacional de Mônaco.
A pressão aumenta quando uma das convidadas é a princesa Caroline de Hanover, de Mônaco, filha da atriz Grace Kelly, 1929-1982. A monarca, que costuma ler contos de Clarice Lispector aos netos, foi uma das primeiras a apreciar a exposição.
Conhecido entre os brasileiros pelas famosas pinturas que retratam bandeirinhas e fachadas de casas do Cambuci, o bairro do centro paulistano onde o artista passou quase toda a sua vida, Volpi ainda não é tão conhecido em terras europeias como, por exemplo, Tarsila do Amaral, grande influência do pintor, assim como o francês Matisse e o italiano Morandi.
Essa mostra, no ano que se completam 30 anos da sua morte, marca o início de uma nova era para Volpi: é a primeira vez que a carreira do artista é exposta em uma instituição pública fora do Brasil.
Para Pedro Mastrobuono, diretor do Instituto Volpi, que conviveu com o artista e lembra dele ‘andando de chinelo de madeira fumando seu cigarrinho de palha’, a falta de popularidade do artista Brasil afora ‘traduz muito sua personalidade, de um homem simples que não gostava de bajulação, não era representado por galeristas nem gostava de falar de si’.
Mas, somente no último ano, obras de Volpi foram exibidas na galeria nova-iorquina Barbara Goldstone e, além de Mônaco, uma mostra com fins comerciais foi aberta, na sexta (16), na galeria S2 da Sotheby's, em Londres, organizada pela galerista paulistana Luisa Strina.
RETROSPECTIVA
 De origem humilde, Volpi iniciou o contato com a arte como pintor decorativo de casarões. Foi dali que, em 1914, começou a pintar em telas.
As obras dos anos 1920 e 1930, época em que seus quadros ainda mostravam certo classicismo, não estão na mostra monegasca. Segundo Cristiano Raimondi, essa foi uma escolha sua para tornar a exposição mais didática e interessante aos locais.
Com mais de 80 trabalhos, de coleções particulares e financiada pela galeria Almeida e Dale, a exposição mostra a carreira do colorista das décadas de 1940 a 1970.
Pinturas que retratam paisagens rurais e urbanas estão na primeira parte da exposição. Nessa época, as telas eram predominantemente feitas à base de tinta a óleo, que mais tarde seria substituída pela têmpera.
Elas são seguidos pelas criações do período ‘concreto’ de Volpi, feitas nos anos 1950 após a sua participação na primeira Bienal de São Paulo.
Analisando algumas obras da exposição, como uma em que um padre é retratado, Mastrobuono relembra que Volpi não gostava de classificações nem era adepto de algum movimento artístico.
‘Se isso é uma obra concreta, esse padre teria dificuldades de locomoção, além de um pé 42 e outro 37’, brinca o diretor do instituto sobre a não simetria utilizada pelo artista em seus trabalhos.
A exposição segue com obras dos anos 1960 e 1970, reunindo pinturas das famosas bandeirinhas intercaladas por mastros que trazem à sua obra cores e ritmo.


PAIXÃO BRASILEIRA
Essa não é a primeira vez que o curador Cristiano Raimondi leva um artista brasileiro a Mônaco. Em 2015, as criações do fotógrafo Hercule-Florence foram expostas no principado francês. A partir disso, ele teve o primeiro contato com o trabalho de Volpi.
‘Na verdade, eu não gosto de pinturas, sou apaixonado por fotografia’, contou Raimoni durante um jantar em Mônaco. Mas, segundo ele, logo que viu as obras de Volpi ficou fascinado pelas cores e formas com que ele trabalha.
Foi por meio de Raimondi e após o contato com o franco-brasileiro Florence que a diretora do museu, Marie-Claude Beaud, conheceu melhor a carreira de Volpi.
Segundo o curador, outras instituições na Europa --cujos nomes ele preferiu não citar-- já demonstraram interesse em receber mostra, mas o martelo ainda não foi batido com nenhuma delas.
A retrospectiva ‘La Poétique de la Couleur’ fica em cartaz no Museu Nacional de Mônaco até o dia 20 de maio, com ingressos a 6 euros.


Texto: Isabella Menon, Mônaco   |   FSP



(JA, Fev18)

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Em Los Angeles, mostra 'Axé Bahia' cede ao fetiche do corpo negro

Em cartaz até abril, exposição ilumina, mas romantiza, arte afro-brasileira

                Caribé, Oxalá, 1965

‘Jexus’. Enquanto Salvador treme ao som do Carnaval, essa palavra que junta o filho do Deus católico com o Exu do candomblé estampa em letras vermelhas as paredes brancas do Museu Fowler, em Los Angeles, na maior mostra do que entendem como arte afro-brasileira já realizada nos Estados Unidos.
Dos trabalhos mais simples e poderosos da exposição batizada ‘Axé Bahia’, o estêncil de Àlex Ìgbó é um contraponto a obras ali que falam em separação e preconceito.
Seu híbrido de divindades sugere fundir, em vez de apartar, mas ironiza o mito da democracia racial ainda em vigor num Brasil mestiço usando os mecanismos da arte de rua é ao mesmo tempo afirmação, denúncia e protesto.
Na contramão desse gesto, o abre-alas da mostra é um aquário criado por Ayrson Heráclito, um dos nomes mais relevantes no panorama brasileiro atual, em que uma camada de azeite de dendê num tom laranja radioativo não se mistura com a água salgada no fundo do tanque.
Seria uma alusão a feridas históricas que não se fecham com o tempo e à travessia do Atlântico por navios negreiros que despejaram na costa baiana um povo destinado aos horrores da escravidão.
Num vídeo, que estreou na última Bienal de Veneza e agora está em Los Angeles, Heráclito aparece fazendo um ritual de limpeza num porto do Senegal de onde saíram escravos traficados para o Brasil e também em Salvador, onde eles foram parar.
Seus gestos delicados contrastam com a natureza macabra de um trabalho de Caetano Dias na sala ao lado, onde dezenas de cabeças de açúcar fundido parecem ter rolado por debaixo de uma mesa de lados desiguais metade do móvel poderia estar na casa-grande e a outra metade parece saída da senzala.
VERTIGEM
Um sentimento de culpa e impotência atravessa esses trabalhos e sublinha outra estranha vertigem por mais que ilumine a arte negra da Bahia, a mostra não deixa de transformar em fetiche o corpo negro, a capoeira, as baianas de saias brancas rodadas.
O modernista Rubem Valentim, um dos artistas históricos ali e um dos poucos negros a vencer a barreira racial que fez das vanguardas artísticas no Brasil uma coisa de burgueses brancos, é celebrado pela forma como infiltrou símbolos do candomblé na matriz geométrica moderna.
É como se a potência inquestionável de sua obra se devesse toda a um ato de sabotagem ou tráfico subversivo de uma iconografia marginalizada para dentro do movimento que anunciava em grande medida um futuro maquinal, clean e branco.
Valentim não está mal representado nem deslocado na mostra, mas torna gritante a impermeabilidade do establishment artístico brasileiro a artistas negros como ele.
Outros nomes brancos da arte do país também estão na mostra com visões erotizadas, exuberantes ou até românticas da negritude.
Pierre Verger, Mario Cravo Neto e seu filho Christian Cravo retratam homens negros contra o horizonte fulgurante de Salvador, a pele quase prateada, e mães de santo em transe comandando terreiros.
Magnéticas, as obras sustentam o imaginário de uma Bahia negra e fantástica, capaz de agradar a plateia local e levantar questões sobre relações fraturadas e doídas dos EUA com seus artistas negros.
Num alerta contra a negritude idealizada e ultrajada, Tiago Santana raspou os cabelos formando a palavra Cabula, bairro de Salvador onde 12 jovens negros foram mortos pela polícia há três anos. O vídeo austero do artista contra fundo branco encerra a mostra e desmonta sua queda por delírios e ilusões.

Texto: Silas Martí   |   FSP

(JA, Fev18)


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Sexo e morte levam visitantes à Tasmânia


Museu transforma capital de Estado australiano em destino descolado


                   Vista externa do Mona (Museum of Old and New Art), em Hobart, capital da Tasmânia

TASMÂNIA
O maior museu particular do hemisfério Sul é também um dos mais polêmicos. Descrito por seu proprietário como a ‘Disneylândia adulta e subversiva’, o MONA (Museum of Old and New Art, museu da arte antiga e nova) poderia convulsionar o Brasil com polêmicas sobre nudez.
Mas o espaço fica do outro lado do mundo, na distante Tasmânia, o Estado mais ao sul da Austrália.
Nada nele é comum, e tudo é feito para chocar, a começar por sua localização e arquitetura. Construído num vinhedo à beira do rio Derwent, o prédio moderno de concreto e ferro pesa na paisagem local. O contraste, no entanto, é fascinante.
Suas obras de arte não são expostas em galerias tradicionais, mas em labirintos que lembram os desenhos do artista holandês M. C. Escher, 1898-1972. A intenção é criar um ambiente ‘antimuseu’ O MONA tem um pouco de tudo, mas a temática central é sexo e morte.
Logo na entrada, uma réplica de um Porsche gordo e vermelho critica a relação entre carros e obesidade e o consumo exagerado dos dias de hoje. Esse é um aperitivo do tom crítico que marca a maioria das exposições do lugar.
A máquina Cloaca Professional simula o caminho dos alimentos desde a boca até o aparelho excretor. A exibição termina com fezes artificiais, e odor de excremento, lembrando ao espectador sua condição animal.
Se a escatologia não chocar, a pudicícia pode apitar na galeria das vulvas. Mais de cem esculturas em gesso, à altura dos olhos dos observadores, exibem a diversidade da anatomia feminina.
Em uma sala, dois protótipos de esqueletos simulam mecanicamente o ato sexual ao som e à imagem dos batimentos cardíacos de um feto.
As provocações incluem uma ‘máquina de eutanásia’ e um vaso sanitário para o usuário ver o próprio ânus.

                 Esculturas sem data achadas nos EUA, expostas no Mona, em Hobart, capital da Tasmânia

Há esculturas de animais mortos e gravuras sobre zoofilia. Quem quiser virar objeto de arte pode desembolsar US$ 50 mil para ter suas cinzas expostas em uma das galerias, num jazigo exótico.
Como o próprio museu tenta explicar, ‘arte, no fim das contas, é feita e consumida por pessoas reais e complexas, cujas motivações são geralmente obscuras, até para elas mesmas’.
O Mona desperta polêmica em nichos de ativismo social.
Uma exibição de arte performática revoltou as associações protetoras dos animais. Usando carcaça e sangue bovinos, o artista austríaco Hermann Nitsch dizia criticar a hipocrisia humana em relação ao abate de animais.
Protestos levaram à retirada de um aparelho que ‘testava’ Austrália - o DNA aborígene dos visitantes. O racismo contra os nativos da Austrália é uma das questões sociais no país.
RISCO
Mas quem teria coragem de investir US$ 75 milhões num museu não convencional em um lugar tão improvável?
Alguém avesso às regras e louco por risco, como David Walsh, um australiano que enriqueceu fazendo apostas profissionalmente. Considerado um gênio da matemática, Walsh também é dono de um consórcio internacional de apostas que movimenta quase US$ 3 bilhões por ano.
O apostador quis investir na pequena comunidade onde cresceu com um projeto de impacto. Com 350 mil visitantes anuais, o museu fez de Hobart, a capital da Tasmânia, um destino descolado.
Pelo atrevimento de patrocinar uma arte provocativa quase todas as obras expostas são de sua coleção pessoal, Walsh talvez corresse até o risco de processos judiciais em países mais conservadores. A Austrália, ao contrário, agradeceu. Em 2016, o país concedeu ao empresário a Ordem da Austrália, criada pela rainha Elizabeth 2ª para condecorar cidadãos que se destaquem por mérito.
Para Walsh e para a cidade, a indignação pública tem sido ótima para os negócios.

Texto:  Solange Reis   FSP

(JA, Fev18)

MoMA expõe obras de Tarsila do Amaral nos anos 1920



Primeira mostra da artista nos EUA é parte de movimento por esquadrinhar raízes do moderno

                                                        ‘A Negra’, 1923

Ela quase transborda do quadro, os dedos dos pés e o alto da cabeça roçando os limites da pintura. O seio enorme, que pende sobre os braços cruzados, e os lábios carnudos fazem dessa figura despida uma mulher superlativa, com ar de fera enjaulada ou mucama violentada.
Tarsila do Amaral pintou ‘A Negra’ há quase um século, em Paris, num momento em que os modernistas ali ousavam deformar o retrato da realidade buscando seus modelos na chamada arte primitiva das máscaras africanas.
Mas essa figura meio animalesca, de traços superexagerados, nunca foi uma abstração. O retrato real de uma escrava da velha fazenda da família da artista no interior paulista serviu de base visual para essa tela que agora encara uma plateia novíssima.
No segundo andar do MoMA, em Nova York, sua ama de leite diante de uma folha de bananeira é o abre-alas de uma das mostras mais aguardadas na onda de revisão do repertório moderno de uma instituição que tenta esquadrinhar os limites dessa vanguarda desde que apareceu.
E Tarsila em Manhattan, na primeira mostra da artista nos Estados Unidos, responde pela vertente mais exuberante de uma narrativa esgarçada da modernidade.

                                                             ‘Abopuru’, 1928

O estranho poder de fogo de sua pintura se revela de uma tacada só nas duas galerias dessa mostra ao mesmo tempo enxuta e potente --de um canto, é possível observar ‘A Negra’, ‘Abaporu’ e ‘Antropofagia’ em série, os três trabalhos quase nunca reunidos que viraram os alicerces da iconografia brasileira construída pela artista.
Também estão lá algumas de suas paisagens mais surreais e desconcertantes, como ‘Sol Poente’, ‘Floresta’ e ‘Cartão-Postal’, todos delírios visuais da mesma década de 1920 em que árvores e flores ganham contornos roliços em degradês tecnicolor.
Luis Pérez-Oramas, o crítico venezuelano que organiza essa exposição seis anos depois de comandar uma edição marcante da Bienal de São Paulo, comenta que Tarsila, morta aos 86, em 1973, passou a vida arquitetando contrastes entre 'a carne da natureza e a carne humana'.
                                                           ‘Antropofagia’, 1928

Era, no caso, a carne ainda indigesta de ‘A Negra’ e do ‘Abaporu’, a escrava e o canibal que aparecem juntos em ‘Antropofagia’, espécie de apoteose de uma série que retrata o entrelaçamento de instintos feéricos e ilustrados.
MENTE E CORPO
Tarsila, que estudou em Paris com Fernand Léger e ainda viu de perto o auge do cubismo e do surrealismo, nesse ponto parecia romper com a crença dos europeus numa separação estanque entre mente e corpo, o que fez de sua obra a maior tradução visual do pensamento do marido Oswald de Andrade e seu "Manifesto Antropófago".
Mesmo selvagens na superfície, os quadros de Tarsila não negam uma matriz europeia. Bem à moda antropofágica, figuras como o ‘Abaporu’, espécie de porta-estandarte da filosofia oswaldiana, reinventam o repertório gestual de telas clássicas.
Seu homem nu de pernas descomunais descansa a cabeça sobre o punho no mesmo gesto de abandono, preguiça e tristeza de ‘Melancolia’, autorretrato do alemão Albrecht Dürer do século 16, e da jovem nua no centro de ‘Almoço na Relva’, a obra-prima de Manet, do século 19.
Nem mesmo a aparente volúpia abrutalhada de ‘A Negra’ escapa a essas raízes.
Na visão de Stephanie d'Alessandro, também à frente da exposição, o retrato da mucama, capaz de ofender a sensibilidade aflorada dos americanos em tempos de debate racial acirrado, canaliza a pose dos banhistas lânguidos e erotizados de Cézanne.
                                                         Tarsila do Amaral – auto retrato, 1923

Mas, se Tarsila foi uma espécie de herdeira intranquila e rebelde da tradição europeia, ela também foi o ponto de partida para a outra ponta da modernidade brasileira, que ganhou corpo umas quatro décadas depois do auge de sua fase antropofágica.
‘Ela foi a mãe da arte moderna no Brasil’, diz a curadora. ‘É a artista que todos foram investigar mais tarde porque descobriu uma nova linguagem que vai além de um meio-termo entre a arte da Europa e visões do Brasil’.
Os contornos e as cores resplandecentes de suas pinturas mais carnavalescas, de corpos transbordantes e paisagens quase lisérgicas, de fato ressurgem nos trabalhos de neoconcretistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark, outros dois brasileiros alvos de mostras recentes no MoMA, e na tropicália de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Mutantes.
‘Seus quadros falam de uma realidade que transborda dos limites da representação’, afirma Pérez-Oramas.
‘Tarsila misturou arte moderna com aquilo que a burguesia brasileira de sua época achava desprezível. E isso começou com 'A Negra'. No centro da modernidade brasileira, há um sujeito subordinado, que é negro e mulher. Ela seria a mãe de todos nós’.


Texto: Silas Marti NY    |    FSP



(JA, Fev18)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Exposição lusitana resgata fuga da família real para o Brasil

Em cartaz em Lisboa, mostra reúne obras que retratam o clima da partida

A transferência da família real portuguesa para o Brasil, fugindo do cerco das tropas de Napoleão, deixou marcas em ambos os lados do Atlântico. Uma exposição em Portugal explora os impactos que essa mudança teve para os dois países.

                 Visitantes da exposição ‘A Partida da Família Real’, no Museu dos Coches, em Lisboa

A partir de uma pintura de Nicolau Delerive que representa o embarque dos nobres em Belém, em 29 de novembro de 1807, a mostra 'A Partida da Família Real' apresenta a jornada que transferiu pela primeira vez a capital de um Estado europeu para fora dos limites continentais.
Embora a estratégia de mudar a Corte para além-mar tivesse sido criada muito antes, sua execução abalou profundamente Portugal.
Até aquele momento, nenhum monarca europeu tinha nem sequer posto os pés em uma de suas colônias. Mudar-se com a família e a Corte para uma delas, então, era definitivamente algo fora do imaginário da época.
Antes de Partir
Em cartaz no Museu dos Coches, no bairro de Belém —não muito distante de onde o embarque aconteceu—, a exposição traz uma série de obras e documentos que retratam o clima que antecedeu a partida da nobreza.
‘Foram cerca de 15 mil pessoas em vários navios. Levaram a biblioteca, carruagens, coches, cadeirinhas... Uma confusão’, explica Silvana Bessone, diretora do museu e comissária da exposição.
‘Diz-se muito que foi uma fuga, mas foi um ato planejado e estratégico’, comenta Bessone.
São mais de 80 obras provenientes de várias instituições portuguesas, como o Museu da Marinha, Museu Nacional de Etnologia, os Palácios Nacionais de Queluz e da Ajuda, o Museu de Lisboa e a Biblioteca Nacional de Portugal, entre outros.
Além de quadros retratando a viagem, há documentos históricos raros, como as cartas que sinalizaram o percurso e a direção que os barcos fizerem na travessia entre Portugal e Brasil.
Um dos destaques é uma réplica em miniatura da nau em que viajou dom João 6º: o imponente Príncipe Real.
Choque
A exposição destaca ainda como foi a estadia da família real no Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821. O choque cultural e o desenvolvimento econômico e político da ex-colônia, então promovida a Reino Unido, marca muitas das obras expostas.
Da incorporação de figuras indígenas em itens improváveis, como um requintado saleiro de prata, até correspondências que demonstravam a irritação da rainha Carlota Joaquina com o clima tropical, tem-se uma boa representação do ritmo acelerado das mudanças.
Além das imagens retratando como eram as casas e a indumentária da época, é possível ver a espada original usada por dom João 6, que traz o nome do rei gravado na lâmina de metal
               Memória sobre as minas da capitania de Minas Gerais, em 1801, documento exposto na mostra portuguesa

A exposição também retrata o retorno da família real a Portugal. Além de um quadro que apresenta a população do Rio de Janeiro se despedindo do rei e da rainha, a mostra apresenta a carta requisitando a volta da nobreza à metrópole.
A antecâmara da exposição tem ainda fotografias do artista brasileiro Rafael d'Alò, que fazem uma representação hiper-realista do ambiente tropical.
Para completar a ambientação da época, a trilha sonora conta com músicas da soprano brasileira Luisa Sawaya, que interpreta canções típicas do século 19.
A mostra ‘A Partida da Família Real’ fica em cartaz até 3 de junho de 2018 e pode ser visitada de terça a domingo

Texto: Giuliana Miranda, Lisboa   |   FSP


(JA, Fev18)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Novos puritanos não entendem a natureza simbólica da arte



            Detalhe da tela 'Hilas e as Ninfas' (1896), de J.W. Waterhouse

Viver é aprender: o Museu de Arte de Manchester removeu das paredes a pintura de J.W. Waterhouse, 1849-1917, onde vemos Hilas (o mitológico companheiro de Jasão) tentado pelas ninfas do lago. Motivos?
Sim, aqui entre nós, a minha paciência para os pré-rafaelitas já deu o que tinha a dar. Mas as razões para a remoção não são estritamente estéticas. Como lembra o ‘The Guardian’, Waterhouse representou as divindades com ares pubescentes (e seios destapados, naqueles tempos pré-sutiã), convidando o jovem Hilas para um ‘rendez-vous’ nas águas.
O diretor do museu, cujo nome nem me interessa, disse que o objetivo nunca foi censurar. Pelo contrário: ele quer despertar uma discussão sobre como exibir e interpretar certas obras de arte no museu da cidade, sobretudo à luz dos movimentos Times Up e #MeToo. As opiniões, como sempre, dividiram-se. E a minha?
A minha, lamento, não. À primeira vista, interpreto o gesto do diretor como uma forma inteligente de publicitar o museu. É mais barato do que pagar uma campanha: durante uns dias, meio mundo fala do quadro e o quadro, previsivelmente, regressa ao lugar do crime depois da missão cumprida.
Mas, apesar do meu optimismo assaz atípico, não consigo deixar de suspeitar que o diretor fala a sério. E que o quadro foi mesmo removido por oferecer aos visitantes a representação das ninfas ‘au  naturel’. Será possível?
Possível é. Mas, em caso afirmativo, estamos na presença de um ‘novo’ capítulo na história da arte, embora a palavra novo seja discutível. Já no século 8 metade da cristandade também entendeu que certas imagens deviam ser destruídas. A ‘iconoclastia bizantina’, promovida no Oriente por Leão 3º, 717-741, procurava impedir a adoração de imagens religiosas.
A questão durou um século -um século de fanatismo e violência brutais- até ao segundo concílio de Niceia, em que a igreja fixou doutrina para a posteridade: contrariamente a outras religiões, a adoração de figuras sacras era parte da cultura da fé católica. Essa decisão permitiu, sem exagero, toda a história da arte ocidental.
Passaram 12 séculos. As discussões bizantinas são, precisamente, bizantinas. Mas na histeria contemporânea sobre imagens-que-podem-ofender-sensibilidades é impossível não escutar uma ressonância pseudo religiosa, mesmo em cabeças que se julgam modernas e ateias e progressistas.
Fatalmente, não são. Em nome de uma ‘religião ideológica’, esses ‘crentes’ também querem destruir certos ‘ícones’ que ‘ofendem’ as suas doutrinas. Os novos puritanos são, como os iconoclastas do passado, literalistas, ou seja, incapazes de entender a natureza simbólica, iconológica, de uma imagem.
Para eles, as ninfas não são figuras mitológicas; são adolescentes contemporâneas que ali se encontram para contemplação de ‘predadores’. O mesmo, imagino, deve servir para anjos ou querubins, que serão em breve removidos de tetos ou catedrais para não promoverem a pedofilia.
Claro que, para sermos delirantes, podemos levar a farsa ainda mais longe. E dizer que o problema das ninfas não está na carne; está no espírito: as ninfas representam a submissão da mulher ao desejo do homem; na literatura greco-latina, elas existem para servir o ‘hétero patriarcado’.
O problema dessas leituras anacrônicas (e ignaras) é que elas permitem tudo e o seu contrário. Um exemplo: será preciso lembrar que, no episódio de Hilas e das ninfas, há versões em que a verdadeira vítima é ele? E que, assim sendo, Hilas pode ser elevado a símbolo do abuso sexual sobre os homens?
Eis a ironia da história: quando lemos a arte com os nossos próprios preconceitos, é possível projetar sobre as coisas belas a sombra viscosa dos nossos fantasmas.

Texto: João Pereira Coutinho   |   FSP
Imagem:  Detalhe da tela 'Hilas e as Ninfas' (1896), de J.W. Waterhouse


(JA, Fev18)


MAM expõe trabalhos gráficos de Mira Schendel


Morta há 30 anos, artista é conhecida pelo traço sintético falsamente simples

                  Obra de Mira Schendel, 1989

Com Sinais/Signals, o MAM-SP lança um olhar sobre Mira Schendel, no ano em que se completam 30 anos da morte da artista nascida em Zurique, em 1919.
Com curadoria de Paulo Venancio Filho, as obras para a exposição não compõem uma retrospectiva.
Eu quis mostrar o projeto gráfico de Schendel, explica o curador, que reuniu cerca de cem trabalhos datadas entre 1960 e 1980.
O objetivo da exposição foi mostrar os traços gráficos mais característicos de Schendel as letras, os rabiscos , os traços, os números, as frases e os signos.
As obras dela transmitem uma falsa simplicidade, mas não é uma coisa fácil de fazer, analisa Venancio.
Para o curador, uma das singularidades da artista seria não se encaixar em correntes. Ela tangencia a expressionista, a minimalista e a construtivista, diz.
Além disso, o curador quis mostrar o espírito poético manifestado nas obras da artista, como na série Toquinhos, peças de acrílico que se assemelham a alfabetos flutuantes.
Algumas das obras integram o acervo do MAM, doadas pelo colecionador Paulo Figueiredo; a outra parte vem de coleções particulares.
A artista veio para o Brasil em 1949, fixando-se primeiro em Porto Alegre. Em São Paulo, ela expôs na 1ª Bienal, em 1951, que possibilitou com que se inserisse no cenário nacional. Ela se mudaria para a cidade em 1953.
Suas obras sem títulos, mas números, demonstram uma constante experimentação, tanto em relação ao formato e dimensão como suporte usado para a produção. Na exposição há pinturas feitas sobre papel, papel de arroz e cubos de acrílico.
Ao mesmo tempo que expõe a mostra de Schendel, o MAM exibe Oito Décadas de Abstração. O curador brinca que as duas exposições não dialogam entre si e até brigam.
Apesar de se distanciar do figurativo, o trabalho minimalista de Schendel, explica Venancio, não se inseriria no abstracionismo de caráter mais forte exposto ali ao lado.


MIRA SCHENDEL: SINAIS/SIGNALS
QUANDO: até 22/4, ter. a dom. das 10h às 17h30
ONDE: MAM, av. Pedro Alvares Cabral, s/n, tel. (11) 5085-1300
QUANTO: R$ 7 (inteira)


Texto: Isabella Menon   |   FSP



(JA, Fev18)