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quinta-feira, 22 de julho de 2021

Murais de Di Cavalcanti fogem das musas sensuais, atacam elite e celebram povo

 Instituto Tomie Ohtake reúne 23 obras políticas do artista e discute aproximação das obras com os muralistas mexicanos

 

‘Trabalhadores’ – painel de Di Cavalcanti, 1952 


Emiliano Di Cavalcanti é vastamente conhecido por suas pinturas de um Brasil considerado popular e miscigenado, mas o curador Ivo Mesquita defende que o artista ainda não recebeu reconhecimento pelo período em que fez algumas de suas maiores produções, e talvez as mais políticas de sua carreira —a de painéis e murais.

 

Brasil em 4 Fases II, 1965


O painel ‘Brasil em Quatro Fases’, por exemplo, narra a formação de um país que passa por florestas exuberantes, por um sol a pino, e por trabalhadores que ocupam as ruas e as sacadas da cidade de um Brasil que rumava para a modernidade.

A história formada por essa obra se amarra, no entanto, com um último pedaço do painel de cores escuras, com cidadãos que dançam nas sombras —e que se relaciona com quando foi feito, 1965, um ano após a ditadura militar começar no Brasil.

É essa e outras obras, predominantes na produção dos anos 1950 do artista brasileiro, que são retomadas em ‘Di Cavalcanti, Muralista’, que fica até outubro deste ano no Instituto Tomie Ohtake, com 23 trabalhos produzidos a partir da década de 1920.

‘O Di se tornou o pintor das mulatas, do samba, que virou um estereótipo dele’, afirma Mesquita. Não se vê esse outro lado dele que, para mim, é sua grande obra. Ele era um muralista’.

Acontece que não é possível transpor vários de seus murais mais importantes para dentro do museu. A solução para aproximar o público dessas obras, então, foi trazer pinturas de grandes dimensões, que anunciam técnicas e temas que Di usou em seus murais, apresentar uma linha do tempo com imagens desses murais mais emblemáticos que estão pelo Brasil, e exibir outros dois painéis, como ‘Trabalhadores’ e o próprio ‘Brasil em Quatro Fases’.

Distante dos cavaletes, o público é apresentado para um Di que trabalha com uma tinta mais lavada, mesmo com um traço firme. Há também composições de um fundo decorativo, quase bordado, como em ‘Feira Nordestina’, que Mesquita aponta uma influência de Delacroix. 


Feira Nordestina, de 1951, de Di Cavalcanti 


O curador também busca debater a aproximação que se faz entre o muralismo do Di Cavalcanti e dos muralistas mexicanos, como Diego Rivera —mais do que uma influência do outro país, Mesquita defende que se trata de uma produção feita na mesma época, no espírito do tempo.

‘Sempre me perguntei onde o Di conheceu o muralismo, porque nos anos 1920 não tinha mural, e em 1922 ele começa a pintar os primeiros. Ele só vai ao México em 1949’, diz Mesquita, que considera que o artista teve contato com painéis primeiro no Rio de Janeiro.

‘Essa talvez tenha sido a grande linguagem dele. Mesmo que pinte, por exemplo, painéis com mulatas, o que predomina neles é o trabalho, que é o tema dos muralistas’.

Essa atitude carregada de um certo vanguardismo que a exposição levanta, se dá em torno principalmente do mural que o artista fez para o teatro João Caetano, no Rio de Janeiro —na mostra, há uma reprodução grande dele, ainda que não em tamanho real, numa tentativa de reproduzir parte do impacto que a obra causa.

O que faz do díptico ‘Samba e Carnaval’ uma obra tão solar no posicionamento de Di Cavalcanti que a mostra propõe é, primeiro, ela ter sido feita em 1929 e ser considerada o primeiro mural modernista brasileiro —ou seja, uma produção que acontece anos antes de Portinari, conhecido como grande muralista, fincar sua produção como tal.

A segunda razão é, de novo, política. ‘É a primeira vez que nós temos uma representação do povo brasileiro, da rua, do subúrbio, do morro por um artista modernista’, afirma Mesquita. O ineditismo era tanto que há registros de uma elite que se dizia desconfortável com aquele povo num salão de um teatro, considerado tão elegante e refinado.

Mesmo que não esteja na mostra propriamente, a linha do tempo resgata a memória de murais de Di Cavalcanti que apontam para um certo humor do artista, que também era cartunista.

Uma tapeçaria que está na biblioteca do Palácio da Alvorada, por exemplo, foi chamada ‘Múmias’, numa referência um tanto irônica aos que habitam o prédio. Já no painel que ele faz para o Congresso Nacional, com os candangos, reina uma sobriedade ordenada da força de trabalhadores que ergueram a capital do país.

‘Era um trabalho que envolvia muitas pessoas, mas acredito que era até disso que ele gostava’, afirma o curador sobre Di, que era declaradamente de esquerda. ‘Era a produção de uma arte para as ruas e sobre as ruas’.

 


 

DI CAVALCANTI, MURALISTA

  • Quando - Até 17/10. Ter. a dom.: 12h às 17h
  • Onde - No Instituto Tomie Ohtake - av. Faria Lima 201 (entrada pela r. Coropés, 88), Pinheiros, São Paulo
  • Preço - Gratuito

 

Fonte: Carolina Moraes | FSP

 

(JA, Jul21)

 


 

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Cícero Dias ganha retrospectiva com 40 pinturas em galeria de São Paulo

Mostra inclui série de litografias inéditas do artista pernambucano, feitas em Paris nos anos 1970

Obra de Cícero Dias ‘Figuras com Mar ao Fundo, 1960
 A exposição de estreia de Cícero Dias (1907-2003) aconteceu no primeiro congresso de psicanálise realizado no Brasil, em 1928. 
Nas paredes, suas aquarelas, que retratavam cenas do cotidiano do artista pernambucano à época, como o engenho de açúcar. 
Agora, as diferentes fases de sua carreira são contempladas em uma retrospectiva com 40 quadros, na unidade paulista da Simões de Assis Galeria, com sede em Curitiba.
Menor do que a mostra apresentada pelo Centro Cultural Banco do Brasil em 2017, com 125 obras,  a atual exposição conta com parte de uma série inédita de litografias produzidas em Paris, onde ele passou parte da vida e onde morreu, em 2003. 
A série inédita, denominada ‘Suíte Pernambucana’, foi produzida em 1983 a pedido da extinta Galeria Belechasse, de Paris, e apresentada na França e no Brasil em 1986.
‘Ele nunca se limitou a seguir uma só escola. Mesmo tendo participado de um grupo de modernistas na França, não seguia nenhuma doutrina’, diz o galerista Waldir Simões de Assis, referindo-se ao período em que o artista morou na capital francesa com Di Cavalcanti (1897-1976), no final dos anos 1930.
Mesmo tendo vivido em outros países, Dias ‘jamais abandonou o Pernambuco dele’, diz o galerista, que enfatiza a sensualidade e a fluidez como marcas do trabalho do artista.
Sensualidade essa que foi censurada na obra ‘Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife’, um painel de 2 m X 15 m que teve uma parte cortada antes da primeira exposição, em 1931, por retratar erotismo e nudez.
Para o galerista, Dias criou um estilo de pintura desorganizada em composição, mas que se revelou ao grupo de modernistas da geração do anos 1920 como o novo valor da arte brasileira. 
Na mostra, as diferentes fases e vertentes do artista são expostas, desde a figuração e os períodos geométrico e abstrato até o seu retorno à figuração na década de 1960.
Depois de um período na capital francesa, o artista foi a Lisboa, nos anos 1940. Nessa época, sua obra começou a se distanciar da figuração, e passou a dialogar com os trabalhos do seu colega de profissão Pablo Picasso (1881-1973).
Com influências e contato com tantos artistas da época, o trabalho do pernambucano foi constantemente comparado ao do surrealista bielorusso Marc Chagal (1887-1985), relembra o galerista. Entretanto, esse paralelo não agradava Dias. 
‘Ele costumava dizer que só foi apresentado ao trabalho de Chagal por Mário de Andrade, que lhe mostrou duas gravuras do bielorusso, depois de ter conhecido a sua obra’, diz Simões que acredita que a coincidência, talvez, se tratasse de um ‘inconsciente coletivo’.
Cícero Dias
Simões de Assis Galeria, rua Sarandi, 113, Jardim América
De seg. a sex., das 10h às 19h
Até 11/8
Grátis


Texto: Isabel Menon   |   FSP



(JA, Jun18)  

terça-feira, 1 de maio de 2018

Casa Roberto Marinho abre com obras modernistas

Mansão onde viveu o jornalista e empresário, no Rio, abriga uma das principais coleções privadas do movimento artístico


Fachada da Casa Roberto Marinho

Em uma mansão aos pés do Corcovado, nas franjas da floresta da Tijuca  —a do jornalista e empresário Roberto Marinho (1904-2003)—, uma das principais coleções privadas do modernismo brasileiro tornou-se acessível ao público desde o último sábado (28).

Reunindo 1.473 peças de artistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari e Guignard, a coletânea amealhada entre 1939 e 1989 serviu de base para a exposição ‘Modernos 10’, que inaugura o centro cultural Casa Roberto Marinho, no bairro do Cosme Velho, zona sul.

‘Era uma lacuna, não havia espaços públicos com o modernismo permanentemente exposto’, diz o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, 64, diretor-executivo da instituição.
Para a abertura, ele selecionou 124 obras de dez artistas fundamentais do movimento —além dos já citados, estão Lasar Segall, José Pancetti, Ismael Nery, Djanira, Milton Dacosta e Burle Marx.



Entre as telas, Cavalcanti destaca ‘O Touro’ (1925), de Tarsila, que estava na lista de obras que o Museu de Arte Moderna de Nova York almejava para sua mostra dedicada à pintora, em cartaz.
Também chamam a atenção quadros ligados mais diretamente ao patrono da casa, como ‘Boneco’ (1939), de Pancetti —o preferido de Marinho— e um retrato de Stella Goulart, sua primeira mulher e mãe de seus quatro filhos, pintado em 1959 por Candido Portinari.

A exposição modernista ocupa o primeiro andar do solar do Cosme Velho, onde antes estavam os quartos, a biblioteca e o cinema.
Este, com capacidade para 34 pessoas, desceu para o térreo, onde também está uma segunda galeria, menor, com foco em arte contemporânea. Para a inauguração, ela foi ocupada por dez artistas que lidam com casas como tema —dentre eles Anna Bella Geiger, Daniel Senise, Luiz Zerbini e Carlos Vergara.

A reforma do casarão e a manutenção do instituto foram financiadas exclusivamente pela família, segundo Cavalcanti —ele não revela o orçamento de que dispõe, mas diz que ele supera em muito o do Paço Imperial, centro cultural federal que dirigiu por 22 anos, no Rio.
O espaço tem capacidade para 500 visitantes diários, mas seus administradores esperam receber inicialmente 200 pessoas por dia.

Na parte externa da casa, onde há um amplo jardim criado por Burle Marx e oito esculturas, os visitantes têm uma rara oportunidade de ver o rio Carioca num trecho despoluído, ainda próximo de sua nascente. Um café, uma micro livraria e um espaço educacional preenchem o resto do terreno.
O diretor-executivo diz ter recebido dos Marinho a missão de não tornar a casa um lugar de culto ao patrono.

Com isso, não há fotos ou busto de Roberto Marinho —apenas seu nome na fachada, um pequeno registro do local em que ficava seu quarto e, muito discretamente, no jardim, uma das quatro esculturas que ele criou.

Exposição ‘Moderno 10’
Casa Roberto Marinho, r. Cosme Velho, 1105, Rio, tel. (21) 3298-9449
De ter. a dom., das 12h às 18h
R$ 10,00 (grátis às quartas)
Livre


Texto: Marco Aurélio Canônico   |   FSP


(JA, Mai18)