quarta-feira, 31 de julho de 2024

Surrealismo

Há cem anos o surrealismo rompeu com lógica e mudou visão sobre o mundo

André Breton publicou em 1924 manifesto que lançou o movimento

 

 


Há cem anos o movimento surrealista, impulsionado pelas descobertas de Freud sobre o inconsciente, estremecia a ideia de racionalidade que embasava a arte, a organização social, e o nosso próprio entendimento da vida. O manifesto de André Breton elevava o território livre do sonho ao centro da criação, reverberando na obra dos mais variados artistas pelo mundo.

Em uma carta a André Breton, datada de dezembro de 1932, na qual Freud tenta esclarecer a polêmica em torno de quem teria sido referido como o primeiro autor a tratar da simbologia dos sonhos, se Volkelt ou Scherner, o ‘pai da psicanálise’ resolve deixar bem claro o distanciamento de seu trabalho da aplicação na arte, defendida pelos surrealistas.

‘Caro Senhor, agradeço-lhe sinceramente por sua carta tão detalhada e amável. Você poderia ter respondido mais brevemente: 'Tanto barulho...'. Mas teve a amabilidade de considerar minha susceptibilidade particular sobre este ponto, que é, sem dúvida, uma forma de reação contra a ambição desmedida da infância, felizmente superada. Não poderia levar a mal nenhuma de suas outras observações críticas, embora nelas eu possa encontrar vários motivos de polêmica. Assim, por exemplo: acredito que, se não prossegui a análise dos meus próprios sonhos, tão longe quanto a dos outros, a causa raramente é a timidez em relação ao sexual. O fato é, muito mais frequentemente do que eu teria que descobrir regularmente, o fundo secreto de toda a série de sonhos tem a ver com meus relacionamentos com meu pai, que havia falecido recentemente. Pretendo que eu tinha o direito de estabelecer um limite à inevitável exibição (assim como a uma tendência infantil superada). Agora uma confissão, que você deve acolher com tolerância! Embora receba tantos testemunhos de interesse que você e seus amigos têm pelas minhas pesquisas, eu mesmo não sou capaz de entender claramente o que é e o que quer o surrealismo. Talvez eu não seja de todo feito para compreendê-lo, eu que estou tão distante da arte. Seu cordialmente dedicado, Freud’.

Oito anos antes dessa carta, Breton assinava um manifesto, que completa cem anos, lançando oficialmente o movimento do surrealismo. Nele, faziam-se invectivas contra o racionalismo e o ‘império da lógica’, e se agradecia enfaticamente às descobertas de Freud, uma vez que por meio delas, segundo Breton, desenhava-se ‘afinal uma corrente de opinião, graças à qual o explorador humano poderá levar mais longe suas investigações, pois que autorizado a não ter só em conta as realidades sumárias’.

Essas descobertas afetaram os artistas do grupo de formas diferentes, mas apontavam para um denominador comum: o desejo de se liberarem do compromisso com temas ou gêneros predeterminados por uma tradição artística e literária, cujos lastros eram fortalecidos na modernidade graças às ações de divulgação da imprensa, e de um mercado editorial emergente, que fizeram aumentar a circulação e o interesse pelas obras ‘clássicas’.

O nome surrealismo, escolhido por Breton e Philippe Soupault foi uma homenagem a Guillaume Apollinaire, a partir da contração da palavra supernaturalismo, tomada, por sua vez, de empréstimo da dedicatória de Gérard de Nerval para seu livro ‘Les Filles du Feu’ (1854).

Em especial, a violência, a sexualidade e os desejos reprimidos, temas tratados por uma sintaxe enérgica, mais do que bem acabada, capaz de fazer os significantes do texto serem mais importantes do que os significados, beirando o nonsense, já estavam presentes na literatura francesa, antes que o método psicanalítico os confirmasse como conteúdos latentes, ou seja, aqueles que, estando encobertos pelas normas do comportamento em sociedade, são sempre mais importantes e influentes em nossa vida do que os que se dão por manifesto.

A obra do Conde de Lautréamont (pseudônimo de Isidore Lucien Ducasse) é um exemplo disso. Os seus ‘Cantos de Maldoror’ (1868) são uma espécie de rapsódia perversa que destrói deliberadamente a prosa francesa com erros ortográficos propositais, plágios explícitos de outros autores, e repetição encanecida de convenções literárias antiquadas. É famosa a sua frase (que se tornou quase um mote para a composição de alguma obra surrealista) ‘belo como o encontro fortuito, sobre uma mesa de dissecação de uma máquina de costura e um guarda-chuva’.

Breton ensinou métodos semelhantes para a composição surrealista, do ‘primeiro e último jato’, com a escrita rápida, sem muito pensar, que espelhava o método clínico de Freud, de deixar o paciente falar à vontade, sobre qualquer coisa que lhe viesse à mente, por mais insignificante que fosse.

Tal como propôs no manifesto de 1924, para Breton o verdadeiro valor da imagem reside naquilo que se arraiga no inconsciente, no território livre dos sonhos. ‘Se as profundezas de nosso espírito escondem estranhas forças capazes de aumentar as da superfície, ou contra elas lutar vitoriosamente, há todo interesse em captá-las primeiro para submetê-las depois, se for o caso, ao controle de nossa razão. Os próprios analistas só têm a ganhar com isso’. 


Fotografia do grupo surrealista realizada por Man Ray em torno de 1930; na fila de baixo, da esq. para dir., Tristan Tzara, André Breton, Salvador Dalí, Max Ernst e o próprio Man Ray; na fila do alto, Paul Éluard, Jean.Arp, Yves Tanguy e René Crével

Nas artes plásticas, esses métodos nunca fizeram muito sentido, e os artistas tiveram que usar drogas psicotrópicas ou ingerir grandes doses de álcool (em geral usaram ambos) para experimentar estados alternativos de consciência que produzissem neles alucinações, ou imagens, nunca antes figuradas por ninguém sobre uma tela.

Entretanto, só conseguiam pintar efetivamente após o porre, ou terem cessado os efeitos das drogas. É famosa a declaração a esse respeito de Max Ernst, já idoso, vivendo em sua confortável casa no Arizona (NA), com a esposa, a também artista surrealista Dorothea Tanning. A narrativa, no entanto (que é parte da história do movimento), é a de que faziam tudo sob os efeitos daqueles recursos exteriores, capazes de induzi-los a liberar, de modo convulsivo, as forças do inconsciente.

 

‘A Voz dos Ventos’, 1931, obra de René Magritte

Um ano antes da carta de Freud a Breton, em 1931, Salvador Dalí e René Magritte produziram obras que se tornaram verdadeiras cartas-emblemas das proposições do surrealismo na arte visual, mas que foram feitas seguindo rigorosamente as técnicas tradicionais da pintura histórica: ‘A Voz dos Ventos’ (La Voix des Airs), de Magritte, e ‘A Persistência da Memória’ (La Persistencia de la Memoria), de Dalí.

A pintura de Dalí também se insere dentro de uma tradição histórica —e para ele são caros os exemplos de Rafael, Vermeer, Velázquez e Zurbarán. O cinema também o interessou vivamente, sendo famosa a sua parceria com Luis Buñuel no antológico ‘Um Cão Andaluz’, de 1929, mesmo ano em que conheceu Gala Éluard (então esposa de Paul Éluard), por quem se apaixonou, e com quem se casou tempos depois.

Breton, contudo, quis bani-lo do movimento devido à simpatia e adesão de Dalí ao governo de Franco e ao fascismo, mas também à forma escandalosa com que se comportava, chamando mais a atenção para si do que para a sua atividade, como um artista engajado com as propostas do grupo. 


‘A Persistência da Memória’, de 1931, do pintor espanhol Salvador Dalí

Todavia, foi justamente esse exibicionismo (além de seu posicionamento político) que atraiu o interesse de Walt Disney e de Hollywood. Dalí e Disney idealizaram a animação ‘Destino’ (sobre a personagem mitológica Chronos), na década de 1940 (o animador John Hench e o artista trabalharam no storyboard entre 1945 e 1946), mas ela só viria a ser produzida pelo estúdio em 2003, com recursos de computação gráfica.

A pintura de Magritte também influenciou o cinema. Seu quadro ‘O Império das Luzes’ (L'Empire Des Lumières), pintado em 1961, para a amiga Anne-Marie Gillion Crowet, serviu de referência para o filme ‘O Exorcista’ (1973), de William Friedkin. 


                                   ‘O Império das Luzes’, 1961, de René Magritte 

Trata-se da vista noturna de uma casa, a certa distância, com silhueta, telhados e árvores à volta, pouco iluminados pela tímida luz de um poste, enquanto o céu, azul claro com nuvens, é um indicativo de uma manhã plenamente ensolarada. É como se dois tempos diferentes, dia e noite, fossem representados justapostos, dotando uma cena banal de mistério e profunda solidão.

O preciosismo nos detalhes, tentando reproduzir algumas das técnicas da pintura flamenga e italiana dos séculos 15 e 16, interessou a outros artistas que também flertaram com o movimento, como Giorgio de Chirico e seu irmão Alberto Savínio (Andrea de Chirico), este último famoso pelos retratos portentosos de mulheres reclinadas em divãs com cabeças de pássaros.

Mulheres reais também tiveram papéis muito importantes no surrealismo europeu e latino-americano. A começar por Leonora Carrington, artista homenageada na Bienal de Veneza de 2022, com curadoria de Cecília Alemani.

Carrington declarou, no começo dos anos 2000, já quase no final da vida, como via os surrealistas: ‘Eram um grupo essencialmente de homens, que tratavam as mulheres como musas. Isso era bastante humilhante. Por isso, não quero que me chamem de musa de nada nem de ninguém. Jamais me considerei uma mulher-criança, como André Breton queria ver as mulheres. Nunca quis que me entendessem assim, nem tampouco ser como os outros. Eu caí no surrealismo porque sim. Nunca perguntei se podia entrar’.

A artista foi noiva de Max Ernst, até ele ser aprisionado pelos nazistas em Paris. Ernst fugiu da Europa, casando-se, em 1941, com a colecionadora Peggy Guggenheim, e jamais enviou a Carrington notícias de seu paradeiro. A pintora teve uma crise de depressão, foi internada em asilo na Espanha por algum tempo e, logo depois, migrou para o México, mantendo uma amizade estreita com a também pintora surrealista Remedios Varo.

Em território americano, o surrealismo grassou na produção de Rufino Tamayo, Wifredo Lam, Roberto Matta, Wolfgang Paalen. No Brasil, houve uma influência decisiva do surrealismo francês nas produções de Ismael Nery, Murilo Mendes e Jorge de Lima (que produziu fotocolagens em diálogo direto com Max Ernst, Alberto da Veiga Guignard e Walter Lewy). A partir de 1928, nota-se a presença do movimento nas sínteses da pintura da fase antropofágica de Tarsila do Amaral, entre outros.

Em aspectos e intensidades diferentes, o surrealismo latino-americano reverberou as questões de identidade nacional, e do papel sociopolítico dos artistas na construção das nações relativamente novas em relação ao longo processo de independência da exploração colonialista perpetrado pelas metrópoles europeias.

Mas, talvez, a presença mais significativa a adotar as proposições surrealistas de uma conotação político-social, vista aos olhos de hoje como progressista, tenha sido a mexicana Frida Kahlo. Breton se interessou prontamente pelo seu trabalho, chegando a organizar a sua primeira exposição individual, em Nova York, em 1938.

Depois que Frida passou por diversas cirurgias em decorrência de um acidente grave, em 1925, (teve uma fratura pélvica, perfurações no abdômen e no útero, três fraturas na coluna vertebral, e o pé direito esmagado), além das diversas traições sofridas durante o casamento com o também pintor Diego Rivera, sua arte acolheu com sensibilidade e magia as imagens das inúmeras reconstituições de si, atada, remendada, como se o seu corpo fosse o território de experimentação de uma obra de arte, qualquer que seja a denominação que se dê a ela.

Frida disse certa vez: ‘Pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade’.

De fato, às vezes, a vida pode ser muito surpreendente, e mais surreal do que a arte possa, sequer, vir a sonhar.

 


Fonte: Luiz Armando Bagolin, Professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP | FSP

 

(JA, Jul24)


 

 

                                          

 

sábado, 30 de março de 2024

Richard Serra

 Artista americano que revolucionou a escultura com obras monumentais. Seu trabalho é o retrato delicado de um mundo em erosão

 

A escultura 'Tilted Arc', de Richard Serra – Manhatan, NY


Uma chapa de chumbo despenca do alto, e uma mão tenta agarrar. Às vezes acerta, às vezes erra, num jogo da carne, às voltas com o peso do metal e a leveza do ar —no fundo, céu e terra.

Nesse filme da década de 1960, o artista Richard Serra, um dos maiores escultores do século 20, morto neste mês de março, aos 85 anos em Nova York, já sintetizava, sem saber, os pilares que moveriam sua obra acachapante ao longo de décadas.

Todos talvez já tenham esquecido aquele simples movimento da mão registrado em celuloide, mas o americano é o homem por trás de obras faraônicas de metal, gigantescas chapas de aço que brotam da terra em sucessão vertiginosa, blocos maciços de matéria em choque com a arquitetura ao redor, arcos metálicos que rasgam a paisagem, labirintos plúmbeos que engolem o espectador.

Se seu trabalho é em nada delicado —e uma de suas obras já chegou a matar uma pessoa esmagada sob seu peso—, ainda é da delicadeza que trata, o mais simples ato de estar no mundo, e perceber que habitamos um jogo de planos, o horizonte como definidor máximo da consciência de estarmos vivos na Terra.

Mas, a raiz de tudo ainda está nos gestos simples. Suas primeiras esculturas, depois de um início de estudos em pintura e trabalhos realizados na Europa, ainda em sua fase de formação que lembravam a arte povera italiana, tinham como diretrizes verbos como rasgar, enrolar, amassar, dobrar, cortar. Essa lista de comandos, escrita a lápis, é também uma obra do artista, hoje preservada no acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York.

Foi em Manhattan, no final dos anos 1960, que Serra despontou na arte contemporânea, numa mostra organizada na mítica galeria Leo Castelli, pelo mítico artista Robert Morris. Um dos nomes que viria a se tornar um mestre do minimalismo e da land art, ele juntava ali figuras como Serra, Bruce Nauman, e Eva Hesse.

Mas, a turma em torno de Serra logo seria outra, a geração de artistas, quase todos homens, que fez do então bairro industrial do Soho nova-iorquino o epicentro de uma revolução na escultura. Figuras como Donald Judd, Carl Andre, Dan Flavin, Robert Smithson e Gordon Matta-Clark, reinventavam ali a relação do artista com a matéria, e desta com o mundo ao redor, cada um a seu modo.

Serra, nascido em San Francisco, filho de um espanhol que trabalhava num estaleiro, foi pelo caminho mais bruto. Se antes experimentou com borracha e neon, seu destino parecia talhado em metal, primeiro o chumbo - daqueles trabalhos do início, até o aço, que se tornaria sua assinatura; primeiro, a escala da palma da mão; depois, a escala de um arranha-céu.

Numa entrevista da década de 1990, o artista lembra uma memória da infância, a visão de um enorme navio ancorado, um bloco impenetrável de matéria que, ao zarpar, se tornava coisa leve, flutuando na água. ‘Toda a matéria-prima de que eu precisava está contida na base dessa memória’, disse o escultor.

Esse contraste entre peso e leveza, mínimo e máximo, atravessa sua obra, marcada pelo aspecto bruto da matéria sem retoques, a verdade do metal. Mas sua frieza é tão valorizada quanto seu lado terroso, telúrico.

Na superfície, são obras sempre duras, que às vezes poderiam ser um autorretrato, reflexo tanto das linhas fortes de seu rosto, quanto de seu discurso sem rodeios. Em entrevistas, suas palavras pareciam nunca se descolar do traço mais evidente da obra à nossa frente.

‘O peso é um valor para mim’, ele me disse, há cinco anos. ‘Não é mais convincente do que a leveza, mas tenho mais a dizer sobre o equilíbrio do peso, a concentração do peso, o posicionamento do peso, os efeitos psicológicos do peso, a rotação do peso, a desorientação do peso’.

É um pensamento que marcou o modernismo —não espanta que ele tenha sido um estudante atento à obra límpida e seminal do romeno Constantin Brancusi— e foi carregado adiante com ousadia formal por Serra, que ao longo das décadas viu sua obra crescer, em escala sem escalas, do mínimo do underground nova-iorquino aos gigantescos labirintos em espiral que ocupam o átrio do Guggenheim de Bilbao, na Espanha, às imensas lâminas de aço, em sucessão, que cortam o deserto do Qatar, e mesmo as chapas metálicas instaladas no pátio do Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista.

 

          Escultura de Richard Serra no Museu de Guggenheim de Bilbao, na Espanha


Se em São Paulo poucos no espaço público veem o trabalho, escondido atrás da torre que o abriga, sua obra já detonou uma briga de uma década em Nova York, que terminou em derrota para o artista.

Serra afirmava que suas obras redefiniam o espaço, por isso não podiam ser desatreladas do lugar para onde foram pensadas. Remover o trabalho da praça nova-iorquina, nas palavras dele, era destruir o trabalho —a escultura não existe sem a paisagem que ela corta, dobra, rasga, aquele velho vocabulário.

Sua obra, além dos espaços que atravessa, sempre dividiu opiniões. Detratores apontam a rudeza dos materiais, a arrogância do gesto em grande escala, e certa empáfia de se impor sobre o território, pontos mais tarde associados a uma ideia de masculinidade tóxica que envelheceu mal. Seria uma arte de machão, em resumo, que se traduz numa estética rígida, inquebrantável.

Sua escultura ‘Tilted Arc’ (imagem em destaque), um arco metálico retorcido de quase 40 metros de comprimento, e quatro metros de altura, pôs os frequentadores de uma praça em Manhattan em pé de guerra com o artista na década de 1980. Não gostaram da estrutura maciça que cortava o fluxo da praça, exigindo que fosse contornada pelos passantes, além de não deixar lugar para se sentar.

 

                Escultura de Richard Serra no Instituto Moreira Salles – IMS, SP

 Richard Serra foi um artista de seu tempo, uma época de erosão de certezas, e da dissolução de cânones. Talvez por isso, para bem ou mal, tenha trabalhado sempre com os materiais mais brutos, resistentes à decomposição da carne.

  

Richard Serra, NA, 1938-2024

 

Fonte: Silas Martí | FSP

 

(JA, Mar24)

 

 

Daniel Kahneman

 Professor de Princeton, autor de 'Rápido e Devagar', prêmio Nobel, e pai da economia comportamental, que propôs uma abordagem psicológica para a ciência econômica, morre aos 90 anos



Daniel Kahneman, Israel, 1934-2024, foi um psicólogo e economista israelense-americano, notável por seu trabalho sobre a psicologia do julgamento e tomada de decisão, bem como economia comportamental, pelo qual recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2002 (compartilhado com Vernon L. Smith). Suas descobertas empíricas desafiaram a suposição da racionalidade humana prevalecente na teoria econômica moderna.

Com Amos Tversky e outros, Kahneman estabeleceu uma base cognitiva para erros humanos comuns que surgem de heurísticas e vieses, e desenvolveu a teoria da perspectiva.

Em 2011, ele foi nomeado pela revista Foreign Policy em sua lista dos principais pensadores globais. No mesmo ano, seu livro ‘Thinking, Fast and Slow’, que resume grande parte de sua pesquisa, foi publicado, e se tornou um best-seller.

Em 2015, The Economist o considerou o sétimo economista mais influente do mundo.

Ele foi professor emérito de psicologia e relações públicas na Princeton School of Public and International Affairs da Princeton University. Kahneman foi sócio fundador do TGG Group, uma empresa de consultoria de negócios e filantropia. Ele foi casado com a psicóloga cognitiva e membro da Royal Society Anne Treisman, que morreu em 2018.

Daniel Kahneman, que nunca fez um curso de economia, mas foi pioneiro no ramo da disciplina que se baseia na psicologia, levando ao Prêmio Nobel em Ciências Econômicas em 2002, morreu neste mês de março (27), aos 90 anos.

Sua morte foi confirmada por sua parceira, Barbara Tversky. Ela se recusou a dizer onde ele faleceu.

Kahneman, que por muito tempo esteve associado à Universidade de Princeton, e morava no bairro de Manhattan, na cidade de Nova York, usou sua formação como psicólogo para avançar no que veio a ser chamado de ‘economia comportamental’.

O trabalho, feito principalmente na década de 1970, levou a uma reavaliação de questões tão diversas como negligência médica, negociações políticas internacionais, e avaliação de talentos no beisebol, todas as quais ele analisou, principalmente em colaboração com Amos Tversky, um psicólogo cognitivo da Universidade de Stanford, que fez um trabalho inovador sobre julgamento humano e tomada de decisões.

Ao contrário da economia tradicional, que assume que os seres humanos geralmente agem de maneira totalmente racional, e que quaisquer exceções tendem a desaparecer, à medida que os riscos aumentam, a escola comportamental se baseia em expor vieses mentais inatos, que podem distorcer o julgamento, muitas vezes com resultados contraintuitivos.

‘Sua mensagem central não poderia ser mais importante’, disse o psicólogo e autor da Universidade de Harvard, Steven Pinker, ao jornal The Guardian em 2014, ‘ou seja, que a razão humana, deixada por conta própria, tende a cometer uma série de falácias e erros sistemáticos; então se quisermos tomar decisões melhores em nossas vidas pessoais e como sociedade, devemos estar cientes desses vieses, e procurar soluções alternativas. Essa é uma descoberta poderosa e importante’.

Kahneman se deliciava em apontar e explicar o que ele chamava de ‘falhas’ universais do cérebro. A mais importante delas, segundo os behavioristas, é a aversão à perda: por que, por exemplo, a perda de US$ 100 dói cerca de duas vezes mais do que o ganho de US$ 100 traz de prazer?

Entre suas inúmeras implicações, a teoria da aversão à perda sugere que é tolice verificar frequentemente a carteira de ações, já que a predominância da dor experimentada no mercado de ações provavelmente levará a uma cautela excessiva, e possivelmente autodestrutiva.

De maneira amável e humilde, Kahneman não apenas acolhia o debate sobre suas ideias, mas também contava com a ajuda de adversários, bem como de colegas, para as aperfeiçoar. Quando perguntado quem deveria ser considerado o ‘pai’ da economia comportamental, Kahneman apontou para o economista da Universidade de Chicago, Richard H. Thaler, um estudioso mais jovem, a quem descreveu em sua autobiografia do Nobel como seu segundo amigo profissional mais importante, depois de Amos Tversky.

‘Eu sou o avô da economia comportamental’, Kahneman declarou, em uma entrevista de 2016, em um restaurante perto de sua casa no sul de Manhattan.

Essa nova escola de pensamento não teve sua primeira grande exposição pública até 1985, em uma conferência na Universidade de Chicago, uma fortaleza da economia tradicional.

A reputação pública de Kahneman repousava fortemente em seu livro de 2011 ‘Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar’, que figurou nas listas de best-sellers de ciência e negócios.

Um comentarista, ensaísta, estatístico matemático, e ex-operador de opções, Nassim Nicholas Taleb, autor do influente livro sobre improbabilidade ‘O Cisne Negro’, colocou ‘Rápido e Devagar’ no mesmo patamar que ‘A Riqueza das Nações’, de Adam Smith, e ‘A Interpretação dos Sonhos’, de Sigmund Freud.

O autor Jim Holt, escrevendo no The New York Times Book Review, chamou ‘Rápido e Devagar’ de ‘um livro incrivelmente rico: lúcido, profundo, cheio de surpresas intelectuais e valor de autoajuda’.

Shane Frederick, professor na Escola de Administração de Yale, e um pupilo de Kahneman, disse por e-mail, em 2016, que Kahneman havia ‘ajudado a transformar a economia em uma verdadeira ciência comportamental, em vez de um mero exercício matemático, para delinear as consequências lógicas de um conjunto, frequentemente insustentável, de pressupostos’.

Motoristas de táxi e detentores de ingressos

Kahneman propagou suas descobertas com um estilo de escrita cativante, usando vinhetas ilustrativas com as quais, até mesmo leitores leigos, poderiam se envolver.

Ele e Thaler ponderaram, por exemplo, questões tais como: ‘Por que os motoristas de táxi frequentemente trabalham mais horas quando as oportunidades são escassas, mas encerram o expediente cedo quando pedestres encharcados de chuva estão desesperados por uma corrida?’

A explicação era que muitos motoristas têm uma meta de renda diária fixa, e se aposentarão quando a atingirem; a aversão à perda sugere que eles trabalharão mais, para atingir esse objetivo, quando os passageiros são escassos.

Kahneman escreveu que Thaler o inspirou a estudar, como experimento, a chamada contabilidade mental de alguém que chega ao teatro, e percebe que perdeu ou o ingresso, ou o equivalente em dinheiro. Kahneman descobriu que as pessoas que perderam o dinheiro ainda comprariam um ingresso de alguma forma, enquanto aqueles que perderam um ingresso já comprado teriam mais chances de voltar para casa.

Thaler ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2017 — oficialmente o Prêmio do Banco da Suécia em Ciências Econômicas, em Memória de Alfred Nobel.

Kahneman dividiu seu Nobel de 2002 com Vernon L. Smith da Universidade George Mason, na Virgínia. ‘Se Tversky estivesse vivo, certamente teria dividido o Nobel com Kahneman, seu colaborador de longa data e querido amigo’, Holt escreveu em sua resenha de 2011 no Times. Tversky morreu em 1996 aos 59 anos.

Muito do trabalho de Kahneman se baseia na noção — que ele não originou, mas organizou e avançou — de que a mente opera em dois modos: rápido e intuitivo (atividades mentais com as quais nascemos, chamadas de Sistema Um), ou lento e analítico, um modo mais complexo envolvendo experiência e exigindo esforço (Sistema Dois).

Outros personificaram esses modos mentais como Econs (pessoas racionais e analíticas), e Humans (emocionais, impulsivos e propensos a exibir vieses mentais inconscientes, e uma confiança imprudente em regras duvidosas). Kahneman e Tversky usaram a palavra ‘heurísticas’ para descrever essas regras de ouro. Uma delas é o ‘efeito halo’, onde, ao observar um atributo positivo de outra pessoa, percebemos outras qualidades que na realidade não estão lá.

‘Antes de Kahneman e Tversky, as pessoas que pensavam sobre problemas sociais e comportamento humano, tendiam a assumir que somos principalmente agentes racionais’, escreveu o colunista do Times, David Brooks, em 2011. ‘Elas assumiam que as pessoas têm controle sobre as partes mais importantes de seu próprio pensamento. Elas assumiam que as pessoas são basicamente maximizadoras de utilidade sensatas, e que quando se afastam da razão é porque alguma paixão, como medo ou amor, distorceu seu julgamento’.

Mas Kahneman e Tversky, continuou ele, ‘proporcionaram uma visão diferente da natureza humana’.

Como Brooks descreveu: ‘Somos jogadores em um jogo que não entendemos. A maior parte do nosso próprio pensamento está abaixo da consciência’. Ele acrescentou: ‘Nossos vieses frequentemente nos fazem desejar coisas erradas. Nossas percepções e memórias são escorregadias, especialmente sobre nossos próprios estados mentais. Nosso livre arbítrio é limitado. Temos muito menos controle sobre nós mesmos do que pensávamos’.

O trabalho de Kahneman e Tversky, concluiu ele, ‘será lembrado daqui a centenas de anos’.

Na sombra dos nazistas

Daniel Kahneman nasceu em 5 de março de 1934, em uma família de judeus lituanos que haviam emigrado para a França, no início dos anos 1920. Após a queda da França para a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, Daniel, como outros judeus, foi obrigado a usar uma Estrela de Davi do lado de fora de suas roupas. Seu pai, chefe de pesquisa em uma fábrica de produtos químicos, foi preso, e internado em uma estação, antes de ser deportado para um campo de extermínio, mas foi então libertado sob circunstâncias misteriosas. A família escapou para a Riviera, e depois para o centro da França, onde viveram em um galinheiro convertido.

O pai de Daniel morreu pouco antes do Dia D, em junho de 1944, e Daniel, na época um aluno da oitava série, e sua irmã, Ruth, com sua mãe Rachel, acabaram na Palestina controlada pelos britânicos.

Ele se formou na Universidade Hebraica de Jerusalém, com especialização em psicologia, concluindo seus estudos universitários em dois anos.

Em 1954, após a fundação do estado de Israel, ele foi convocado para as Forças de Defesa de Israel, como segundo tenente.

Após um ano como líder de pelotão, ele foi transferido para o ramo de psicologia, onde recebeu ocasionalmente a tarefa de avaliar candidatos ao treinamento de oficiais.

A capacidade da unidade de prever o desempenho, no entanto, era tão ruim que ele cunhou o termo ‘ilusão de validade’, significando um viés cognitivo no qual alguém demonstra excesso de confiança na precisão de seus julgamentos. Duas décadas depois, essa ‘ilusão’ se tornou um dos elementos mais citados na literatura de psicologia.

Ele se casou com Irah Kahan em Israel, e logo partiram para a Universidade da Califórnia, Berkeley, onde ele recebeu uma bolsa. Ele obteve seu doutorado em psicologia lá. Retornou a Israel para lecionar na Universidade Hebraica, de 1961 a 1977. O casamento terminou em divórcio. (Kahneman possuía dupla cidadania, nos Estados Unidos e em Israel).

Em 1978, Kahneman se casou com Anne Treisman, uma renomada psicóloga britânica, que recebeu, em 2013, a Medalha Nacional de Ciências do presidente Barack Obama. Ela faleceu em 2018. Ele e Treisman eram amigos de longa data dos Tverskys.

Ele morou no Greenwich Village de Nova York por muitos anos.

A carreira norte-americana de Kahneman incluiu cargos de ensino na Universidade de Colúmbia Britânica, e em Berkeley, antes de ingressar no corpo docente da Universidade de Princeton, em 1993.

Seu livro mais recente é ‘Ruído: Um Defeito no Julgamento Humano’ (2021), escrito com Cass Sunstein e Olivier Sibony. No Times Book Review, Steven Brill o chamou de ‘um tour de force de erudição, e escrita clara’.

O livro analisa como o julgamento humano, frequentemente, varia amplamente, mesmo entre especialistas, como refletido em decisões judiciais, prêmios de seguros, diagnósticos médicos, e decisões corporativas, bem como em muitos outros aspectos da vida.

E ele distingue entre vieses previsíveis - um juiz, por exemplo, que sentencia consistentemente réus negros de forma mais severa; e o que os autores chamam de ‘ruído’ - decisões menos explicáveis, resultantes do que eles definem como ‘variabilidade indesejada nos julgamentos’.

Em um exemplo, os autores relatam que os médicos são mais propensos a solicitar exames de câncer para pacientes que veem de manhã cedo, do que à tarde.

O livro, como os outros dele, foi um desdobramento da busca, ao longo da vida de Kahneman, para entender como a mente humana funciona - quais processos de pensamento levam as pessoas a tomar os tipos de decisões e julgamentos que fazem, ao navegar por um mundo complexo. E, no final de sua vida, ele reconheceu que ainda havia muito mais a ser conhecido.

Em uma entrevista com Kara Swisher em seu podcast do Times ‘Sway’, em 2021, ele disse: ‘Se eu estivesse começando minha carreira agora, estaria escolhendo entre inteligência artificial e neurociência, porque essas, atualmente, são formas particularmente empolgantes de olhar para a natureza humana".

 


Imagem em destaque: Daniel Kahneman, fala durante palestra no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, 2013


Fonte: Robert D. Hershey Jr. | The NY Times

 

(JA, Mar24)

 

 

 

 

domingo, 17 de março de 2024

Artesanato ‘Slow Stitch’

 Como se tornou uma parte essencial da minha vida

Como para muitas pessoas, o bloqueio pandêmico foi um momento para me reconectar com velhos hobbies. Ficar em casa significava ser criativo com o que tinha em mãos. Nesse caso, era uma sacola de plástico empoeirada retirada de debaixo da cama. Foi preenchido com uma mistura eclética de fios, um conjunto parcial de agulhas de crochê, e uma manta inacabada.

Desembrulhei o pequeno cobertor esquecido, e enrolei o emaranhado de fios em bolas. Foi um trabalho tedioso, mas surpreendentemente reconfortante. Fiquei tonta com as possibilidades. Eu poderia desfazer esse projeto abandonado e transformá-lo em algo novo. E eu fiz.

Nos três anos que se seguiram, me dediquei ao crochê. A curiosidade pelo artesanato me levou a outros ofícios, como costurar e remendar, e cada um me trouxe um pouco mais de paz. Eu chamo isso de ‘costura lenta’, e se tornou uma parte essencial da minha vida.

 

A nova manta retrabalhada com fios antigos. Na época, eu tinha acabado de aprender a fazer crochê de ponta a ponta (C2C). É divertido olhar para trás e ver o quanto meu trabalho melhorou desde então

 

O que é costura lenta?

Embora existam muitos termos abrangentes, prefiro o termo ‘costura’ para me referir a qualquer fibra, ou arte têxtil, que crie pontos. Isso inclui costura (manual e à máquina), tricô, crochê, bordado e remendos.

‘Lento’, neste sentido, significa fazer de forma consciente e intencional. Significa reservar um tempo para considerar os materiais que utilizo, a qualidade do meu trabalho e o futuro do item acabado. Ao iniciar um projeto novo e lento, pergunto-me:

-   Que materiais vou usar? De onde eles vieram? Quais mãos os tocaram antes das minhas?

-   Vou investir tempo e cuidado para fazer isso bem? Vai durar com o tempo ou vai desmoronar? Valerá a pena usar, manter, ou repassar?

-   Quando o item acabado se esgota, e atinge seu fim natural, para onde irá? Poderá ser reutilizado para outra finalidade?

Quando me sinto confortável com as minhas respostas a estas perguntas, sei que o que estou a fazer é bom para o mundo, e para mim também.

 

A costura lenta é calmante

Gosto desta analogia para estresse e ansiedade: tenho cerca de 1,70m e minha altura significa que, muitas vezes, tenho o problema ridículo de deixar as presilhas do cinto presas nas maçanetas das portas ou gavetas. É incrível que uma coisa tão pequena, como um laço de tecido, possa fazer todo o meu corpo parar bruscamente. E ainda assim, pequenas coisas me fazem parar o tempo todo. Às vezes, basta um comentário rude, uma má notícia, ou uma complicação inesperada, para fazer minha mente desmoronar em um emaranhado desesperador.

Mas quando estou na zona criativa, minha mente inquieta se acomoda em um fluxo familiar: puxar um laço através de outro laço, puxar um laço através de outro laço… Cada ponto que faço desfaz um pouco do nó mental. Costurar, para mim, é uma forma de meditação. Em vez de contar respirações, conto pontos. Este headspace é silencioso, pacífico e previsível.

 

Costurar pode ser um trabalho árduo, mas quando entro no fluxo, é bastante relaxante

 

Costurar perdoa

Muitos aspectos da elaboração têm consequências permanentes (pense: cortar, colar). Stitches (pontos), entretanto, perdoarão seus erros. Os pontos podem ser desfeitos, os fios podem ser puxados. e os fios podem ser desenrolados e enrolados novamente. Para mim, isso é libertador.

Às vezes, estou profundamente envolvida em um projeto, apenas para perceber que cometi um erro muitas linhas atrás, e todos os pontos até onde estou agora representam horas e horas de trabalho. Não é uma sensação boa. Meu rosto encontra a palma da minha mão e penso: eu errei.’ Isso foi uma perda de tempo’.

Mas se meus pontos podem me perdoar, eu posso me perdoar. Então eu gentilmente puxo tudo de volta. Quando o erro é desfeito, volto ao ponto de partida, como se nunca tivesse acontecido. E quando o projeto é retrabalhado, parece uma conquista, uma coisa quebrada curada.

Essa mentalidade torna muito menos assustador assumir riscos em meu trabalho. Sempre que estou questionando como um ponto ou costura deve funcionar, descubro que a melhor coisa a fazer é tentar algo — qualquer coisa — e ver o que acontece. O que há para ter medo, realmente?

 

Meu trabalho em andamento do icônico padrão Sophie’s Universe do designer Dedri Uys. É um padrão complexo, mas como diz Dedri, ‘cada ponto é apenas um ponto’.

 

Mas, é claro, alguns erros estão tão ocultos, ou tão pequenos, que não vale a pena os retrabalhar. Em vez de me estressar com eles, eu os aceito como eles são. Essas falhas se tornam características, sinalizando que uma pessoa real fez isso. Errar é humano, certo?

 

Costurar é fortalecedor

Em um mundo onde você pode comprar qualquer coisa barato, e a receber em um ou dois dias, há algo muito mágico em criar algo com suas próprias mãos.

Penso na primeira vez que fiz um pão. O pão é comum e é fácil comprar. Mas quando observei meus ingredientes se transformarem milagrosamente, de uma massa disforme em um pão quente e dourado, fiquei maravilhada com algo que é tão facilmente dado como certo.

Isso se aplica à costura. Sim, posso comprar um suéter em vez de fazer um. Posso substituir uma meia, em vez de consertar. Mas, ao fazer isso, perderia a alegria de dizer: ‘Eu fiz isso!’

À medida que desenvolvi minhas habilidades, e ganhei confiança como artesã, tive uma nova lente para ver o mundo. Posso fazer isso? Posso consertar isso? Posso usar ou reutilizar isso? É fortalecedor saber que posso fabricar produtos de acordo com minhas próprias necessidades e preferências, e não apenas me contentar com o que está em estoque. Quando faço, posso fazer só para mim.

 

Um saco de dados que fiz (à direita, na cor rosa) quando comecei a costurar. É desconexo e amador, mas tenho muito orgulho disso.

 

Costurar é uma ótima maneira de se conectar com outras pessoas

Estou na casa dos 30 anos, e descobri que é difícil fazer novos amigos quando adulta. Pessoas da minha idade criaram raízes, e definiram horários. Para conhecer novas pessoas, precisei bater em muitas portas diferentes.

Felizmente, o artesanato é um excelente ponto de entrada em comunidades repletas de pessoas criativas e apaixonadas. No Reddit, encontrei pessoas prestativas, prontas para responder às minhas perguntas. Nas lojas e estúdios de artesanato locais, encontrei excelentes professores para me ajudar a desenvolver minhas habilidades. No Meetup, encontrei pessoas amigáveis para conversar e criar bebidas. Nas comunidades do Discord, encontrei muitos entusiastas, profissionais, designers, empresários e outros, que me ajudaram a expandir meu conhecimento e perspectiva sobre meu ofício.

Em todos os casos, todas as pessoas que encontrei foram calorosas e gentis. Para onde quer que eu olhe no mundo do artesanato, há pessoas que realmente desejam compartilhar seu trabalho comigo, e também celebrar minhas criações.

 

O caminho do iniciante começa aqui

Este artigo é minha carta de amor à costura lenta. Isso me proporcionou muita cura, alívio e perspectiva. Não consigo imaginar uma vida sem isso.

Se escolher um ponto artesanal é seu objetivo, agora é realmente o melhor momento para começar. Não existe caminho errado. Experimente um vídeo tutorial, compre um livro, ou kit para iniciantes, pesquise aulas localmente ou online, ou explore uma comunidade. Seja curioso, faça perguntas, experimente algo novo, desafie-se e não desista. Com o tempo, espero que isso enriqueça sua vida, assim como enriqueceu a minha.

 





Fonte: JMarie | Medium

 

(JA, Mar24)

 

 

sábado, 27 de janeiro de 2024

Gustav Klimt, Áustria, 1862-1918 -^- ‘Retrato da Senhorita Lieser’, 1917

Arte Desaparecida


Até recentemente, sabia-se que a última proprietária conhecida do quadro morreu deportada em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial. A obra, então, sumiu. Não houve mais informações a respeito da pintura durante décadas.

Na década de 1910, uma família judia rica de Viena, na Áustria, encomendou um quadro a um dos mais famosos pintores do país, Gustav Klimt. É uma imagem de frente de uma mulher jovem, da cabeça até a altura dos joelhos, com um vestido colorido que se destaca sobre um fundo vermelho. É uma obra tardia do artista.

‘Retrato da Senhorita Lieser’ foi pintado em 1917, um ano antes da morte de Klimt. A pintura foi vista pela última vez durante uma exposição em Viena em 1925 --há uma fotografia em preto e branco que, durante muitas décadas, foi a única prova da existência do quadro.

Quase cem anos depois da última exibição do quadro, ele foi redescoberto em uma coleção privada do país, e será leiloado em 24 de abril.

A casa de leilões que vai ser responsável pela venda, a Kinsky, afirma que o valor deve ficar entre 30 e 50 milhões de euros (de R$ 160 milhões a R$ 267 milhões).

A casa de leilões diz que a descoberta do retrato, um dos mais bonitos do último período de Klimt, é sensacional, segundo o jornal ‘Washington Post’. ‘Uma pintura rara, e artisticamente significativa como essa tem um valor que não aparecia no mercado de arte na Europa central há décadas’, diz o texto da Kinsky.

O quadro foi roubado da família judia

A família Lieser era da alta sociedade rica de Viena. Essa era a clientela de Klimt, o pintor. Não se sabe exatamente quem é a jovem retratada. Quem encomendou a pintura foi Adolf Lieser, que era um dos maiores industriais do período Austro-Húngaro. A mulher retratada pode ser a filha, ou uma sobrinha dele.

Mas o que se sabe sobre o que aconteceu com o quadro? Como os Lieser eram judeus, há uma possibilidade de o quadro ter sido roubado por nazistas durante a Segunda Guerra.

Henriette Lieser, que foi dona do quadro, permaneceu em Viena apesar da ditadura nazista, foi deportada em 1942, e assassinada no ano seguinte.

Seus herdeiros foram contatados, e alguns se deslocaram para ver a pintura, que não tinha sido reivindicada e nunca apareceu em listas de pedidos de restituição.

De acordo com o ‘Washington Post’, Ernst Ploil, um diretor da casa de leilões Kinsky, afirmou que a tela foi redescoberta em 2022. Um dos donos procurou a Kinsky para leiloar a peça. Ele afirmou que a pintura havia sido adquirida por um parente dele nos anos 1960, e que está na família desde então.

A casa de leilões afirma que checou a história e a procedência da pintura de todas as formas possíveis e ‘não encontrou evidência de que a pintura foi exportada para fora da Áustria, confiscada ou apreendida, ou saqueada pelos nazistas’.

‘Não temos nenhum indício de que tenha sido confiscada pelos nazistas’, afirmou Ploil. No entanto, a casa também diz que não há prova de que o quadro não foi roubado.

Houve um acordo entre a família proprietária do quadro e os atuais descendentes da família Lieser. A casa de leilões diz que está seguindo o protocolo para identificar e devolver obras roubadas pelos nazistas (em 1998, 44 países firmaram um acordo no qual se comprometiam a devolver peças que os nazistas roubaram).

Antes da venda, o quadro será exposto na Suíça, Alemanha, Reino Unido e Hong Kong.

 

Fonte: G1 Globo

 

(JA, Jan24)