quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Artista chinês Ai Weiwei monta ateliês no Brasil




Obras estarão na mostra 'Ai Weiwei Raiz' na Oca, em outubro


Abacaxis feitos de porcelana em fábrica de São Caetano do Sul para projeto do chinês Ai Weiwei

Nas prateleiras cheias de objetos de porcelana em um galpão de São Caetano do Sul, no ABC, algumas peças parecem fora de contexto. Entre xícaras, cinzeiros e budas decorativos, repousam centenas de réplicas de frutas-do-conde, ostras, dendês e abacaxis.
Os frutos aguardam o momento em que, pelas mãos de uma equipe coordenada pela designer Raquel Hoshino, serão diferenciadas de uma xícara de cafezinho para se tornarem obras assinadas pelo artista plástico Ai Weiwei.
A Porcelana Teixeira, fábrica fundada em 1949 por imigrantes portugueses, abriga atualmente um dos cinco ateliês que o famoso dissidente chinês montou no país este ano.
Do galpão sairão os dois exemplares de ‘F.O.D.A.’ (fruta-do-conde, ostra, dendê e abacaxi) que o público verá no prédio redondo do Ibirapuera, além de outros 300 múltiplos da mesma obra que serão vendidos pela sua galeria paulistana, a ArtEEdições.
‘Ai Weiwei eterniza as frutas da mesma forma que a burguesia europeia eternizava cachorros em bibelôs de porcelana. A ideia do bibelô é manter presente algo que está em extinção’, explica Hoshino.

Peças de porcelana no ateliê em São Caetano do Sul


Sete pessoas se dedicam em tempo integral ao acabamento das frutas —são escultores, ceramistas e pintores ativos no mercado, pinçados especialmente para o projeto.
A fabricação dos objetos segue a linha de produção normal de outras peças que saem dali, com os mesmos operários e matérias-primas.
Weiwei contratou Hoshino depois de se encantar com a verossimilhança de um protótipo de abacate realizado pelo artesão Miguel Anselmo, que integra a equipe da designer.
A encomenda do artista chinês, que pediu a Hoshino e à fábrica a reprodução de uma fruta brasileira, para aferir a qualidade do trabalho e dos materiais, fez com que a designer oficializasse a criação de uma divisão dedicada ao desenvolvimento de peças de caráter mais experimental.
Ela conta ainda que Weiwei lhe mandou um recado —ele queria que as reproduções das frutas fossem ‘rústicas, mas benfeitas’. E parece ter gostado do resultado, a julgar pelas curtidas que dá nas imagens das peças prontas postadas no Instagram por um dos artesãos da fábrica.
O curador da mostra da Oca, Marcello Dantas, conta que a ideia para ‘F.O.D.A.’ surgiu há alguns meses, em Trancoso, na Bahia, onde Weiwei lhe perguntou como dizer ‘fuck’ em português. Dantas respondeu, e então o artista disse que queria uma fruta correspondente a cada letra da palavra ‘foda’ para realizar a obra.
‘As letras F, D e A foram relativamente fáceis. Mas não há no dicionário nenhuma fruta com O. Então sugeri ostra, que é um fruto do mar, e ele amou. Além do mais, a ostra tem uma conotação sexual superforte’, afirma Dantas.


Moldes das peças de porcelana

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A fábrica em São Caetano do Sul é só um dos lugares de produção do chinês no Brasil.

Há mais três frentes de trabalho ativas espalhadas pelo país —uma em Cotia, na Grande São Paulo, outra em Juazeiro do Norte, no Ceará, e uma no presídio paulista de Tremembé. O quarto, que ficava em Trancoso, foi desativado após seis meses de operação.


O número de pessoas trabalhando em todos esses locais chegou a 150. Para a realização das obras, foram usados materiais como raízes, cerca de uma tonelada de sementes de olho-de-cabra e couro. ‘O volume de produção é grande. São uns sete, oito caminhões. É um processo quase industrial’, conta Dantas.
Processo (da esq. para dir.) de fabricação das frutas em porcelana na fábrica

 Parte das obras vindas dos ateliês, que devem finalizar seus trabalhos no início de setembro, estará na Oca.
O restante foi enviado à China e só virá a público em ocasiões futuras. É o caso do molde de um pé de pequi de 36 metros de altura tirado em Trancoso por uma equipe de chineses, que deve levar cerca de um ano para ser fundido.
Dantas nega que o interesse de produzir as peças de ‘F.O.D.A.’ no Brasil esteja relacionado à mudança nas taxas aeroportuárias para obras importadas; hoje elas não são mais cobradas de acordo com o peso da obra armazenada, e sim segundo seu valor.
‘A fábrica em São Caetano do Sul é só um dos lugares de produção do chinês no Brasil. Há mais três frentes de trabalho ativas espalhadas pelo país —uma em Cotia, na Grande São Paulo, outra em Juazeiro do Norte, no Ceará, e uma no presídio paulista de Tremembé. O quarto, que ficava em Trancoso, foi desativado após seis meses de operação.
O número de pessoas trabalhando em todos esses locais chegou a 150. Para a realização das obras, foram usados materiais como raízes, cerca de uma tonelada de sementes de olho-de-cabra e couro. "O volume de produção é grande. São uns sete, oito caminhões. É um processo quase industrial", conta Dantas.
Parte das obras vindas dos ateliês, que devem finalizar seus trabalhos no início de setembro, estará na Oca.
O restante foi enviado à China e só virá a público em ocasiões futuras. É o caso do molde de um pé de pequi de 36 metros de altura tirado em Trancoso por uma equipe de chineses, que deve levar cerca de um ano para ser fundido.
Dantas nega que o interesse de produzir as peças de "F.O.D.A." no Brasil esteja relacionado à mudança nas taxas aeroportuárias para obras importadas; hoje elas não são mais cobradas de acordo com o peso da obra armazenada, e sim segundo seu valor.
‘A razão de produzir essas peças aqui é o interesse em interpretar o Brasil que faz parte do imaginário do Ai Weiwei desde a infância, quando seu pai aqui esteve com Jorge Amado. É uma visita à tradição artesanal brasileira, assim como a obra do Weiwei é uma visita à tradição artesanal chinesa’, justifica o curador.
Obras complexas realizadas com o auxílio de mão de obra local, aliás, não são uma novidade na carreira do dissidente.
Há alguns anos, Weiwei contratou oficinas de artesãos de Jingdezhen para que confeccionassem 100 milhões de sementes de girassol de porcelana —a cidade no sul da China tem tradição milenar na fabricação desse material.
O resultado foi ‘Sunflower Seeds’, obra exibida há oito anos na Tate, em Londres, que estará também em São Paulo.
‘Ai Weiwei Raiz’ é a segunda mostra do artista no país. Em 2013, um conjunto de suas fotografias foi exibido no Museu da Imagem e do Som paulistano. Esta, contudo, terá uma dimensão maior, ocupando quatro andares da Oca.
Além das peças feitas aqui, estarão reunidos trabalhos marcantes de Weiwei, como ‘Forever Bicycles’, ‘Moon Chest’ e ‘Straight’, além de uma obra exibida apenas uma vez, ‘Ordos 100’, realizada em 2008 com os arquitetos suíços Herzog & de Meuron.


Fonte: João Perassolo   |   FSP

(JA, Ago18)



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