Homem de poucas palavras e métodos espartanos, Irving Penn —
tema de bela mostra em SP — pôs abaixo a fronteira entre a fotografia de moda e
a grande arte
Gente fina - Foto de Marlene Dietrich: famosos se ofendiam, mas depois amavam |
Caladão, o fotógrafo nem lhes dirigia a palavra. A tensão só se dissipava quando os personagens — que incluíam, ainda, da musa do cinema Audrey Hepburn ao compositor russo Igor Stravinsky — viam o resultado. “As pessoas se sentiam ofendidas, mas depois amavam”, diz Jeff L. Rosenheim, chefe do setor de fotografia do museu Metropolitan e curador da mostra Irving Penn: Centenário. É irônico que um dos atrativos da magnífica retrospectiva que chegará na terça-feira 21 ao Instituto Moreira Salles, em São Paulo, depois de passar pela instituição nova-iorquina e por Paris e Berlim, seja uma réplica do cenário onde Penn humilhava, ops, fotografava estrelas. Ao fazer as próprias fotos, o público poderá atestar o efeito do palco despojado.
Selfies à
parte, é um privilégio degustar as cerca de 240 fotografias espalhadas por dois
andares da sede do Moreira Salles na Avenida Paulista. Irving Penn foi nome
decisivo na criação da fotografia de moda moderna. Ao longo de seis décadas,
desde o fim dos anos 40 até perto de morrer, sua grife visual era inescapável.
Mas o homem foi muito maior: com formação vigorosa e inquietude quase
renascentista, Penn pôs abaixo a fronteira entre a atividade editorial e a
arte, ao explorar a grande tradição do retrato, a natureza-morta, o minimalismo
e a experimentação inovadora de técnicas e materiais.
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A
inquietação fica patente em sua trajetória como retratista. Penn começou a
desbravar o gênero durante uma viagem ao Peru. Depois de produzir um ensaio de
moda, ele despachou a modelo de volta para os Estados Unidos e viajou até
Cusco, a cidade inca encarapitada nos Andes. Lá, alugou o estúdio precário de
um fotógrafo local e tomou o lugar deste no ofício de fazer retratos pagos de
cidadãos comuns. “Como não falava uma palavra de quíchua ou espanhol, ele desenvolveu
seu método de dirigir as sessões apenas com intervenções físicas, arrumando
cada pose com as próprias mãos”, diz Rosenheim. Mais tarde, a mesma estratégia
seria aplicada às tantas celebridades que Penn fotografou. “À maneira dos
grandes pintores do passado, ele demonstrou que um grande retrato nasce da
interação entre a personalidade do personagem e a do artista”, diz o brasileiro
Sergio Burgi, coordenador do IMS.
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Penn
realizou uma série de trabalhos de imenso valor sociológico e etnográfico. Em
viagens pelo Marrocos, Benim e Nova Guiné, montava uma tenda no meio do nada e
fazia retratos dos nativos com seu cenário clássico. Mesmo quando registrava
modelos, Penn não deixava de experimentar. Nos intervalos das sessões, fazia
ensaios com trabalhadores urbanos, seguindo a tradição dos retratos de ofícios,
que vinha dos gravuristas e fotógrafos do século XIX. Nos passos do francês
Henri Matisse (1869-1954), seu pintor favorito, fez também imagens de nus cuja
estranheza é o oposto do ideal de beleza dos editoriais de moda. Até bitucas de
cigarro que catava na rua viraram tema de naturezas-mortas minimalistas, que
preenchem uma sala surpreendente da exposição. Num ensaio, Penn conheceu aquela
que seria sua mulher: a modelo sueca Lisa Fonssagrives, beldade que
protagonizou algumas de suas melhores imagens de moda. O homem era quietão, mas
não dormia em serviço.
Irving Penn: Centenário
Instituto Moreira Salles – Av. Paulista. 2424 - Bela Vista, São Paulo -
SP, 01310-300; Tel.: (11) 2842-9120
De 21 de agosto a 18 de novembro
Terça a domingo (exceto quintas), das 10h às 20h.
Quinta, das 10h às 22h. Última admissão 30 minutos antes do horário de
encerramento
Fonte: Marcelo
Marthe, Revista Veja, Ed. 2596
(JA, Ago18)
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