segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Mostra multissensorial 'Arte pra Sentir' toca só superfície da questão


Exposição não tira espectador da zona de conforto, aproximando-se mais de um playground

‘Arte pra Sentir’ aposta na inclusão de pessoas com deficiência ao apresentar obras especialmente sensoriais. De esculturas em crochê a uma máquina que solta refrescos coloridos, a seleção é pensada para que o espectador motivado interaja com os trabalhos não apenas com os olhos mas com outros sentidos —tato, audição, paladar.
‘Dessa vez ninguém precisa ficar com as mãos para trás’, orienta o segurança sorridente, frisando que todos podem tocar na maquete criada por Pedro Varela. Além de atender ao público com deficiência por meio da sinalização, de audioguias, audiodescrição e informações em braile, a iniciativa tem apelo evidente para crianças e jovens, mas não convence como imersão. 

‘Iceberg’, escultura de Flávio Cerqueira, que integra exposição 'Arte pra Sentir', em cartaz até 30/9 na Caixa Cultural São Paulo

O texto de parede da curadora Isabel Portella recupera a noção de participação posta em prática por Lygia Clark, Lygia Pape e Helio Oiticica.
Ainda que o Opavivará seja um dos grandes herdeiros dessa tradição —vale lembrar os chuveiros coletivos que instalaram na praia carioca (‘Chuva Verão’, 2014)—, a obra do coletivo aqui apresentada, como as outras da mostra, fica longe da radicalidade de propósitos dos neoconcretistas.
Passado o impacto ‘posso tocar/mexer’ —em voga há décadas nas bienais e outras exposições no gênero— fica faltando ao conjunto a ideia de experiência em sentido mais irreverente.

Obra da exposição ‘Arte pra Sentir’, em cartaz até 30 de setembro na Caixa Cultural- SP


Para uma sociedade obcecada pelas telas de seus celulares, qualquer iniciativa que estimule o aspecto multissensorial é bem-vinda, como é bem-vinda a inclusão de audiências pouco contempladas.
Mas a exposição não tira o espectador da zona de conforto, preferindo trilhar um caminho seguro (ouvir o barulho do mar numa instalação de Floriano Romano, mexer em um tambor suspenso de Ernesto Neto, tocar as texturas ásperas ou fofinhas de uma colagem), aproximando-se mais de um playground.
O caráter lúdico fica reservado à superfície das obras, sem se estender para iluminação, expografia ou conceito.
Passado o ‘sentir’ sensorial mais imediato, um outro, dentro e fora do universo da arte não é assim tão trivial.
Na Sé, em meio a casarões em ruínas, estacionamentos, moradores de rua e filas extensas de repartições públicas e da própria Caixa Econômica, onde o centro cultural está localizado, aprendemos a não prestar atenção em cheiros, texturas e paisagens.
Arte é para sentir; e, se em vez de nos distrair, ela puder nos ajudar a recuperar a atenção para o mundo e, sobretudo, para as pessoas ao redor, teremos já um bom começo.


Arte Pra Sentir
Quando Ter. a dom., das 9h às 19h. Até 30/9
Onde Caixa Cultural - Praça da Sé, 111
Preço Grátis





Fonte : Gabriela Longman   |   FSP


(JA, Set18)




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