Museu recebe obras da artista que criou ao longo dos anos uma
reflexão sobre desejo, culpa e prazer femininos
Bases
formadas por descansos de panela de bambu erguem duas torres no chão, uma menor
do que a outra. Trata-se da obra ‘For Ana (Monument)’, da artista plástica
Valeska Soares, agora na exposição ‘Entrementes’, na Pina Estação.
A instalação
é uma homenagem à artista Ana Mendieta, que morreu em 1985, ao despencar da
janela de seu apartamento no 34º andar de um prédio em Nova York.
A causa da
sua morte é controversa até hoje. Seu marido, o minimalista Carl Andre,
argumentou à época que ela se jogou pela janela. Já vizinhos afirmaram ter
ouvido uma briga violenta do casal na noite do incidente.
Na obra, a
omissão do sobrenome da artista permite uma reflexão sobre todas as ‘Anas’ que
tiveram a vida interrompida —entre elas a advogada Tatiane Spitzner que morreu
após também cair da sacada de seu apartamento. O caso tem como suspeito o
marido Luis Felipe Manvailer.
Além da
homenagem à artista cubana, Soares apresenta trabalhos criados em três décadas
de carreira, como pinturas, colagens, objetos, instalações e esculturas.
Nascida em
Belo Horizonte e radicada em Nova York desde os anos 1990, a artista começou
sua produção no campo da escultura, mas expandiu suas formas de expressão
artística. A produção dela comumente remete ao amor e à erotização de forma
lúdica.
Obra 'Vaga Lume' da artista plástica Valeska Soares |
‘Ela nunca
trabalhou com o discurso feminista, mas sempre falou sobre um lugar feminino,
do desejo, da luxúria, de culpa e prazer’, analisa Júlia Rebouças, que esteve à
frente da mostra.
A reflexão
sobre o feminino aparece também em outros trabalhos, como uma parede coberta
por filtros de café e uma peça em que um perfume escorre por uma echarpe de
pele animal com formato que lembra o de uma vagina.
Em alguns
casos, Soares recorre a narrativas ficcionais da literatura para tecer
experiências de intimidade e desejo que ultrapassam o campo individual e
alcançam a sensibilidade coletiva.
Conjunction, Punctuation, 2016, de Valeska Soares |
É o caso de
uma sala espelhada em que diferentes vozes nos alto-falantes comentam o conto ‘As
Cidades e o Desejo’, de Italo Calvino.
Nele, o
escritor fala de homens que sonham se encontrar com uma mulher que corre nua pela paisagem e então criam uma
cidade replicando os caminhos por onde a perderam de vista.
A partir
disso, Soares constrói um ambiente que, mesmo fechado entre quatro paredes,
sugere infinitas saídas devido ao efeito dos reflexos.
‘Valeska
pode até dizer que não, mas eu sinto uma constante presença das mulheres em
suas obras’, diz Rebouças.
Composta por
obras desde o início da carreira artística de Soares, a mostra não é
retrospectiva, já que isso, para ela, ‘é coisa de gente morta’.
Em outras
obras, Soares também trabalha com a
ironia. Uma delas é a escultura ‘Mar de Rosas’, de 1989, composta por uma
colcha bordada que se eleva a partir de um gancho de ferro.
Obra da Valeska Soares exposta na Pina Estação |
‘Eu estava
cansada de ouvir meus colegas dizerem que para fazer escultura era preciso ser
forte e suar. Assim, resolvi produzir uma escultura que, de tão leve, é
possível carregar no bolso’, recorda a artista.
Outro
trabalho que ocupa o centro de uma das três salas da mostra remete ao início da
vida de Soares nos Estados Unidos.
‘Untitled
(From Vanishing Point)’, de 1996, são vasos de cera de abelha, porcelana e
alumínio dispostos no museu na mesma posição em que estavam na sua primeira
casa de Nova York.
Soares
define seu trabalho como algo experimental. ‘Eu não sou aquela artista que
pinta. Faço uma ação kamikaze de resistir ferozmente aos anos’, ri a artista
que, aos 61, não aceita a ideia de meia idade.
‘Continuo
produzindo arte relevante e inquieta que converse com artistas jovens’.
Exposição ‘Entrementes’, da artista plástica Valeska
Soares
Pina Estação,
Largo General Osório, 66 .
Até 22/10,
De qua. a seg.
Das 10h às 17h30
Fonte: Isabella
Menon | FSP
(JA, Ago18)
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