Fotógrafo holandês mistura frustração, tristeza e tédio com estética de publicidade
Detalhe da fotografia do holandês Erwin Olaf da série ‘Keyhole’, de 2012 |
Se pudesse escolher, o fotógrafo
holandês Erwin Olaf teria o torso hiperdefinido, a boca fina e o rosto sem
rugas.
Ele, porém, sabe que não há muito o
que fazer. Como sofre de enfisema pulmonar desde 1996, o artista imagina que
viverá permanentemente com um cateter de oxigênio. A barba, sem fazer,
combinaria com os cabelos brancos e desgrenhados.
Olaf tem 58 anos. Ainda que esteja
mais próximo do pessimismo que pintou para si, ele não aparenta a idade que
tem. Entre a ambição e o temor, o certo é que ‘I Wish, I Am, I Will Be’ (eu
desejo, eu sou, eu serei), série de autorretratos que integra a primeira mostra
do holandês no país, expressa o tema central na obra do fotógrafo: a fantasia.
Desde o último sábado (10), o Museu
da Imagem e do Som de São Paulo repassa os últimos 15 anos da carreira de Olaf,
que despontou na década de 1980 com retratos em preto e branco de anões,
grávidas e obesos, quase totalmente nus e em poses eróticas que insinuam
dominação.
Desde então, o holandês ganhou
projeção tanto com trabalhos autorais sobre frustração, melancolia e tédio
quanto com peças publicitárias e ensaios de moda, sem definir limites rígidos
entre as áreas.
A estética das séries ‘Rain’ (chuva)
e ‘Keyhole’ (buraco da fechadura), por exemplo, remete a catálogos de alta
costura e de design de luxo. Aqui, porém, o pós-tratamento aplicado às imagens
oferece ares de ficção aos ensaios.
Por vezes, como na obra ‘Le Denier
Cri’ (o último grito), esses efeitos computadorizados são propositadamente
exagerados, com texturas artificiais e rostos distorcidos a partir da
introdução de objetos sob a pele. Olaf satiriza os excessos de cirurgias
plásticas e da obsessão pelo corpo perfeito.
Mas, na maioria das séries do
artista, o pós-tratamento, ainda que evidente, aparece de maneira mais sutil.
Reforça somente a ideia de que tudo se torna performance na presença de uma
câmera.
‘Quando tenho uma ideia’, conta Olaf
à Folha, por telefone, ‘chamo meus assistentes para discutir a imagem’.
‘Figurinista, produtor de objetos,
maquiador, todos participam dessa etapa. E então faço croquis básicos do que
vou fotografar’. Uma equipe de até dez pessoas, explica o artista, trabalha
para realizar uma só fotografia.
Em uma escala de megalomania, o
holandês fica atrás do fotógrafo americano Gregory Crewdson, cuja produções se
assemelham à do cinema. Ele não deixa, contudo, de impressionar pelas cenas
meticulosamente ensaiadas.
A mostra no MIS exibirá apenas uma
imagem da série ‘Grief’ (luto), uma das mais conhecidas do fotógrafo, na qual
imagina reações de americanos ao assassinato do ex-presidente J. F. Kennedy, em
1963. O vestuário parece feito para o elenco de ‘Mad Men’, e a paleta de cores
faz referência aos anos 1950 e 60.
Ninguém sorri nas imagens, e cada
movimento dos personagens é calculado, criando uma tensão incessante.
A angústia dos trabalhos de Olaf não
aparece no jeito de falar do fotógrafo, leve e gentil —o que não representa um
contrassenso, segundo ele. ‘Posso tomar café da manhã feliz e dormir triste,
isso é a vida’, afirma. ‘Só quero celebrar a liberdade do corpo, da
sexualidade, do indivíduo’.
Para Talita Virgínia, que assina a curadoria
da mostra com Cristiane de Almeida, as discussões sobre individualidade podem
ser vistas no vídeo ‘Separation’ (separação), de 2003, no qual pessoas
completamente cobertas por roupas de vinil aparecem em ações cotidianas.
‘Não é possível distinguir quem é
homem, mulher ou criança. Elas se unem pela prática de ações repetitivas, o que
faz com que elas nem se deem conta de quem são’, diz.
Ao todo, a exposição reúne 22
fotografias e dez vídeos, entre eles ‘Shangai’, obra inédita que emula outdoors
de metrópoles. O trabalho exibe vídeos verticalizados, nos quais mulheres se
dirigem ao espectador e fazem pedidos.
Detalhe de dois dos autorretratos de ‘I Wish, I Am, I Will Be’, de 2009 - Erwin Olaf |
Olaf utiliza a linguagem
publicitária, tão presente em sua obra, para mostrar os desejos dos jovens na
cidade chinesa, "efervescente e ao mesmo tempo com resquícios de uma
sociedade ditatorial", explica Talita.
Havia a possibilidade de que o
fotógrafo viesse ao Brasil para acompanhar a abertura da mostra. A ideia foi
abortada devido ao enfisema.
Questionado sobre o quanto a
melancolia de suas imagens representa quem ele é, Olaf diz que ‘em 24 horas
pode sair da tristeza profunda e entrar na mais alta felicidade’. ‘Hoje, no
entanto, estou numa praia em Bali, fugindo do frio europeu, então vou celebrar
a vida’.
ERWIN OLAF: TENSÃO
QUANDO de hoje (10), às 12h, até 8/4; de ter. a sáb.,
das 12h às 20h, dom. e feriados, das 11h às 19h;
ONDE MIS, av. Europa, 158, tel. (11) 2117-4777
QUANTO R$ 10 (inteira)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
Texto: Daigo Oliva
| FSP
(JA, Mar18)
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