Evento reúne peças de
estilistas feitas sob influência do catolicismo e tesouros do Vaticano
Manto de seda dourada de Yves Saint Laurent veste a Virgem |
O look extravagante
criado por esse estilista francês foi mesmo desenhado para vestir a imagem da
santa no altar de uma igreja, mas ressurge agora entre outras representações de
Maria ao longo dos séculos e criações de outros gigantes da moda para fins
menos divinos, dos desfiles nas passarelas às noites na boate.
Na maior
mostra de vestimenta de toda a sua história, com 150 looks dos maiores
estilistas do último século e 40 peças que jamais haviam deixado a sacristia da
Capela Sistina, em Roma, o Met parece querer provar que os papas, como os
artistas, são os mais fervorosos devotos da beleza.
Não é uma
beleza sem culpa. É fato que alguns homens no comando do Vaticano já declararam
indecentes certos luxos excessivos na indumentária, mas esse nunca foi um problema
para esses estilistas.
Nem para o
museu, que arma em torno de ‘Heavenly Bodies’, corpos celestiais, como batizou
a exposição, um dos maiores espetáculos. É desses momentos —deslumbrantes e
cafonas— que só a união do marketing das maisons, a indústria das celebridades
e uma coleção de arte estonteante pode orquestrar.
Toda
organizada em torno do baile de gala anual comandado por Anna Wintour, a
todo-poderosa editora da Vogue americana, o evento tem como espécie de
embaixatrizes a cantora pop Rihanna e a estilista Donatella Versace.
Criação do estilista Gianni Versace |
São do irmão
desta última, aliás, os looks reluzentes que abrem a mostra. No alto de
pedestais, manequins com peças metalizadas que Gianni Versace desenhou há duas
décadas inspirado pelos mosaicos de antigas igrejas italianas são como
sentinelas de olho nas peças de arte bizantina naquela ala do Metropolitan.
Jaqueta com cruz de couro dourado cravejada de cristais sobre o peito, do francês Chirstian Lacroix |
Mais adiante,
uma jaqueta de couro do estilista tem cruzes douradas com pedras preciosas que
lembram os objetos de culto dos altares. Outra peça parecida, criada por Christian
Lacroix, está exposta logo ao lado, com uma cruz de couro dourado cravejada de
cristais sobre o peito.
Mas o que
surge nas galerias seguintes é bem mais memorável. Peças do francês Jean Paul
Gaultier, um dos nomes mais irreverentes da moda, dominam uma ala da exposição
estruturada como uma procissão, criando um paralelo entre rituais católicos e o
aspecto teatral das passarelas.
Lá está um
vestido de seda preto com um ícone bordado que abre e fecha, como os relicários
dos altares ou trípticos medievais. Quando abertas, as abas de tecido revelam
uma imagem de Cristo ao mesmo tempo em que emolduram os seios de quem veste,
criando um decote sagrado e profano.
Vestido criado por Pierpaolo Piccioli para a Valentino, 2017 |
No centro da
galeria, como bispos e cardeais desfilando pela nave da igreja, estão modelos
mais etéreos, como um vestido criado no ano passado por Pierpaolo Piccioli para
a Valentino, uma enorme onda de tecido vermelho que lembra rubros mantos
clericais.
Toda essa
leveza, no caso, tem a ver com a ascensão —no sentido religioso— da Virgem
Maria. Noutro ponto dramático da exposição, um manequim preso no alto de um
arco na entrada da galeria veste um look branco e azul-celeste de Thierry
Mugler.
Nos anos 1980,
o estilista francês vestiu uma modelo com a peça e a pendurou do teto sobre uma
nuvem de gelo seco como o fim triunfal de um de seus desfiles em Paris.
Mas, enquanto
vestidos se esforçam para construir uma sensação de riqueza, o verdadeiro
núcleo duro do luxo na mostra está em duas galerias no subsolo do Metropolitan.
Nessa espécie
de cripta, estão as joias do Vaticano —tiaras e crucifixos de ouro cravejados
de diamantes, pérolas, safiras, esmeraldas e cristais.
Mais
impressionante das peças, a tiara papal usada por Pio 9º tem 19 mil pedras
preciosas em três níveis de adornos, um bolo de noiva a traduzir todo o poder
eclesiástico.
Os mantos
bordados de seda colorida feitos no século 19 para o mesmo papa têm efeito
visual parecido, com fios reluzentes que dão um aspecto quase holográfico aos
episódios bíblicos retratados neles.
Mesmo peças
menos extravagantes ilustram a relação do Vaticano com os estilistas. Entre
elas, a túnica e os marcantes sapatos vermelhos usados pelo papa João Paulo 2º,
sinal de que moda e religião permaneceram entrelaçadas.
Texto: Silas Marti |
FSP
(JA, Mai18)
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