terça-feira, 8 de maio de 2018

Exposição no Metropolitan mostra poder da igreja na moda



Evento reúne peças de estilistas feitas sob influência do catolicismo e tesouros do Vaticano


Manto de seda dourada de Yves Saint Laurent veste a Virgem
 A Virgem veste Yves Saint Laurent. Na ala de esculturas medievais do Metropolitan, seu manto de seda dourada brilha sob os holofotes, um dos pontos altos da exposição do museu nova-iorquino sobre como o imaginário católico influenciou a moda.


O look extravagante criado por esse estilista francês foi mesmo desenhado para vestir a imagem da santa no altar de uma igreja, mas ressurge agora entre outras representações de Maria ao longo dos séculos e criações de outros gigantes da moda para fins menos divinos, dos desfiles nas passarelas às noites na boate.

Na maior mostra de vestimenta de toda a sua história, com 150 looks dos maiores estilistas do último século e 40 peças que jamais haviam deixado a sacristia da Capela Sistina, em Roma, o Met parece querer provar que os papas, como os artistas, são os mais fervorosos devotos da beleza.

Não é uma beleza sem culpa. É fato que alguns homens no comando do Vaticano já declararam indecentes certos luxos excessivos na indumentária, mas esse nunca foi um problema para esses estilistas.

Nem para o museu, que arma em torno de ‘Heavenly Bodies’, corpos celestiais, como batizou a exposição, um dos maiores espetáculos. É desses momentos —deslumbrantes e cafonas— que só a união do marketing das maisons, a indústria das celebridades e uma coleção de arte estonteante pode orquestrar.

Toda organizada em torno do baile de gala anual comandado por Anna Wintour, a todo-poderosa editora da Vogue americana, o evento tem como espécie de embaixatrizes a cantora pop Rihanna e a estilista Donatella Versace.
Criação do estilista Gianni Versace


São do irmão desta última, aliás, os looks reluzentes que abrem a mostra. No alto de pedestais, manequins com peças metalizadas que Gianni Versace desenhou há duas décadas inspirado pelos mosaicos de antigas igrejas italianas são como sentinelas de olho nas peças de arte bizantina naquela ala do Metropolitan.

Jaqueta com cruz de couro dourado cravejada de cristais sobre o peito, do francês Chirstian Lacroix


Mais adiante, uma jaqueta de couro do estilista tem cruzes douradas com pedras preciosas que lembram os objetos de culto dos altares. Outra peça parecida, criada por Christian Lacroix, está exposta logo ao lado, com uma cruz de couro dourado cravejada de cristais sobre o peito.


Mas o que surge nas galerias seguintes é bem mais memorável. Peças do francês Jean Paul Gaultier, um dos nomes mais irreverentes da moda, dominam uma ala da exposição estruturada como uma procissão, criando um paralelo entre rituais católicos e o aspecto teatral das passarelas.

Lá está um vestido de seda preto com um ícone bordado que abre e fecha, como os relicários dos altares ou trípticos medievais. Quando abertas, as abas de tecido revelam uma imagem de Cristo ao mesmo tempo em que emolduram os seios de quem veste, criando um decote sagrado e profano.
Vestido criado por Pierpaolo Piccioli para a Valentino, 2017


No centro da galeria, como bispos e cardeais desfilando pela nave da igreja, estão modelos mais etéreos, como um vestido criado no ano passado por Pierpaolo Piccioli para a Valentino, uma enorme onda de tecido vermelho que lembra rubros mantos clericais.




Toda essa leveza, no caso, tem a ver com a ascensão —no sentido religioso— da Virgem Maria. Noutro ponto dramático da exposição, um manequim preso no alto de um arco na entrada da galeria veste um look branco e azul-celeste de Thierry Mugler.

Nos anos 1980, o estilista francês vestiu uma modelo com a peça e a pendurou do teto sobre uma nuvem de gelo seco como o fim triunfal de um de seus desfiles em Paris.

Mas, enquanto vestidos se esforçam para construir uma sensação de riqueza, o verdadeiro núcleo duro do luxo na mostra está em duas galerias no subsolo do Metropolitan.

Nessa espécie de cripta, estão as joias do Vaticano —tiaras e crucifixos de ouro cravejados de diamantes, pérolas, safiras, esmeraldas e cristais.



Mais impressionante das peças, a tiara papal usada por Pio 9º tem 19 mil pedras preciosas em três níveis de adornos, um bolo de noiva a traduzir todo o poder eclesiástico.

Os mantos bordados de seda colorida feitos no século 19 para o mesmo papa têm efeito visual parecido, com fios reluzentes que dão um aspecto quase holográfico aos episódios bíblicos retratados neles.

Mesmo peças menos extravagantes ilustram a relação do Vaticano com os estilistas. Entre elas, a túnica e os marcantes sapatos vermelhos usados pelo papa João Paulo 2º, sinal de que moda e religião permaneceram entrelaçadas.



Texto: Silas Marti   |   FSP



(JA, Mai18)

Nenhum comentário:

Postar um comentário