Exposição de arte belga
em São Paulo é oportunidade para descobrir muita pintura desconhecida
Em matéria de pintura moderna, a
Bélgica não conta com muita gente conhecida.
A exceção é o surrealista René
Magritte, 1898-1967, cujo quadro de um cachimbo com os dizeres ‘Isto Não é um
Cachimbo’ é tão famoso que ninguém, a rigor, deveria se importar muito se
aparece ou deixa de aparecer numa exposição de arte.
Há algo de particular, de silencioso
e de magnético em alguns outros quadros de Magritte, mas ele é mais um criador
de paradoxos visuais do que um artista plástico: não traz uma nova maneira de
ver o mundo, ou de pintar o que tem dentro de si.
Ao contrário, parece fazer questão de
manter o máximo de convencionalidade na cor e no desenho, um pouco como o
comediante Buster Keaton se especializou em fazer gags sem mover um músculo do
rosto.
Certamente não é Magritte a principal
atração da mostra ‘Cem Anos de Arte Belga’, em cartaz até 10 de junho no
Centro Cultural Fiesp (avenida Paulista, 1.313, entrada grátis). Um quadro
dele, com torsos femininos cinzentos, não faz má figura. Mas o interessante é
descobrir outros artistas belgas do século 20, pouco ou nada conhecidos por
aqui.
Gosto mais de quadros bem escuros, de
modo que as versões belgas do impressionismo e do pontilhismo (a escola ‘luminista’),
como aquele mar de margaridas de Emile Claus, 1849-1924, parecem cansativos
pelo excesso de sol.
Théo van Rysselberghe, 1862-1926, é o
nome mais conhecido desse grupo, mas seu ‘Retrato de Claire Demolder’ convence
pouco, com a expressão desafiadora da modelo surgindo deslocada no meio de uma
infinidade de tracinhos, mosquitinhos e libélulas de todas as cores na roupa,
na poltrona e na parede.
Outro pintor de grande importância na
arte belga é James Ensor, 1860-1949, que colocou a superabundância de cores a
serviço de uma imaginação descontrolada: seus carnavais de caveiras, desfiles
de máscaras e festivais grotescos têm um representante tímido na Fiesp —mas ali
há também uma grande natureza-morta, conflagrada de vermelho, digna de se tirar
o chapéu.
Em matéria de esqueletos, o melhor é
o de outro surrealista, Paul Delvaux, 1897-1994, finamente desenhado, com
toques de branco, rosa, amarelo, azul —todas as cores que você quiser, mas
contidas e replicadas em sombra no fundo do quadro.
Delvaux é um interessante meio termo:
ao mesmo tempo ‘certinho’ e imóvel como Magritte, e com uma malignidade, uma
perversão mais próximas de Ensor.
Outros pintores fazem ótimo trabalho,
seguindo a simpatia mais operária e rústica do modernismo de Léger (é o caso do
casal de marinheiros e do sanfoneiro de Gustave de Smet) ou o gesto rude,
masculino de Roger de La Fresnaye (num vigoroso e escuríssimo retrato de
Constant Permeke). Mas, de certo modo, esses artistas todos parecem em busca de
uma identidade própria.
Um mundo desbragado de fantasia
—impregnado de presságio e morte— facilmente se nutre com raízes medievais e
barrocas, mas também terá sido estimulado pela sorte de um país brutalizado
militarmente na Primeira Guerra Mundial.
Morte e
escuridão: ninguém melhor para retratar isso do que Léon Spilliaert, 1881-1946,
que, infelizmente, só aparece com dois pequenos quadros no Centro Cultural
Fiesp. São como a paisagem de quem acorda de um pesadelo —e percebe que ainda
está dentro dele. Uma faixa branco-pardacenta representa a praia, uma rua, um
canal: o mundo em volta já parece ter desaparecido. É noite.
100 Anos de Arte Belga – Do Impressionismo ao
Abstracionismo
Centro Cultural Fiesp, São Paulo - Avenida
Paulista, 1.313. Tel.: 3146-7000.
3ª a sáb., 10h às 22h. Dom., 10h às 20h – até 10 de junho
Grátis.
Texto:
Marcelo Coelho | FSP
(JA, Abr18)
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