Em
Madri, artistas nacionais fazem mostra paralela à Arco, tradicional evento e
porta de entrada no mercado europeu
A
Casa do Brasil foi tomada.
Essa
construção modernista em Madri, propriedade do governo, foi ocupada nos últimos
dias por artistas brasileiros, entre eles Carla Chaim, Ding Musa e Nino Cais.
Eles afastaram os móveis, arrancaram um mural e instalaram suas próprias obras.
O coletivo
inaugura a exposição gratuita ‘Ação e Reação’, na sexta (23), em paralelo à
Arco, a tradicional feira espanhola de arte. O projeto é organizado pela
embaixada do Brasil e financiado pelo Ministério das Relações Exteriores, com
apoio institucional do Ministério da Cultura.
A Arco é uma
importante porta de entrada para artistas brasileiros no mercado europeu. Na
edição de 2017, as galerias nacionais presentes fecharam negócios de R$ 4,8
milhões. Mas esta é a primeira vez que o governo aproveita o evento para
incentivar a produção nacional dessa maneira. O cantor Arnaldo Antunes se
apresentará na abertura.
A exposição
serve de ensaio para um possível próximo passo, um projeto da embaixada de
inaugurar uma residência artística na Casa do Brasil, onde o Estado gerencia
125 quartos mobiliados.
A instituição
foi criada em 1962 num terreno cedido pela Espanha para uso perpétuo. Hoje
serve de escola de português e residência universitária, com desconto a
hóspedes brasileiros. A casa se financia com seus próprios projetos e não
recebe verba adicional.
Horizontal
Sete artistas
estarão presentes na abertura: Carla Chaim, Carlos Nunes, Ding Musa, Marlon de
Azambuja, Nino Cais, Sara Ramo e Victor Leguy. Há também uma obra de André
Komatsu, que não pôde viajar a Madri. Além deles, outros 18 brasileiros expõem
com vídeos.
A curadoria
foi coletiva, com as decisões tomadas em grupo —quando visitamos o local,
durante os preparativos, os criadores ajudavam nas montagens uns dos outros. ‘É
muito importante que seja horizontal, uma intersecção entre os artistas’, diz
Chaim. ‘É um projeto mais sobre o coletivo, sobre a ocupação do espaço, e não
faz sentido falar em projetos individuais’, afirma Musa.
Montagem da exposição, com os móveis do saguão da casa empilhados pelos
artistas
Foi coletiva,
por exemplo, a decisão de remover os móveis do saguão e empilhá-los em um
depósito. Os objetos, ordenados de modo a lembrar o Congresso Nacional,
tornaram-se uma obra, ainda sem um título (‘ocupação?’, cogita Musa, quando
fala à reportagem). ‘É uma intervenção mediada pela situação política
brasileira’, afirma.
Os escândalos
de Brasília, entre acusações de golpe e investigações de corrupção, reaparecem
de alguma forma na exposição. Mesmo o fato de a mostra ser financiada pelo
governo impactou a maneira de pensar o espaço. 'Essa é uma verba pública e
existe uma responsabilidade social de como gastamos ela', diz Musa.
Herança
Outro projeto
que evoca o Brasil são as diminutas esculturas de Chaim, objetos geométricos
que lembram a linha horizontal da arquitetura paulistana. Ela teve a ideia do
trabalho ao chegar à construção e ver o ambiente disponível —uma mesa diante de
uma parede de vidro, através da qual se vê uma avenida.
As obras dela
e de outros artistas também foram afetadas pelo vaivém de alunos de português
da instituição. ‘Sentimos a dinâmica do lugar, com as pessoas nos perguntando
sobre os nossos trabalhos’, diz Victor
Leguy. ‘Essa
foi uma maneira de criarmos uma ponte para esse mundo que é às vezes hermético’.
‘É um projeto
muito físico, propondo outra experiência, mudando as salas, movendo os móveis,
quase uma declaração de intenção’, diz Azambuja. ‘É da natureza do artista
enfrentar um espaço’.
Azambuja
pintou de cinza uma planta do tipo hera-do-diabo e posicionou seu vaso no
saguão. A instalação, que ele já fez em outras ocasiões, prevê que as folhas do
vegetal caiam com o tempo —a mostra fica aberta por três meses— e percam assim
a tinta.
Com isso, ele
tenta representar sua própria ideia de herança cultural. ‘É um objeto, algo
físico que seus pais lhe deixaram. Mas, apesar do que esperam de você, sua vida
encontra outro caminho’.
O artista é
representado pela galeria Marilia Razuk, presente na Arco. A Raquel Arnaud que
representa Chaim, Carlos Nunes e Ding
Musa—, a Vermelho e a Casa Triângulo também estão na feira. Brasileiros
expõem, ainda, pelas espanholas Ponce+Robles e Max Estrella.
Texto: Diogo Bercito, Madri |
FSP
(JA, Fev18)
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