quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Brasileiros se firmam em feira espanhola


Em Madri, artistas nacionais fazem mostra paralela à Arco, tradicional evento e porta de entrada no mercado europeu

           Detalhe de ‘Impressões’ (2018), obra que a artista Carla Chaim apresenta na exposição                ‘Ação e Reação’


A Casa do Brasil foi tomada.
Essa construção modernista em Madri, propriedade do governo, foi ocupada nos últimos dias por artistas brasileiros, entre eles Carla Chaim, Ding Musa e Nino Cais. Eles afastaram os móveis, arrancaram um mural e instalaram suas próprias obras.
O coletivo inaugura a exposição gratuita ‘Ação e Reação’, na sexta (23), em paralelo à Arco, a tradicional feira espanhola de arte. O projeto é organizado pela embaixada do Brasil e financiado pelo Ministério das Relações Exteriores, com apoio institucional do Ministério da Cultura.
A Arco é uma importante porta de entrada para artistas brasileiros no mercado europeu. Na edição de 2017, as galerias nacionais presentes fecharam negócios de R$ 4,8 milhões. Mas esta é a primeira vez que o governo aproveita o evento para incentivar a produção nacional dessa maneira. O cantor Arnaldo Antunes se apresentará na abertura.
A exposição serve de ensaio para um possível próximo passo, um projeto da embaixada de inaugurar uma residência artística na Casa do Brasil, onde o Estado gerencia 125 quartos mobiliados.
A instituição foi criada em 1962 num terreno cedido pela Espanha para uso perpétuo. Hoje serve de escola de português e residência universitária, com desconto a hóspedes brasileiros. A casa se financia com seus próprios projetos e não recebe verba adicional.
Horizontal
Sete artistas estarão presentes na abertura: Carla Chaim, Carlos Nunes, Ding Musa, Marlon de Azambuja, Nino Cais, Sara Ramo e Victor Leguy. Há também uma obra de André Komatsu, que não pôde viajar a Madri. Além deles, outros 18 brasileiros expõem com vídeos.
A curadoria foi coletiva, com as decisões tomadas em grupo —quando visitamos o local, durante os preparativos, os criadores ajudavam nas montagens uns dos outros. ‘É muito importante que seja horizontal, uma intersecção entre os artistas’, diz Chaim. ‘É um projeto mais sobre o coletivo, sobre a ocupação do espaço, e não faz sentido falar em projetos individuais’, afirma Musa.
            Montagem da exposição, com os móveis do saguão da casa empilhados pelos artistas

Foi coletiva, por exemplo, a decisão de remover os móveis do saguão e empilhá-los em um depósito. Os objetos, ordenados de modo a lembrar o Congresso Nacional, tornaram-se uma obra, ainda sem um título (‘ocupação?’, cogita Musa, quando fala à reportagem). ‘É uma intervenção mediada pela situação política brasileira’, afirma.
Os escândalos de Brasília, entre acusações de golpe e investigações de corrupção, reaparecem de alguma forma na exposição. Mesmo o fato de a mostra ser financiada pelo governo impactou a maneira de pensar o espaço. 'Essa é uma verba pública e existe uma responsabilidade social de como gastamos ela', diz Musa.
Herança 
Outro projeto que evoca o Brasil são as diminutas esculturas de Chaim, objetos geométricos que lembram a linha horizontal da arquitetura paulistana. Ela teve a ideia do trabalho ao chegar à construção e ver o ambiente disponível —uma mesa diante de uma parede de vidro, através da qual se vê uma avenida.
As obras dela e de outros artistas também foram afetadas pelo vaivém de alunos de português da instituição. ‘Sentimos a dinâmica do lugar, com as pessoas nos perguntando sobre os nossos trabalhos’, diz Victor
Leguy. ‘Essa foi uma maneira de criarmos uma ponte para esse mundo que é às vezes hermético’.
‘É um projeto muito físico, propondo outra experiência, mudando as salas, movendo os móveis, quase uma declaração de intenção’, diz Azambuja. ‘É da natureza do artista enfrentar um espaço’.
Azambuja pintou de cinza uma planta do tipo hera-do-diabo e posicionou seu vaso no saguão. A instalação, que ele já fez em outras ocasiões, prevê que as folhas do vegetal caiam com o tempo —a mostra fica aberta por três meses— e percam assim a tinta.
Com isso, ele tenta representar sua própria ideia de herança cultural. ‘É um objeto, algo físico que seus pais lhe deixaram. Mas, apesar do que esperam de você, sua vida encontra outro caminho’.
O artista é representado pela galeria Marilia Razuk, presente na Arco. A Raquel Arnaud que representa  Chaim, Carlos Nunes e  Ding  Musa—, a Vermelho e a Casa Triângulo também estão na feira. Brasileiros expõem, ainda, pelas espanholas Ponce+Robles e Max Estrella.

Texto: Diogo Bercito, Madri   |   FSP


(JA, Fev18)

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