Líder de mais de 40 herdeiros,
Tarsilinha comanda espólio e licencia direitos para filmes, roupas e chinelos
Autorretrato de Tarsila do Amaral de 1923, também conhecido como 'Manteau Rouge' |
Se a obra de Tarsila do
Amaral transita hoje tanto em exposições internacionais de instituições do
quilate do Museu de Arte Moderna de Nova York quanto na capa de cadernos de
escola, na estamparia de coleções, no colorido de sandálias de dedo, em rótulos
de vinhos, caixas de lápis, quebra-cabeças e calendários é pela movimentação de
sua sobrinha-neta homônima.
Tarsilinha do Amaral, como é
conhecida, é ao mesmo tempo embaixatriz e empresária do espólio da pintora
modernista há mais de 20 anos.
Neste período, ela articulou
exposições no Brasil e no exterior. E viu as oportunidades de negócios com os
direitos autorais das obras da tia, detidos por sua família, proliferarem à
medida que crescia o prestígio e o reconhecimento da produção da autora de ‘Abaporu’,
de 1928.
A tela, que pertence ao
acervo do Malba, de Buenos Aires, inspirou o ‘Manifesto Antropófago’, escrito
pelo poeta e marido da artista, Oswald de Andrade, e segundo o qual a arte
vanguardista europeia, deglutida e digerida em terras brasileiras, daria origem
a uma produção nacional única e original.
Tarsila é hoje o ícone
globalizado do modernismo brasileiro produzido a partir desta ideia.
E Tarsilinha, 54, viu a
administração do espólio da tia-avó tomar cada vez mais o espaço de sua carreira
como cavaleira e professora de hipismo.
‘Há 20 anos, eu montava a
cavalo todos os dias, o dia todo. E abria o e-mail de vez em quando para cuidar
de um ou outro assunto relacionado às obras da Tarsila’, lembra ela.
‘Naquela época, nenhuma
empresa queria pagar royalties para uma artista plástica brasileira. Só existia
licenciamento do Mickey e da Xuxa. E nada de arte’, brinca, sobre suas visitas
a empresários em busca de parcerias.
Modelo da coleção primavera-verão 2018 da Osklen, inspirada na artista |
Hoje, Tarsilinha celebra a
reedição de algumas peças da exitosa coleção que a marca Osklen desfilou em
2017, inspirada em pinturas de Tarsila, tia. E destaca a parceria com as
Havaianas, que criaram três modelos de sandálias estampadas com as pinturas ‘A Cuca’,
‘Postal’ e ‘Antropofagia’.
‘Isso para mim é uma
conquista, que ajuda a abrir os olhos das pessoas para a obra ela’, diz. ‘Sei
que os historiadores e críticos têm uma relação purista com as obras, mas a
gente tem que popularizar a arte. Minha tia está se tornando um ícone também
por causa deste tipo de trabalho’, defende ela.
Tarsilinha reconhece também
que esse tipo de uso das pinturas serve a uma questão financeira. ‘Sofro
pressão de mais de 40 herdeiros, que querem saber quanto vão ganhar. Mas não faço
nada que eu ache que pode prejudicar a imagem da minha tia’, avalia. ‘Eu
popularizo de um lado e, do outro, ela se mantém como o maior artista
brasileiro’.
É assim, no masculino, que a
sobrinha-neta de Tarsila se refere à posição da pintora na história da arte
brasileira. ‘Se digo que ela é a maior artista brasileira, parece que estou
falando apenas das mulheres. Tarsila é a maior entre todos’.
O que poderia parecer só uma
frase de efeito ou um jogo de marketing hoje tem respaldo em evidências, por trás
das quais quase sempre Tarsilinha está puxando os fios.
Em 2006, iniciou a produção
do catálogo raisonné de Tarsila, com toda a produção da artista documentada.
Em 2011, Tarsilinha passou a
investir num sonho mais ambicioso. Foi a Chicago e procurou a equipe de
curadores do Art Institute. ‘Fiquei impressionada com o conhecimento sobre arte
brasileira da curadora Stephanie D'Alessandro. Ela se mostrou interessada na
ideia de fazer uma mostra da Tarsila’.
Cinco anos depois, numa noite
chuvosa em que dirigia rumo a um concerto na Sala São Paulo, Tarsilinha recebeu
um telefonema inesperado de D'Alessandro.
A curadora queria lhe contar
que, além de ter encontrado uma data em 2017 para a exposição de Tarsila do
Amaral em Chicago, agora seu colega Luiz Pérez-Oramas, então curador do MoMA,
queria levar a mesma mostra para o maior museu de arte do mundo, em Nova York. ‘Eu
parei o carro e só chorava’, conta.
Os anos de 2017 e 2018,
portanto, marcaram a descoberta da obra de Tarsila pelo mundo, transformando-a numa
espécie de Frida Kahlo tupiniquim.
‘Este é um momento muito rico
para a obra da Tarsila porque houve, por meio da sua obra, uma
internacionalização da arte brasileira em geral e do modernismo brasileiro em
especial’, avalia a curadora e historiadora da arte Regina Teixeira de Barros,
coordenadora de pesquisa do catálogo raisonné da artista.
Para ela, além do prestígio
agora global da obra da pintora brasileira, o momento é positivo também por
lançar novos olhares sobre sua produção e seu legado. ‘Quanto mais gente
olhando e estudando uma obra, mais contextos surgem para ela. É sempre
interessante mexer com os cânones e as certezas’, diz.
A Lua’, 1928 |
‘
Os reflexos no mercado vieram
rápido e, em fevereiro deste ano, o MoMA anunciou a compra da tela ‘A Lua’, de
Tarsila, para seu acervo. Não houve divulgação do valor oficial da venda, mas
circulou que a aquisição teria sido por US$ 20 milhões (R$ 77 milhões), o valor
mais alto já pago por uma obra de pintor brasileiro. O recorde anterior era de ‘Vaso
de Flores’, de Alberto da Veiga Guignard, vendido por R$ 5,7 milhões em 2015.
Como, em arte, tudo se
transforma em valor, quem tem uma tela de Tarsila para pendurar na parede só
tem a comemorar, assim como a família da artista.
‘É difícil saber o que vai
acontecer agora do ponto de vista do mercado’, pondera o marchand brasileiro
Paulo Kuczynski, que intermediou a aquisição do MoMA. ‘É algo que chama a
atenção, claro. Mas não é que porque apareceu novo valor de mercado que os
colecionadores vão vender suas obras. Eles vão é ficar envaidecidos e
orgulhosos’.
Para ele, a grande
repercussão em torno desta transação recai sobre a arte brasileira. ‘Tarsila
passou do modernismo brasileiro para o modernismo universal, lado a lado das
obras-primas do modernismo, no melhor museu do mundo. Tarsila agora vai
conviver com tudo o que foi feito de melhor’, diz.
Pode não ser coincidência, no
entanto, que justamente agora sejam ofertados no mercado alguns objetos
pessoais da artista, cujo valor como documento ganhou amplo espectro de
especulação.
São dois cadernos Moleskine
em que Tarsila rascunhou quadros, registrou ideias e apontou palavras que
aprendia na Paris dos anos 1920. E um álbum de viagens que evidencia a vida
cosmopolita da artista à frente de seu tempo.
Curadores e críticos avaliam
que os objetos têm alto valor documental, ainda que não sejam objetos de arte,
e questionam o fato de não haver intenção da família de doá-los para
instituições públicas.
Sem revelar o valor dos
objetos, Tarsilinha justifica: ‘Não tenho poder aquisitivo para doar algo que
tem um valor tão alto’.
Tarsila ao lado do quadro 'Segunda Classe, tela da fase social da pintora, 1961 |
Na esteira da
consagração de Tarsila, a artista, Tarsilinha prepara uma
série de novos produtos da tia.. Em
2020, está previsto o lançamento de documentário sobre a vida da pintora e um
desenho animado, desenvolvido pela equipe criadora do ‘Peixonauta’.
Ainda sem data de lançamento,
Tarsilinha desenvolve há seis anos um filme biográfico sobre a tia-avó, cujo
principal parceiro até agora é o produtor britânico Simon Eagan, responsável
pelo longa premiado ‘O Discurso do Rei’. ‘A ideia é fazer um filme global para
continuar levando Tarsila para o mundo’.
Fonte: Fernanda Mena |
FSP
(JA, Abr19)
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