Em uma controversa reforma de 400 milhões de dólares, o
MoMA fechará as portas por quatro meses para adequar-se aos ditames da era da
inclusão
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Projeto de reforma de US$ 400 milhões; deve ficar pronto até 2020 |
Em 1984, o
Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) inaugurou, sob aplauso crítico geral,
a ambiciosa exposição ‘Primitivismo na Arte do Século XX: Afinidade do Tribal e do Moderno’.
A mostra
contrapunha 150 obras modernistas, de medalhões como Gauguin e Brancusi, a mais
de 200 objetos tribais, em um exercício de olhar para além do próprio umbigo (a
arte europeia/ocidental) e valorizar as produções de diferentes origens. A
iniciativa era embalada por um discurso cheio de boas intenções — mas não teve o
efeito esperado.
Semanas
depois da abertura, a revista Artforum, referência na área, saiu com longo
artigo que condenava o museu por ‘reduzir’ a arte indígena de outros
continentes a mera fonte de matéria-prima. O autor, Thomas McEvilley, disse
que a exposição exemplificava ‘a autoreferência ocidental autista’ ao
relacionar-se com o diferente. Ferida, a instituição reagiu, e McEvilley
aumentou o tom das críticas, em embate que só se inflamou.
Passados 35
anos, o MoMA faz uma nova tentativa de ampliar seus horizontes. Em 15 de junho,
em plena abertura da estação turística americana, trancará as portas para uma
reforma — será a primeira vez, em seus noventa anos de história, que fechará
para valer, sem a busca de um local para funcionamento provisório.
Quando
reabrir, mais de quatro meses depois, em 21 de outubro, terá não apenas ganho
3700 metros quadrados de novos espaços, em uma reforma orçada em 400 milhões de
dólares, mas passado por um reexame de identidade, a fim de contemplar a
palavra mágica do momento — diversidade.
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'Les Demoiselles d’Avignon', de Picasso |
Ao lado de
obras como ‘A Noite Estrelada’, de Vincent van Gogh, e ‘Les Demoiselles
d’Avignon’, do misógino Pablo Picasso, haverá telas de mais artistas mulheres,
negros, latinos, asiáticos. Em geral, são itens que já pertencem ao acervo do
museu, mas que os curadores frequentemente mantinham sob o ar condicionado dos
depósitos — em outras palavras, estavam na geladeira.
Abre-se
espaço para trabalhos como ‘Janela de uma Garota Negra’, 1969, da
afro-americana Betye Saar, que está hoje com 92 anos. A pintora é uma exceção
estatística: um estudo recente examinou as coleções de dezoito dos principais
museus dos Estados Unidos, e concluiu que 85% dos artistas são brancos e 87%
são homens. ‘Não queremos esquecer nossas raízes como a maior coleção de arte
modernista, mas o museu não dava destaque ao trabalho de artistas mulheres, ao
que as minorias estavam fazendo, e era limitado em sua geografia’, declarou
Leon Black, presidente do MoMA.
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‘Janela de uma Garota Negra’, de Betye Saar |
O local, de
fato, formou sua coleção com pesado viés na arte francesa pós-impressionista e
modernista, além da produção modernista americana.
Mas hoje tem a concorrência de outras
instituições, como o Museu Whitney, que se instalou num prédio novo em 2015.
Enquanto isso, espaços como a pequena Neue Gallerie, inaugurada em 2001, na
Quinta Avenida, começaram a reparar a negligência histórica com a arte
austríaca e alemã, agravada com a rivalidade resultante das duas grandes
guerras.
Pois mais
uma vez a iniciativa edificada conforme a cartilha contemporânea da boa
intenção — e da inclusão, e do empoderamento, e de mais termos afins — não tem
sido festejada como planejado.
A primeira
das controvérsias: para construir a nova ala, foi preciso passar com os
tratores por cima do belíssimo prédio do Museu do Folclore, inaugurado em 2001
e celebrado por seu valor arquitetônico e cultural.
‘Para que
desperdiçar tantos milhões em prédios em áreas tão valorizadas em vez de se
expandir para locais carentes de cultura?’, questionam as pessoas. Quem
procurar por respostas não tardará a encontrá-las. O MoMA vendeu por 125
milhões de dólares um terreno contíguo à nova ala.
Ele abriga
uma recém-lançada torre residencial de 320 metros de altura, projetada pelo
francês Jean Nouvel, que tem como charme extra um acesso exclusivo à sede do
venerando museu — um daqueles luxos imprecificáveis, que ganham preço certo na
mão dos corretores (uma cobertura ali custa 63 milhões de dólares). Ou seja: ao
lado dos atualíssimos propósitos de expandir a visão de arte e ouvir mais
vozes, há os velhíssimos interesses pecuniários.
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‘A Lua’, 1928, de Tarsila do Amaral |
Quando o
MoMA reabrir, em outubro, a exposição principal será ‘O Sul Moderno: Jornadas
na Abstração’, de arte latino-americana e baseada nas doações da colecionadora
venezuelana Patricia Phelps de Cisneros — entre elas, obras dos brasileiros
Lygia Clark e Hélio Oiticica. Ainda não há previsão para exibir a tela ‘A Lua’,
1928, da paulista Tarsila do Amaral, adquirida em fevereiro por estimados 20
milhões de dólares - o valor mais alto já pago por um trabalho de pintor
brasileiro.
O preço das
obras, a propósito, é um desafio para que o mundo conheça melhor nossa
batucada. ‘Os modernistas brasileiros chegaram primeiro aos colecionadores, o
que os torna hoje muito caros para os museus’, diz a espanhola Iria Candela,
curadora especializada em arte latino-americana e contratada do Museu
Metropolitan.
Se ainda não
são tantos nas paredes, os brasileiros ao menos se mostram numerosos pelos
corredores — entre os mais de 900 000 turistas do país que a maior cidade dos
Estados Unidos estima ter recebido em 2018, 63% são frequentadores de museus e
galerias de arte.
Fonte: Lúcia Guimarães, de Nova York |
Veja
(JA, Abr19)
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