Na revista ‘New Yorker’, saiu
interessante matéria sobre a americana Gyo Fukikawa, 1908-1998. Ilustradora e
escritora de livros infantis que se expressava com traços de singular
delicadeza e inspiração. Filha de imigrantes japoneses que trabalhavam na
viticultura da Califórnia, Gyo desde cedo mostrou seu talento.
Na escola, teve dificuldade
para se ambientar entre colegas brancos; mas um professor percebeu seu
potencial e a estimulou a se candidatar para uma bolsa no CalArts, instituto de
artes plásticas.
Chegou a interromper os
estudos para passar um ano no Japão e contatar vários artistas do país; a
influência da arte japonesa marcaria sua obra. De volta à Califórnia, terminou
o curso e foi contratada pelos estúdios Disney, onde participou dos desenhos
promocionais para o célebre filme ‘Fantasia’.
Em 1941, a Disney a
transferiu para a sucursal de Nova York. Isso a livrou dos campos de
concentração - após o ataque de Pearl Harbor,
confinaram a colônia japonesa residente na costa do Pacífico, atendendo a
suspeitas de espionagem jamais confirmadas. A medida atingiu cerca de 120.000
pessoas (em sua maioria, cidadãos americanos), inclusive os pais e o irmão de
Gyo. Ela passou a se sentir culpada por
não ter sofrido a mesma provação.
Em Nova York, não demorou a
iniciar sua carreira autônoma como ilustradora de livros. Nos anos 50,
quebrando uma prática tradicional, conseguiu que seu trabalho fosse remunerado
não por uma quantia fixa, mas em direitos autorais correspondentes a um
porcentual sobre as vendas.
Depois de vários sucessos,
Gyo lançou em 1963 o primeiro livro infantil de sua autoria, ‘Babies’. Teve a
ideia de apresentar uma variedade étnica de bebês – ‘bebezinhos negros,
asiáticos, todos os tipos...’ O editor relutou, temendo que imagens de bebês
negros prejudicassem as vendas no Sul dos Estados Unidos.
Ela insistiu, e o livro saiu
como pretendia; foi um best-seller, com cerca de dois milhões de exemplares
vendidos, traduções para vinte idiomas. Esse livro entrou para a história como o primeiro livro
infantil com personagens multiétnicos.
Diferenciadas, mas
universais, as figuras de Gyo cativam os leitores. Com raras presenças de
adultos, quem domina a cena são tipicamente crianças de rosto redondo, com
pontinhos pretos representando os olhos. Nem sempre crianças exultantes de
alegria − também aparecem emoções infantis, como solidão ou raiva. Contava um
livreiro que a filha de um cliente se emocionou tanto com o choro de uma
criancinha mostrada em ‘Babies’ que foi buscar seu cobertor e o colocou na
página do livro a fim de consolá-la...
Acometida por glaucoma e mal
de Parkinson, Gyo foi cessando de escrever. Estava no final da vida
Sinto-me lisonjeada − contou a um entrevistador −
quando me perguntam como consigo captar tão bem o modo de pensar e sentir das
crianças. Não tive filhos, e minha infância não foi maravilhosa, mas é que
talvez eu própria ainda me conserve como criança. Acho que uma parte de mim
nunca chegou a crescer.
Imagens publicadas
na 'New Yorker', por cortesia da Sterling Publishing Co.
Fonte: Antônio
Carlos Boa Nova | AMDG
(JA, Ago19)
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