quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Vazio conduz exposição conjunta de Calder e Picasso na França


Netos dos artistas tiveram a ideia de juntar as criações do pai do cubismo com as do escultor americano


A relação entre as obras do espanhol Pablo Picasso (1881-1973) e do americano Alexander Calder (1898-1976) com o vazio é o fio condutor de uma mostra recém-aberta no Museu Picasso, em Paris.

A ideia de juntar as criações do pai do cubismo com as do escultor que se celebrizou pelos ‘móbiles’ que parecem desafiar a gravidade partiu de dois netos dos artistas, Alexander S. C. Rower e Bernard Ruiz-Picasso, e já havia ganhado uma primeira encarnação em 2016, em Nova York.

Agora, um conjunto de cerca de 120 obras busca retraçar a investigação do vácuo, da ausência de matéria que ambos empreenderam, cada um à sua maneira.

Picasso e Calder se conheceram em 1931, na abertura de uma exposição do americano na capital francesa, e só voltariam a se ver mais três vezes.

Apesar da distância, compartilhavam preocupações estéticas (como a busca pela forma mais potente de representar o movimento), e políticas (os dois apoiaram os republicanos na Guerra Civil Espanhola e criaram obras embebidas dessa convicção progressista, respectivamente, ‘Guernica’ e ‘Fonte de Mercúrio’).

Em Calder, a inclinação minimalista já se manifesta no começo da carreira, nos anos 1920, em trabalhos ainda figurativos e menos conhecidos do grande público, porém de grande força expressiva.

É o caso dos ‘retratos no espaço’ que dedica à dançarina Josephine Baker, esculturas suspensas feitas com fios de ferro, e nada mais. Do mesmo conjunto faz parte uma Medusa delineada com economia e uma releitura da luta de Hércules com um leão.
Na década seguinte, Calder mergulhará de vez na abstração, primeiro com objetos cinéticos motorizados, mas deixando suas obras ondularem ao sabor do vento e da curiosidade e proximidade humana.

De seu lado, Picasso busca a forma pura, essencial, espécie de átomo da representação.
Propõe-se a encapsular tempo e movimento pela sobreposição de perspectivas, logo subtraídas, simplificadas, até se reduzirem aos pontos e linhas que um dia, segundo ele, surpreenderam adeptos do surrealismo que bisbilhotavam seu caderno de croquis.
‘Admiro os mapas astronômicos. Parecem-me bonitos para além de seu significado ideológico’, diria o espanhol.

Na exposição, esse anseio de síntese fica evidente na série de 11 litogravuras (realizada entre 1945 e 1946) em que Picasso vai paulatinamente transmutando um touro figurativo em uma quase fantasmagoria animal, uma memória desencarnada cada vez mais geométrica, angulosa.

Já dos anos 1950, em outra sala, comparecem as esculturas longilíneas da série ‘Banhistas’, feitas com restos de estrados, pedaços de madeira, cabos de vassoura. Suas silhuetas de sílfide são atravessadas pela luz (no momento da criação, a da Côte d'Azur) e pelo nada.


Calder-Picasso
Museu Picasso, em Paris. Até 25/8






Fonte: Lucas Neves   |   FSP

(JA, Fev19)

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