Exposição em SP celebra a vida e a obra
de Paul Klee, pintor que imitava o olhar sem filtros das crianças para revelar
as alegrias e os horrores do mundo
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HERÓI MODERNISTA - A última natureza-morta de Paul Klee: humor como antídoto à doença e à perseguição nazista |
Deprimido por não achar um
jeito original de pintar, o suíço Paul Klee (1879-1940) teve uma iluminação ao
redescobrir desenhos que fez quando criança. Em uma carta de 1903, proclamou:
aqueles eram os trabalhos ‘mais significativos’ que já havia criado. Sete anos
mais tarde, Klee incluiu os rabiscos infantis em sua primeira exposição. Diz
uma velha maldade usada para atacar artistas modernistas que qualquer pirralho
seria capaz de emular suas obras. Antes que a tirada maliciosa se
popularizasse, lá estava o modernista de primeira hora vestindo alegremente a
carapuça.
Diante dos 123 trabalhos da
mostra Paul Klee — Equilíbrio Instável, que acaba de estrear no Centro Cultural
Banco do Brasil, em São Paulo, a questão volta inevitavelmente à tona: afinal,
uma criança poderia ter pintado obras como as que ilustram esta matéria?
O acervo vem do Zentrum Paul
Klee, instituição que ocupa um prédio magnífico projetado pelo arquiteto
italiano Renzo Piano nos arredores da cidade suíça de Berna, onde o artista
cresceu e viveu os últimos anos. A exposição, programada para passar também
pelo Rio e por Belo Horizonte, é a maior retrospectiva de Klee já realizada no
Brasil. E não apenas pela extensão. Cobrindo seus passos evolutivos dos
rabiscos infantis aos trabalhos finais, ela oferece um painel que não se esgota
no artista: resume as causas que mobilizavam a avant-garde modernista e as
tensões políticas de seu tempo.
‘Klee é visto como artista
misterioso movido por uma irreverência infantil. Mas essa é só a superfície:
sua personalidade complexa foge aos rótulos’, diz a curadora Fabienne
Eggelhöfer.
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DOCE MELANCOLIA – Klee em seu ateliê: artista celebrado por outros artistas |
Ao sabor dos trancos
históricos do começo do século XX, a pintura modernista foi do céu da liberdade
extrema ao inferno da perseguição por regimes totalitários. Klee talvez seja o
exemplo mais acabado de enfant terrible que ganhou notoriedade (e dinheiro) com
suas provocações, mas depois pagou um preço alto por elas.
Antiacadêmico que tateou em
busca de um estilo e espaço no mercado, ele finalmente se encontrou após
tornar-se amigo do emigrado russo e mestre abstracionista Wassily Kandinsky
(1866-1944) — de quem virou vizinho ao se estabelecer em Munique, na Alemanha.
Com aquarelas indecisas, por assim dizer, entre os motivos abstratos e a
figuração (e que influenciariam do catalão Joan Miró ao grafiteiro americano Keith
Haring), Klee fez grande sucesso nos anos da I Guerra. Foi convocado para o
Exército alemão, mas serviu num posto burocrático, o que lhe permitiu manter-se
ativo.
‘Enquanto a maioria dos
colegas lutava ou morria, Klee preenchia as paredes das galerias’, explica a
curadora. Para ele, quando o mundo ia mal, nada melhor que a abstração para
enlevar o público com cores aconchegantes.
Klee alcançou êxito comercial
e prestígio para se tornar mestre da Bauhaus, a arrojada escola de arte e
arquitetura alemã. Sua obra, enquanto isso, ganhava feições indefiníveis: ele
flertava com vertentes como o cubismo ou a pintura geométrica, mas nunca a
ponto de encaixar-se em padrões.
A fluidez explica por que não
se notabilizou como medalhões do tipo do espanhol Pablo Picasso. Mas fez dele
um artista cultuado por outros artistas e intelectuais.
É clássica a interpretação de
um de seus muitos quadros sobre anjos enigmáticos, ‘Angelus Novus’, pelo
filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940). Não sem alguma piração na
maionese, Benjamin — que era dono da obra — enxergava o personagem como
alegoria da História, a observar com horror os destroços do passado.
O próprio Klee experimentou
(assim como o suicida Benjamin) os horrores da história. Nos anos 30, com a
ascensão de Hitler ao poder, seus trunfos fizeram sua ruína.
Figurou na infame
exposição da 'arte degenerada' promovida pelos nazistas, que desejavam
substituir a 'decadente' pintura moderna pelo neoclassicismo estéril. Klee foi
acusado de ser judeu — e teve de provar que não era. Expulso da Alemanha,
voltou para Berna em 1933, e emendou o exílio com outra tragédia: a descoberta
de uma doença degenerativa fatal. Passou o fim da vida produzindo de forma
febril: só em 1939, foram 1 253 trabalhos.
É quando sua busca pela
pureza atinge o ápice: os anjos humanizados e os rabiscos primitivos cedem
lugar a vagas formas orgânicas e corpos desmembrados, como na natureza-morta
achada no cavalete quando morreu. Qualquer criança seria capaz de emular as
cores intuitivas e linhas simples de Paul Klee — mas raros artistas souberam
usar essa força primordial para expor a alegria trágica da existência.
Fonte: Marcelo Marthe |
Veja
(JA, Fev19)
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