Pintor
que usava elementos de religiões afro-brasileiras ganha individuais na Caixa e
no Masp
Nomear o caráter combativo e resgatar
a negritude da obra de Rubem Valentim é o que propõe uma retrospectiva do
pintor e escultor aberta no sábado (6) na Caixa Cultural, em São Paulo.
Objetivo parecido tem também o Museu de Arte de São Paulo (Masp), que inaugura
mostra semelhante dentro de um mês —‘Rubem Valentim: Construções
Afro-atlânticas’ - abre em 13 de novembro.
‘O que o Rubem Valentim coloca é o
seguinte: se não entendermos atos de violência, continuamos a perpetuar essa
violência como se não fôssemos violentos. Matar a Marielle Franco e depois
quebrar a placa dela, como aqueles dois fascistas fizeram, são frutos de uma
sociedade que não quer reconhecer a sua própria violência’, diz Marcus Lontra,
curador da mostra na Caixa. ‘Reconhecer a violência é o primeiro passo para que
possamos eliminá-la. Não vejo no Rubem uma obra de acomodação, ao contrário,
vejo nele uma obra de virulência, de resistência’, completa.
As duas exposições adicionam uma
camada de leitura politizada à obra de um artista, negro e baiano, durante
décadas visto pela crítica sobretudo pela beleza formal de suas telas com
sequências de elementos geométricos.
Ao tomar tal atitude, o circuito da
arte paulistana, tradicionalmente marcado pela presença de artistas brancos de
ascendência europeia tanto nos acervos quanto nas galerias expositivas, faz uma
espécie de mea-culpa, como que para reparar uma injustiça.
‘Construção e Fé’, na Caixa Cultural
da Sé, é uma versão com mais obras da mesma mostra que esteve em cartaz em
Brasília, no ano passado. São cerca de 70 trabalhos abrangendo três décadas da
produção do artista, tido como um dos mais importantes concretistas
brasileiros.
' Emblemágico 80', 1980 |
‘Variação 1’, 1987 |
'Emblema 79', 1979 |
'Composition 12’, 1962 |
'Emblema 85', 1985 |
'Emblema’, 1978 |
‘Objeto Emblemático 6’, 1969 |
‘Objeto Emblemático 9', 1969 |
'Poema Visual', 1984 |
Nascido em 1922 em Salvador, Valentim
cursou jornalismo e aprendeu a pintar de maneira autodidata. Passou por uma
fase figurativa e, no meio da década de 1950, voltou-se para seus ancestrais
africanos, cultura na qual encontraria as características que norteariam suas pinceladas
até o final da vida, em 1991.
Suas telas e esculturas sintetizam em
formas geométricas emprestadas do abstracionismo europeu símbolos do candomblé
e da umbanda: a flecha de Oxóssi, orixá da caça; a haste de seis pontas de
Ossain, divindade da cura; e o machado duplo de Xangô, deus da justiça. São
quadros com linhas horizontais e verticais, triângulos, círculos e quadrados
combinados de diversas maneiras.
À esta geometria, adiciona elementos
cristãos provenientes tanto de sua família quanto de sua criação na Bahia, a
exemplo do cálice de Santo Graal. A paleta de cores é quase sempre forte:
amarelos quentes, pretos muito escuros, azuis profundos.
O resultado é uma obra de sincretismo
religioso que, se por um lado foi muito celebrada em função de sua
originalidade e apuro estético, por outro passa a ser enxergada pelo meio com
lentes de 2018.
‘A ideia do sincretismo é muito
bonita, mas é fruto de um ato de violência. O sincretismo existe como uma
estratégia em que os negros foram agredidos porque não podiam manifestar os
seus cultos’, explica Lontra, da Caixa.
O Masp, por sua vez, levará para suas
galerias um conjunto de 92 obras —80 pinturas e 12 esculturas—, de um período
que vai de 1955 a 1978, ano seguinte à participação do artista na 16ª Bienal de
São Paulo. Parte destas esculturas esteve na exposição na Caixa Cultural de
Brasília, no ano passado.
O curador do Masp, Fernando Oliva, diz
que a ideia é apresentar uma ‘síntese do artista total’, ou seja, o Valentim
construtivo e o que frequentava terreiros quando criança.
‘Rubem Valentim: Construções
Afro-atlânticas’, é parte do eixo curatorial do Masp em 2018. O museu apresenta
este ano uma sequência de exposições em torno de questões levantadas pela
escravidão —que traficou 5,5 milhões de africanos para o Brasil.
A simultaneidade das duas mostras não
é por acaso: elas ocorrem em um momento de valorização de obras que lidam com
questões raciais, movimento que vem se desenhando há alguns anos, desde que o
mineiro Paulo Nazareth despontou com suas instalações e performances.
O reconhecimento de artistas negros
pelas instituições —a exemplo das gravuras do brasiliense Josafá Naves, também
em cartaz na Caixa Cultural de São Paulo, e da mineira Sonia Gomes, que expõe
agora suas esculturas de tecido no MAC de Niterói —, se traduz em um interesse
maior por parte dos colecionadores.
Segundo a galerista Berenice Arvani,
que emprestou obras de Valentim para ambas as mostras, os preços de seus
quadros saltaram de R$ 10 mil, na primeira metade dos anos 2000, para mais de
R$ 450 mil cobrados atualmente.
Este é o valor base de uma tela da
fase em que o pintor morou em Roma, entre 1963 e 1966, considerada uma das suas
melhores.
Rubem Valentim: Construção e Fé
Quando
até 16 de dezembro
Onde
Caixa Cultural - Praça da Sé, 111
Preço
Grátis
Classificação
Livre
Rubem Valentim: Construções Afro-Atlânticas
Quando
De 14 de nov. a 10 mar. de 2019
Onde
Masp - avenida Paulista, 1.578
Preço
R$35 (R$ 17 meia). Grátis às terças
Fonte: João Perassolo |
FSP
(JA, Out18)
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